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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

ENCONTRO COM INÊS X

melgaçodomonteàribeira, 06.03.13

 

 

    Respirou fundo enquanto eu retinha a respiração. Estava lívida enquanto eu suava por todos os poros. Quem é que eu tinha pela frente, perguntava-me. Que amor platónico, palpável, seios de morrer, lábios de morder e cabelo dançante me entravam pelo coração dentro.

    Qual estudante de História, qual carapuça, qual … meu Deus, quem é que eu tenho pela frente?

    Falou devagar, muito devagar, palavras que, juro ainda hoje, tinham séculos.

    — Tens o que querias. Nas tuas mãos está a sorte da tua terra.

    Saltei como se a pedra estivesse em brasa e, mais branco que a cera, aguardei, esperando por novas profecias saídas de um oráculo romano.

    — Amanhã, aquando do pôr-do-sol, vais lutar por ti, por el-rei e pela tua terra.

    — Luto com quem? … Já sei por quem luto!

    — A hora soará e então saberás!

    Inês sacudiu o cabelo, sorriu e, como nada tivesse acontecido, atirou:

    — Vamos beber um copo?

    Dali ao meu poiso favorito era um passo, mas logo franzi o nariz ao dar de caras com um amigo jornalista especializado em assuntos regionais.

    — “Mário, de beber para a brigada minhota! Hé, hé, hé …”

    O Jacinto sempre me tratou assim carinhosamente. Para ele eu não era um. Era uma brigada.

    Inês franziu o nariz e como que não quer a coisa, atirou:

    — Sou mais uma … Vai-te foder.

    Duas excursões de espanhóis, muita carne à mostra e o beija-mão do Torto, desculpem do Jacinto, aliás o Três (dramaturgo, bêbado e afectado de pequenino pela poliomielite que lhe deu as alcunhas, além de jornalista e má língua profissional) …

    — Inês, o meu amigo Jacinto.

    — Seja bem-vinda!

    — Encantada.

    O Jacinto, com um copo e rédea solta na língua, consegue fazer falar um morto. Eu já sabia que Inês não ia escapar.

    Agora, pelo canto do olho, era eu que não deixava Inês em paz, porque era mais que sabido que o meu amigo ia atacar. Atacar e de que forma!

    — Sabes com quem estás metida? Hé … hé … hé …. Conheces a brigada minhota? Hé … hé … hé …

    Apertar os tomates ao Jacinto já me tinha passado pela cabeça muitas vezes mas lambucar-lhe as mãos é que não. Foi o que saiu!

    — Pára lá meu, aqui não há namoradas. Não é hoje que o Mário enche a caixa à nossa custa.

    — Vai encher, vai! Carne desta …? Tem cabeça! Podes fugir com ela mas o cabelo fica.

    — Não fica não. Ficou foi o da outra, nas minhas mãos.

    O Jacinto riu; eu não.

    Aquele que pôs em cena o “seu” Édipo o Rei, olhou, engoliu e, assim como quem não quer a coisa, perguntou:

    — Quem é?

    Aí, levantei a voz e respondi:

    — Inês.

    — Inês. Para ele a Negra.

 

(continua)