OS PINTARROXOS IV
A mulher, a tia Ana, descobriu que ele tinha uma amante no lugar das Adegas. Disseram até que a filha que ela tinha era dele.
A vida privada deles tornou-se difícil, quase insuportável.
Em seguida, a Dona Maria José, de Sante, uma rica senhora que utilizava amiúde os serviços do automóvel de aluguer em grandes viagens: Braga, Porto, Fátima, etc. faleceu. Com isso cessou uma considerável fonte de renda.
O negócio dos ovos fracassou causando enorme prejuízo.
Para culminar, as autoridades camarárias, estranhando a prosperidade do Emiliano exigiram dele uma verba antecipada de quarenta contos e cassaram-lhe a concessão de cobrador do imposto.
Era só o que faltava para a derrocada total.
Quarenta contos naquele tempo eram uma fortuna. Pouca gente tinha um património daquele valor. Exigido assim, em curto prazo, arruinava qualquer um. Para conseguir o dinheiro reclamado pela municipalidade, o Emiliano teve que desfazer-se de seus bens. Vendeu o casarão do Rio do Porto à Dona Micas da Loja Nova, de quem o havia comprado pelos mesmos vinte contos que lhe custara, perdendo o valor das benfeitorias. Vendeu a camionete.
Vendeu o ventilador e o calorífico, o máximo de requinte em aparelhos electrodomésticos na época.
Vendeu o rádio, um dos poucos existentes na vila e vendeu as jóias que possuía.
Tudo isso não chegou e para completar a quantia necessária pediu emprestados doze contos ao Manuel da Garagem que iniciava a sua ascensão económica.
Os muitos amigos que frequentavam a sua casa para jogar cartas ou quino, comer e beber lautamente, participar de feiras e festas no seu carro e banquetearem-se à custa dele, afastaram-se a ponto de o desconhecerem quando cruzavam com ele na rua. Aquela ruína inesperada deixou o tio Emiliano desnorteado durante algum tempo.
Por vários dias ficou com as faculdades abaladas não dizendo coisa com coisa.
A partir dali, a muito custo conseguiu estabilizar a situação financeira quitando a hipoteca da casa mas nunca mais voltou àquela situação de fastígio.
A tia Ana que anteriormente dispunha de ajudantes para diversos serviços, viu-se, de repente, obrigada a arcar sozinha com os afazeres domésticos, lastimando-se das enxaquecas e achaques, lamuriando a toda a hora: “bem que eu não queria que prendessem os passarinhos…”
Manuel Igrejas
Rio de Janeiro
Public. em A Voz de Melgaço
Camborio Refugiado