AS AVENTURAS DO FIFI
“O Nosso Café” - Braga (encerrado)
Sou o Fifi.
Agora que os meus cento e muitos quilos me forçam a observar e não intervir na vida da terra que o frade achincalhou à duzentos anos, conto mais uns episódios, a juntar a outros que já conheceis, das agruras dum homem honesto a quem as águas do rio nunca lavou.
Filho de Melgaço, católico sempre que me convém, amante de comezainas e beberetes, jornalista nas minhas muitas horas vagas saudoso de tempos que já lá vão, sentado na minha cadeira confortável à porta da minha oficina-escritório, recordo um passado próximo de trinta anos quando, nós melgacenses, éramos tidos por espanhóis e camelos pelos meninos da cidade.
Fifi sou de nome desde o tempo em que o Gabriel me arreava na carola por cada corte que fazia na cara do cliente, do monte, nas sextas-feiras em que desciam à vila e ainda não se falava do contrabando de gado e banana que o ‘’ tampa de mala ‘’ tanto apreciava. Vizinho do Manel dos Ovos e do Pereira, só me interessava o café. Adiante, que a vida dá muitas voltas, e cadeira como a que tenho agora nunca antes me passou pelas nádegas.
Tenho pena é dos amigos que me visitam, Fifi vai um copo? já não temos o Berto e o Miguel morreu e só lhes cravo um cigarro porque tigelas é coisa que acabou na Calçada. Da minha rapaziada há um que aparece sempre com um bicho pitt bull que me põe os cabelos em pé, outro que está sempre de máquina fotográfica apontada à cara, um outro, visita mais frequente, sempre a convidar p’rás gajas na Galiza.
Eu prefiro recordar e contar a vida dum pobre rapaz da Calçada para quem a vida juvenil foi sempre madrasta.
Um dos malandros de Braga, com assento fixo no Nosso Café, deu-me o banho em 50 paus. Fiquei f*dido, remoí fígados e corações e jurei-lhe: um dia vou-te caçar.
Caçar sereno, à espera, vais aparecer e eu estou aqui. Vais estar na cidade onde nasceste mas que eu domino, tu acenas e eu atrás sorrio.
Sentei-me em frente do malandro de Braga numa mesa do Nosso Café. Fim de Verão.
Mas manhã fria a pedir um chocolate quente.
— Não tenho nota e quero-me pirar!
—Eu não tenho nada… espera…
— Espero o caralho, deves-me a nota, não tens, desenrasca-me, merda!
O malandro de Braga era o Pantera. John, para os camelos . O Pantera apanhara-me 50 paus mas eu tinha muito mais em discos que lhe pertenciam. Discos valiam dinheiro se tivessem compradores e em terra de tesos não valiam um tusto.
— Ao fim do dia apareço por cá.
Sabia muito bem a morada do meco, não tinha onde dormir e não demorava a ter fome.
‘’Não apareças e eu entro pela porta dentro’’ dava eu voltas à tola.
Não havia ninguém, nada de aulas, not people. Quem me deve bate a nota ou o coiro paga.
Pelas dez da noite apareceu, sorriso de treta no meu ver.
— Então..?
— Tenho fome e estou cansado, arranjas poiso?
Apanhamos o trólei para o alto de Braga.. O Pantera estrelou uns ovos que só vieram a aumentar a fome. Quarto com cama estreita mas que dava para descansar os ossos. Estou com olho meio aberto e assisto ao espectáculo do meco a abanar com um monte de notas de 100. Não dormi. Pela manhã deitei a mão às notas, contei mais tarde 18.
De saída para o centro, o Pantera foi contar as notas. Nem uma.
Sacudi as mãos e lá o consegui convencer que devia ter sido o irmão a mexer na carteira. Viagem no trólei e sem voltar ao assunto das notas lá fui dizendo que ia tentar boleia para a Póvoa do Varzim.
Foi Chaves o meu destino. E com 18 de cem no bolso.
O Pantera a arder e eu em Paris.
Encontrei o Pantera mais tarde nos Restauradores em Lisboa a vender bonecos de Natal, fazia parte de uma comunidade dos Meninos de Deus.
— John, não me conheces? Dei-te o banho em 18 notas!
— Amigo isso já passou. Encontrei Jesus e o passado desapareceu.
— Tudo bem John só te queria dizer que os 50 paus que não pagaste se multiplicaram em 1800 paus que te gamei e me serviram para ir até Paris. Quando quiseres digo-te onde deixo a carteira e podes ter a certeza que ainda te vai custar muito mais. Obrigado meu benfeitor e continua nas tuas seitas que eu ainda prefiro a Igreja de Stª Maria da Porta.
Vai-te foder camelo, que eu antes de me sentar nesta cadeira levei muitos pontapés no cú.
Fifi