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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

A GRANDE GINCANA V

melgaçodomonteàribeira, 06.03.13

 

 

    Os parceiros deram o empurrão inicial no alto da ladeira. Lá veio o Carriço, tenso, teso, corda-guia retesada nas mãos controlando a direcção, pés fincados no sarrafo estribo, curva e contra curva, sobe um ressalto e desce mais desenfreado, parecendo um bólide. Com a mão direita acciona o travão que obedece, o carro pára derrapando um pouco; cumpre a primeira tarefa.

    De novo no carro disparado até a segunda tarefa. Cumpre-a. Mais curvas, uma bem inclinada. Sobe e desce uma rampa de madeira em balanço. Vai saindo-se muito bem, com rapidez nas tarefas e velocidade no carro.

    A cada missão cumprida o público aplaude freneticamente. Nas paragens um fiscal observa a correcção do cumprimento do regulamento.

    Não lembro bem as obrigações que os participantes tinham de cumprir.

    Algumas eram: enfiar um pau numa argola suspensa, em pé em cima do carro; quebrar uma bilha de barro de olhos vendados; sair do carro, ir a um ponto desviado, numa mesa baralhar e distribuir cartas para sueca; enfiar agulhas; pular corda; subir em pau de sebo; etc.

    Terminada a corrida, os jurados computaram as notas e proclamaram o vencedor. Por grande maioria de pontos, o campeão da Primeira Gincana de Carros de Pau de Melgaço, foi o Carriço.

    Aclamação e jubilo geral. Foi-lhe entregue uma faixa e a cobiçada garrafa de vinho fino.

    Os rapazes da equipe vencedora deliraram de alegria.

    Houve abraços e vivas.

    Pelo meio do publico, que vagarosamente subia de volta à vila, o carro vencedor, com o exímio piloto empurrado pelo restante da equipe, parecia um foguete, em velocidade e espoucar das rodas no empedrado irregular.

    No café do Sr. Hilário foi consumida a garrafa de vinho do Porto do prémio e dada expansão a tanta alegria.

    O carrinho foi usado e abusado.

    Nos anos imediatos, parte daqueles rapazes, inclusive o Carriço, foram para a tropa.

    O veículo fulgurante, já em petição de miséria pelo uso e pela chuva, veio ter às minhas mãos, herdeiro legítimo como irmão e primo mais novo.

    Grande dia aquele da Gincana Melgacense. Abençoada juventude aquela.

 

    Talvez o acontecimento que acabei de narrar não tivesse a importância que lhe dei, ou talvez tivesse. Pelo menos nos meus nove anos incompletos foi assim que o vi e senti. Ainda hoje, quase sessenta anos depois, me vejo encarrapitado no muro da Pastoriza, gritando feito um desesperado, incentivando o Carriço.

 

Rio, Março 1995

 

M. Igrejas