O SANO III
Por falar no Sano, tenho uma boa para te contar.
Um domingo de tarde como muitos outros na Vila. O baile, na Barbosa, animado pelo Gaudeamus, despejava melodias que nada tinham de música.
E quê? O pessoal animava-se com a bebida e com a erva fresquinha vinda de Angola. Se não fossem as colónias (obrigado Salazar) o número de "caretas" em Portugal podia multiplicar-se por...por... e sou modesto.
O caso é que o Carlos de Valença tinha vindo ao baile e aproveitara para me trazer um envelope com muitas "cabecinhas". Como eu, na segunda de manhã ia para o Porto, p´rá tropa, e o Carlos também para lá ia fazer a feirinha, marcámos encontro na estação de combóios de Valença. Assim ficou a coisa combinada.
No dia seguinte, às nove e pico da manhã, estava eu em Monção sentado à espera do arranque do comboio quando aparece o Sano. Também ia para o Porto. Corte do c*ralho! “E agora?” – pensei eu.
Sentou-se à minha frente, contente por ter companhia durante o trajecto. Chegámos a Valença e aparece o Carlos, já bem cacetado. Sentou-se ao lado do Sano, que não conhecia, mas por quem já o era, e entrou numa racista.
— O que diz um preto quando entra pela primeira vez num helicóptero? Que burros são os brancos! Com um calor destes e põem a ventoinha lá fora!
Grandes gargalhadas. O Sano começou a olhar de lado.
— Eram dois pretos – continuou – que há muito trabalhavam para o mesmo patrão (branco, claro) e que há muito ganhavam o mesmo. Achando que não era natural, um deles decidiu ir ver o patrão e perguntar-lhe por que é que não eram aumentados.
— Sabes por quê, cabeça dura? Porque sois burros – respondeu-lhe o patrão.
— Burros? E que é isso, patrão?
— Vou-te mostrar.
Esticou o braço e abriu a mão que colocou diante duma árvore que ao lado dele se encontrava.
— Vais recuar e, com toda a tua força, vens bater com a cabeça na minha mão, está?
O preto concordou e lançou-se. É claro que o patrão tirou a mão e o preto deu uma valente cabeçada na árvore.
— Vês? É isto seres burro, senão sabias que eu ia tirar a mão. Percebeste?
— Sim, patrão. Agora sei o que é ser burro.
Regressou para junto do colega que logo lhe perguntou quais as razões que o patrão dera por não terem sido aumentados.
— Não nos aumentou, nem aumenta porque somos burros. Tu não sabes o que é. Também eu não sabia, mas o patrão explicou-me.
Olhou à volta e, vendo que não havia árvores, disse-lhe:
— Vou pôr a mão aberta diante da cara e tu...
Já não conseguiu acabar. Grandes gargalhadas. Que cacetada!
O Sano, sério, tinha o olhar noutro sítio, como que incomodado.
Mas não era pelo racismo, longe disso. Era pelas bocas que ouvira sobre o contador. Levantou-se e disse que ia mijar. Aproveitei para dizer ao Carlos quem era o Sano. Deu um salto e, deitando a mão a um saco plástico que pusera no porta bagagens em cima, disse-me:
— E a erva que tenho no saco?
— Deixa estar o saco que não há problemas, mas acalma-te um pouco.
O Carlos apanhou um bom corte. O Sano sentou-se e não o ouviu mais rir até ao Porto. Também lhe não tinha pedido tanto, c´um c*ralho!
Mal chegamos, com o saco plástico na mão, adeus até logo, mal se despediu.
E o Sano, para me mostrar e para se mostrar, convidou-me para comer um churrasquinho com batatas fritas e salada.
Na zona das p*tas.
Mas não pagou. Insistiu, mas o patrão não quis.
A. El Camborio
Camborio Refugiado