A GRANDE GINCANA V
Os parceiros deram o empurrão inicial no alto da ladeira. Lá veio o Carriço, tenso, teso, corda-guia retesada nas mãos controlando a direcção, pés fincados no sarrafo estribo, curva e contra curva, sobe um ressalto e desce mais desenfreado, parecendo um bólide. Com a mão direita acciona o travão que obedece, o carro pára derrapando um pouco; cumpre a primeira tarefa.
De novo no carro disparado até a segunda tarefa. Cumpre-a. Mais curvas, uma bem inclinada. Sobe e desce uma rampa de madeira em balanço. Vai saindo-se muito bem, com rapidez nas tarefas e velocidade no carro.
A cada missão cumprida o público aplaude freneticamente. Nas paragens um fiscal observa a correcção do cumprimento do regulamento.
Não lembro bem as obrigações que os participantes tinham de cumprir.
Algumas eram: enfiar um pau numa argola suspensa, em pé em cima do carro; quebrar uma bilha de barro de olhos vendados; sair do carro, ir a um ponto desviado, numa mesa baralhar e distribuir cartas para sueca; enfiar agulhas; pular corda; subir em pau de sebo; etc.
Terminada a corrida, os jurados computaram as notas e proclamaram o vencedor. Por grande maioria de pontos, o campeão da Primeira Gincana de Carros de Pau de Melgaço, foi o Carriço.
Aclamação e jubilo geral. Foi-lhe entregue uma faixa e a cobiçada garrafa de vinho fino.
Os rapazes da equipe vencedora deliraram de alegria.
Houve abraços e vivas.
Pelo meio do publico, que vagarosamente subia de volta à vila, o carro vencedor, com o exímio piloto empurrado pelo restante da equipe, parecia um foguete, em velocidade e espoucar das rodas no empedrado irregular.
No café do Sr. Hilário foi consumida a garrafa de vinho do Porto do prémio e dada expansão a tanta alegria.
O carrinho foi usado e abusado.
Nos anos imediatos, parte daqueles rapazes, inclusive o Carriço, foram para a tropa.
O veículo fulgurante, já em petição de miséria pelo uso e pela chuva, veio ter às minhas mãos, herdeiro legítimo como irmão e primo mais novo.
Grande dia aquele da Gincana Melgacense. Abençoada juventude aquela.
Talvez o acontecimento que acabei de narrar não tivesse a importância que lhe dei, ou talvez tivesse. Pelo menos nos meus nove anos incompletos foi assim que o vi e senti. Ainda hoje, quase sessenta anos depois, me vejo encarrapitado no muro da Pastoriza, gritando feito um desesperado, incentivando o Carriço.
Rio, Março 1995
M. Igrejas