DE MELGAÇO PARA LISBOA
O jantar hoje foi na cantina.
— Bora, corre que ainda apanhas esse!
O amarelo subia a rua da Conceição para o Bairro Alto.
Saltei na Misericórdia - dez horas, baril para começar a noite.
Uma espreitadela ao Estibordo, bem composto, boa gente; na Pequena Trindade o costume – 2 ou 3. Espreito outra vez, Herberto na curva do balcão, cabeça baixa, um copo à mão.
Ná! vamos à Trindade.
Empurro a porta, a esta hora o vidro não pesa.
Do lado direito mesas ocupadas, do esquerdo vazia a do costume. É a primeira junto à porta que nunca se abre, não presta, o empregado anda quilómetros para lá chegar. Na seguinte, está o Vitorino e o séquito alentejano. Bons rapazes e no meio deles, de costas, o Jaime, bom amigo das Galinheiras. Dá um jeito nos coros do Vitorino ou do Zeca. Uma palmada no ombro, um S para contornar o Agostinho e bandeja carregada de cerveja.
Dou de caras com o Cabeça de Vaca, copo firme na mão e olhos a faiscar. Num segundo decido e paro, apesar, de ir contra os meus princípios de nunca parar sem primeiro dar a volta às salas e ao jardim. Está irritado e não mostra ter bebido muito; está mesmo irritado de p*ta madre.
— Ei Álvaro, que passa homem?
— Passa o caralho, levei a tarde toda com o Pacheco.
Álvaro, Cabeça de Vaca, que o Luís Pacheco assim baptizou.
Dupla mais que explosiva.
É melhor andar, mas quem me mandou a mim parar?
Atravesso a sala pelo corredor do lado direito para ter melhor visão do que se passa ao balcão e nas mesas próximas.
A sala terceira não interessa, é para os turistas, os gajos da linha, dos arrabaldes, dos fora da vida.
O outro Vitorino, ataca um bife, mais a filha Maria cada vez mais bonita.
O Sérgio vem do jardim, duas louras, boas, a reboque e diz um olá na saída à mesa dos alentejanos.
Controlar todos, para não haver surpresas, já que os cantadores - diz-se – andam de trombas. O Zeca e o Sérgio já trocam ditos no jornal!
No balcão, encosto para o lado dos da Damaia.
Pencudo e Ruizinho mais a Galinha, o melhor para começar a noite. Bebe-se e discute-se, Vian e a Espuma dos Dias é o tema.
Passa o Brito, velho de oitentas, amigo de meses, lenço preto ao pescoço – a maior parte das vezes é a meia preta da mulher - que já vem da FAI, coluna Durruti, cadeia na Argentina, anarquista, sóbrio e editor do jornal m*rda, mais o Xoan etarra de passagem para as suas lutas que também queriamos nossas.
Bebemos, o Ruizinho satisfeito porque arranjou uma de figurante; preocupado porque tem que apanhar com o Semedo.
— O homem é mesmo chato nas filmagens – diz o Ruizinho.
— Caga nele – sentenciou a Galinha – é uma semana a entrar nota.
— Vamos ao Coliseu, atira o Pencudo, temos a Consuelo e o Pepeu Gomes.
Acertamos em cheio!
Sala vazia e concerto intimista para umas cem pessoas.
Solos de guitarra de arrepiar cabelos, uma voz cava, negra e tambores de selva. O rapaz da percussão, quem sabe, ofuscado pelos cabelos negros que giravam à volta da cinturinha da rapariga de verde, bateu pele até à ultima. Acabou de rastos e ela sorrindo desapareceu na Cidade da noite.
Meia-noite, vamos a subir as Escadinhas do Duque.
O refúgio de monges recebe-nos com três filas em frente ao balcão.
O Canelas já lá está, acena-me com o Fura Fura do Zeca.
— Para ajudar à bebedeira - sopra por entre vagas de ar de cerveja.
E curtir as sete mulheres do Minho, mulheres de grande valor… (penso eu).
Fazemos companhia uns aos outros num copo ora cheio ora vazio.
— A Comuna tem Dário Fo, no Foz amanhã passa Pasolini.
Acenei a ninguém e procurei um fogareiro.
Santana à Lapa e vou até ao Zodiaco ver a Margarida, gorda, sexy, simpática, amiga, um ombro na noite.
Encontrar o Júlio e o Zappa, cerveja para acompanhar.
Bar, mesmo com a Margarida e o Zé Gordo como anfitriões, só dá para mexer a cabeça, o corpo está tenso.
Quando é que tu apareces?... não há chavalas sem guarda-costas!
— Estás bom…– o Fredy, baixo dos Tantra – faz sinal.
Amigos, os olhos de Margarida a seguirem-me, um beijo quando subi as escadas; um beijo dourado.
Táxi na Santana Á Lapa, Bolero na Judiaria, o destino.
O Jaime tinha mesa com três a acompanhar, duas mamalhudas e um pára-quedista que deu à sola quando puxei a cadeira da mesa ao lado.
Malhavam em inglês e eu pronto a dar o salto quando soou uma palavra em francês.
A mamalhuda da esquerda ficou para mim; Paris a minha Paris da Villette às Halles, do Tony e dos bailes na Rue de la Pompe, do consulado com argolas nas paredes tal qual as masmorras de Napoleon, os bailes da Bastilha com o Pepe e o Zorro.
É melhor o corpo que o espírito da alemã que falava francês e não sabia o que foi Champigny.
Dormir em pensões não é petisco que me agrade mas como entro às 6 da manhã no trabalho o melhor é não armar em esquisito e passar uma vintuinha para ser acordado a horas – indecentes – não vá o Diabo tece-las.
Quando o sol ainda está escondido começo a dividir as cartas que os nossos vão receber no dia seguinte, noticias ora boas ora más ou nem uma coisa nem outra.
Dez da manhã, subo a do Ouro e um dos que não viram o nascer do sol, a trabalhar comigo, atira:
— Moedas p’rá ginjinha.
Ganhasse ou perdesse o cálice estava sempre cheio.
Onze horas, caio na cama.
Despertador para as 4 com pequeno almoço às 5, o dia está a começar.
Camborio Refugiado