MAIS UM DOMINGO II
Estava calma. Eram três, o baile já tinha começado. Era a hora do café e da copa. O terreno ainda estava seco, só daqui a uma hora, mais ou menos. O tempo de o pessoal aquecer.
Comecei com uma cervejita pois podia andar com ela na mão, do café para o salão, conforme os acontecimentos e a vontade. Era cedo para descer. Encostei-me ao balcão, a conversar com um dos donos, o Xoco, rapaz novo mas precursor. Toda a gente lhe "caía em cima". Via-se mal. As pessoas inventavam histórias de droga, de raparigas que andavam nuas na Discoteca, que só faziam barulho... Aquele café e salão eram movimento demais para aquelas mentalidades. Que houvesse algumas coisas, era natural. Fumavam uns "cigarrinhos" que os punham risonhos... e daí ? Não se metiam com ninguém. Eram jovens, só pensavam em distraír-se e brincar. A época deles era outra. O conhecido conflito de gerações. Pessoalmente, nunca reparara em nada de extraordinário. O que sei é que fazer barulho, faziam. O rapaz tocava no conjunto musical da Vila, os Gaudeamus. A Discoteca, que tinha o mesmo nome que o conjunto, fora fundada pelos quatro componentes do mesmo. Eram todos músicos de ouvido. Como não havia melhor na terra, a solução era aguenta-los.
Nós na conversa quando apareceu um meio quilo, que é da Gave, e que estava na tropa no Porto, o Camilo. Era um "canta-mañanas". Disse boa tarde, conseguiu reter-se uns instantes sem falar, mas a vontade foi mais forte. Nem esperou que eu e o Xoco cessássemos a conversa.
— Então, pá, vieste ao baile, pá ? – perguntou-me.
Irritado, estive para lhe dizer que não, que viera ver a Torre dos Clérigos. Encostou-se e começou a relatar o que, certamente, iria repetir durante a tarde a muitos outros. Assim era, cada vez que tinha uma nova e encontrava quem lhe tolerasse a conversa.
— No outro dia, aconteceu-me uma muito boa, pá. Estava eu com uns colegas de Transmissões (o regimento onde ele estava no Porto) na tasca do Diogo, pá, em frente do regimento, para onde vamos beber e petiscar, pá, à noite, quando aparece o Zé da Gana e o Papo Sêco, pá, com uma borracheira do caraças, pá ! Estás a ver quem são...
— O do Peso e o de São Martinho, não ?
Conhecia-os muito bem e ele sabia-o perfeitamente, mas era, para ele, uma maneira de fazer durar a história.
— Exacto, pá – e continuou a "lengalenga", animado — Ó pá, os gajos mal se seguravam de pé. Vinham fardados, boina no bolso, pá, gravata desapertada... camisa por fora das calças, pá... A sorte que tiveram ! Ó pá, se chegam a encontrar a Polícia Militar, estavam queimados, já viste ?
(continua)