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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

ENCONTRO COM INÊS III

melgaçodomonteàribeira, 06.03.13

 

 

     Inês pouco falou. Um comentário ou outro. E eu preso pelo trinado da sua voz. Na minha estratégia, conversa e mais conversa era coisa que não faltava, mas o sim e o não, o por vezes e talvez que saíam da sua boca faziam-me pensar.

    Que tinha nascido em Melgaço foi coisa que nunca escondi, minhoto 100%, anti-mouro quanto baste e amigo do amigo, tal qual meu pai me ensinou.

    — Estou a gostar do passeio e da companhia, mais ainda de te ouvir.

    Cântico do Zeca, lua cheia por entre o casario fazendo esquecer o fumo dos escapes, um sorriso para todos os loucos pobres da cidade, uma promessa de amor sempre cumprida, era o que eu sentia.

    Junto ao rio perguntou:

    — És mesmo de Melgaço?

    — Sou. Nasci dentro daquelas muralhas que os homens, mais que o tempo, têm derrubado. Com aquelas pedras foram construídas as casas de meus avós e tantas outras na nossa Vila. Porquê, Inês?

    Do rio já vinha uma aragem fresca e ela, levantando-se, espreguiçou-se com um sorriso.

    — Nada. Havemos de voltar aqui, mas por hoje chega que a noite está a arrefecer.

    Um beijo na minha face, um sorriso e Inês voltando as costas, desapareceu na noite com os cabelos dançando ao som de uma valsa que só ela ouvia.

    Quando nos voltámos a encontrar nem taft-taft, nem mosca existiam.

    O meu sorriso e o brilho nos olhos de Inês eram o mundo.

    Voltámos ao rio.

    — Não gosto deste rio. É grande como o mar … nunca gostei do mar.

    — Então porque vens aqui?

    — Nas águas do rio reflecte-se a minha alma, as montanhas com neve, o verde, verde da Primavera …

    Inês calou-se e eu sorri. Na verdade, sempre soube que a conhecia.

    — E, no Verão, o amarelo de …

    — Não digas mais. Vamos só olhar o rio.

    — Quem és tu?

    — Sou a Inês.

    Fiquei desarmado, mas a ansiedade no meu rosto fez com que o seu sorriso se alargasse cada vez mais e, beijando-me na face à laia de despedida, “disparou”:

    — Quem sabe, talvez um dia te conte a minha história.

    Os seus cabelos voltaram a dançar e ela desapareceu na noite.

 

(continua)