ENCONTRO COM INÊS VIII
Muralhas do Castelo de Melgaço
— Só montanha!
— E o Minho a serpentear pelos vales, a beijar aldeolas …
— E tu a descreveres a minha terra.
— E eu a não descrever coisa nenhuma. O que é que queres que eu diga? Os livros dizem tudo.
Racional sim, mas o homem é um animal e só não se torna irracional em frente de uma mulher destas quando é mesmo irracional.
Já não sei o que fui antes ou o que sou agora mas sei que ou falas claro ou serei um presidiário - só pensei - já me vejo perante o sol aos quadradinhos numa cadeia qualquer, acusado de ter apertado o pescoço a uma bela donzela de cabelos negros, no Cais das Colunas.
— Tu sabes mais do que dizes.
— Claro que sei. Sei de trons disparatados que não faziam mossa nenhuma nas muralhas, sei das cortesãs na casa grande, sei do terror dentro do Castelo aquando do cerco, sei … Afinal, o que queres saber?
— Quero ouvir, o saber não conta.
— Palavras de filho de mamã.
— Ou de filho daquela terra.
— Terras, guerras, fome, destruição e morte? Grandes homens, grandes nações, muitos feridos, muitos mortos … Já estou farta. Prefiro falar de homens, mulheres, pequeninos, dentes de leite, amor, tudo o que é vida. Há coisa melhor que um sorriso de bebé? Naquela terra havia sorrisos de bebé?
— Havia. Havia sorrisos de bebé, porque aquela terra é igual às outras. Havia mulheres, homens, velhos, crianças e bebés. O mesmo que há agora: uns filhos da mãe, outros filhos da outra, mas todos filhos.
Quando o cerco começou desatámos a rir porque comida não faltava. Já tínhamos armazenado tudo o que havia nas cabanas em volta e os da casa estavam connosco. Mas logo percebemos que agora era diferente e logo na casa os melhores nacos nos foram tirados, roubados. Digo agora porque eram necessários aos senhores da casa que já estavam no Castelo e aos soldados que iam dar o corpo nessa guerra. Nessa altura, olhámos para os bebés, mal nascidos e já a sofrer a estupidez dos homens, e soubemos que não estávamos no melhor lado …
— Ufa … Continua.
— Falámos, ou melhor discutimos, gritámos, uns querem isto, outros aquilo e saímos.
— Saíram todos! Como era possível, se o Castelo estava cercado e as portas fechadas?
Riu bem alto na minha cara, com os cabelos a deixar só à vista aquela boca de lábios carnudos, dentes brancos e a ponta de uma língua que me martirizava.
(continua)