O ENTERRO DO ESTUDANTE VI
Voltou murcho, branco, branco … muito mais branco do que a cera que era queimada na capela em baixo. Três caras horrorizadas perante aquela cara amiga, amiga de todos os dias que acaba de nos deixar com a fome no rosto. Fome antiga, companheira e aparece como um fantasma.
— Qual é a tua?
— O que é que aconteceu?
O Fininho desata a rir… rir … mãos na barriga e nada o faz parar de rir…
— A garrafa … huf …! A garrafa de Porto está em cima da mesa …. Ah … ah … ah ….
— O quê? …. A garrafa? … Qual garrafa?
Já ninguém se entendia. A garrafa de Porto, mamada há dias, já não passava pela cabeça daqueles meninos.
O Fininho resolve pôr tento na desorganização que reinava no quarto e sem levantar a voz:
— Meus senhores, todos bebemos; é hora de todos enfrentarmos a fera. Vamos para a sala.
— P’ra mesa - ouve-se.
O grunhido foi de tal maneira forte que ninguém pensou duas vezes.
Acabou a música e ficou no ar o aparvalhado da situação em que temos muito para dizer, mas abrir a boca é que não. Sentados, mui direitinhos, nos lugares que previamente tinham escolhido, quatro pares de olhos, mui solenemente, fixos na garrafa do mijo.
Ouvidos, quais radares por inventar, ligados à cozinha. Daí vem o perigo. Perigo? Qual perigo? Daí vem o sermão. E que sermão!
— Eu – discursou, berrou e etc. a D. Maria – que sempre os tratei como autênticos filhos, por quem os vossos pais têm a maior consideração, que me encarregaram de os acompanhar, quer na educação, quer nos estudos, não merecia da vossa parte tamanha patifaria. Sim patifaria, porque não tenho outra palavra para dizer o que senti quando bebi o vinho do Porto. Os meninos não só beberam o vinho como se deram ao luxo de encher a garrafa com água de sabão …
Os olhares entre os quatro eram de espanto. Em tempo de guerra-fria, espiões dos E.U.A. ou U.R.S.S., James Bond incluído, não teriam feito melhor. Nem um músculo bulia na cara daqueles descarados … esfomeados.
— Porque eu provei!
Ninguém se riu. Ninguém olhou ninguém. Ninguém sabe o que se passou.
Com o silêncio, as culpas foram assumidas e, como tudo na vida, o dia a dia recomeçou. Com fome, alguma fome, digamos, e as portas da casa de D. Maria todas aferrolhadas, acesso à casa de banho e é um pau.
(continua)