ENCONTRO COM INÊS IV
Passaram os dias, semanas, meses …
Ela não voltou e eu sofri. Órfão numa terra que nada me dizia desde que a conheci.
Lisboa com Inês, era o riso das gaivotas, o calor das gentes, o sorriso de amigos, o sol de Portugal, a recordação eterna do lugar onde nasci.
Tinha o amor de pai e mãe no calor dos seus olhos, a paisagem da minha terra na curva dos seus lábios.
Será que a perdi? Era a pergunta que não ousava formular. Inês era a minha vida, o Santo Graal que todos procuram e eu descobri.
Alguém muito amigo também descobriu que eu mudara. Mudara quando conheci Inês e muito mais quando a sentia perdida.
— Não esqueças, quando menos contares, truz-truz e aí está ela.
Voltamos a passar as tardes naquele Castelo, a olhar turistas barrigudos e a ser olhados por gordas turistas de mamas grandes, olhos comilões e cabelo de rato. Nós a discutirmos as coisas do costume. Quem pintou na parede “O Leopoldo caga de pé”? A erva do Mário é melhor que a minha. Esta noite temos quatro tubos de prelo …
Se a Inês me deixou órfão …
Há todo um mundo para descobrir. O Castelo é a base, o Licas o professor.
Em pleno PREC, ver o Licas de camisa branca com listas azuis muito finas, pulóver azul-escuro e emblema do CDS, das duas uma: ou havia desatino ou a erva era do melhor. Desempregado e a viver do que aparecia, mais a reforma da mãe, que não matava a fome a ninguém, toma-se de cuidados e aconselha o amigo:
— Noite de Santo António é noite de fazer dinheiro. As chavalas vão aparecer cheias de fios, dá-se uma ou duas de esfrega no bailarico, aplica-se o corta-unhas no pescoço, quando ele cai a mão avança pelo meio das mamas, ela reage, esteja quieto e … já está. Sem tirar nem pôr!
Seguir os conselhos do Licas nada mais fácil, mas o que saiu na rifa foi discussão política com um cantor que, há falta de melhores argumentos, despiu a camisa para que todos vissem o que sofreu na guerra colonial. Como tal, e pelo que cantava, ninguém podia pôr em causa que era homem de esquerda.
Logo de seguida, e a propósito de um tal Hélder que tinha bufado à PJ que havia drogas no bairro, entrámos de rompão por uma porta discreta que havia na parede do Largo e, cinco degraus subidos, apanhámos com um grande terraço assente nas muralhas do castelo. Rio Tejo a perder de vista e o grande Ary, braços abertos, rodeado de farinheiras e salpicões pão alentejano e queijos de Serpa vinho que já estava servido e flores iguais às dos jardins camarários a gritar:
— Sirvam-se mas nada de barulhos.
Ver aquele corpanzil, melena a tapar o olho, o grito de comando do palco e da vida, por nós há muito trocados por Joplin e Gil encolhemos os ombros e voltamos costas.
Grande banquete … mas era deles e para eles ficou.
Do Hélder nunca mais soube nada.
(continua)