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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

7 OBJETOS COM HISTÓRIA II

melgaçodomonteàribeira, 30.11.24

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4 – A BATELA

Entre Castro Laboreiro e Melgaço, são muitas as histórias de fronteira. Histórias de contrabando e de emigração, que a vida era então bem mais dura e ou se arriscava a vida diariamente pelas fronteiras terrestres, ou cruzando o rio Minho, ou se partia a salto em busca de França.

No vale, a fronteira é o rio e pelo rio se atravessavam, de noite, bens e pessoas, em operações arriscadas que muitas vezes acabavam mal, fosse pela atenção da Guarda Civil fosse por um golpe de rio.

Catarina Oliveira, socióloga na Câmara Municipal de Melgaço, conta-nos estas histórias de fronteira e fala-nos de gente que tinha por “intenção ganhar a vida e fugir à crise da altura”, mas que nem sempre alcançava o objetivo.

A batela faz ainda hoje parte da paisagem do rio Minho, junto a Melgaço, mas hoje apenas permite o acesso às centenárias pesqueiras.

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5 – O CASTELO

Se entre Castro Laboreiro e Melgaço a maior parte dos objetos com história contam a vida das pessoas, há um que ajuda a contar a história do país.

O castelo de Melgaço é tão antigo como a nacionalidade, tendo sido mandado construir por D. Afonso Henriques como forma de afirmação do novo reino e teve importante papel na sua defesa, nomeadamente no reinado de D. Afonso II.

Do castelo original apenas sobrevive a torre de menagem e parte da antiga cerca da vila medieval e hoje é núcleo museológico onde é possível perceber a história do município.

Na crise de 1383-1385, a praça de Melgaço alinhou ao lado de D. Beatriz contra as pretensões do Mestre de Aviz. Já proclamado rei pelo povo, D. João I fez o cerco à vila que durou 59 dias. Fernão Lopes, o cronista, conta estes dias e fala da luta entre duas mulheres do povo que daria origem à lenda da Inês Negra.

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6 – A LANTERNA MÁGICA

Mesmo ao pé do castelo, existe em Melgaço um excelente museu que conta a história da pré-história do cinema.

O Museu do Cinema de Melgaço Jean Loup Passek exibe parte do espólio do crítico de cinema francês que se apaixonou pela terra e gentes de entre Castro Laboreiro e Melgaço, doando ainda em vida toda a sua coleção ao município.

O pré-cinema é a joia da coleção. No edifício que hoje alberga o Museu, podemos ver uma rara coleção de lanternas mágicas que, no final do século XIX entusiasmaram os europeus com a s suas imagens em movimento.

O museu tem em exibição várias Lanternas Mágicas, assim como placas de vidro pintadas que permitiam criar a ilusão de movimento. Este é, verdadeiramente, um museu que não deve perder.

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7 – ALVARINHO

É impossível escrever sobre Melgaço e não falar do Alvarinho. A casta de uva pequena e muito doce produz um vinho verde muito aromático e, também, mais alcoólico que se tornou uma das imagens de marca dos concelhos de Melgaço e Monção.

O professor Álvaro Campelo explica ao Portugal de Lés a Lés como o Alvarinho se tornou um vinho que é identitário deste território. Nos primórdios, explica, era produzido em poucas quantidades e guardado para as ocasiões festivas da fidalguia da Riba Minho.

A razão era simples. Este era um vinho de uma uva produzida em muito pequenas quantidades nas latadas que bordejavam os campos agrícolas das encostas deste território entre Castro Laboreiro e Melgaço. Só muito mais tarde ele se tornou aposta de produtores e ganhou fama que ultrapassa as nossas fronteiras. Agora, afirma, vai mudar radicalmente a paisagem.

 

http://portugaldelesales.pt/entre-castro-laboreiro-e-melgaço/

7 OBJETOS COM HISTÓRIA I

melgaçodomonteàribeira, 23.11.24

7 OBJETOS COM HISTÓRIA ENTRE CASTRO LABOREIRO E MELGAÇO

JORGE MONTEZ 

Do planalto a 1200 metros de altitude ao vale do rio Minho, este é um território surpreendente e com muito para contar. Entre Castro Laboreiro e Melgaço, contamos a história de 7 objetos que nos ajudam a melhor conhecer o concelho mais a norte de Portugal.

Da necrópole megalítica ao museu do cinema, do fato castrejo ao castelo de Melgaço, do vinho Alvarinho ao contrabando, são muitas as histórias que se cruzam e os objetos que as simbolizam. Escolhemos 7 objetos que contam histórias entre Castro Laboreiro e Melgaço.

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1 – O fato castrejo

O tradicional fato da mulher castreja ainda hoje é vestido pelas mais velhas da remota aldeia serrana de Melgaço. Em Castro Laboreiro, quando o frio se instala, põem a capa à cabeça e, sempre agarradas ao cajado, tornam-se pontos negros nos campos do planalto ou nas encostas da Serra da Peneda.

O traje castrejo é quente, feito de burel e lã de ovelha, que por aqui não se compra nem se vende, apenas se troca havendo em demasia. Quando novas ou em dia de festa, permitem um toque de cor no negro carregado que todos os dias carregam. A camisa pode então ter um tom de vinho ou de verde, mas sempre escuros. A alegria da cor fica escondida e só quem a veste sabe que a tem.

Quando os maridos emigravam, ou o luto se fazia, as mulheres vincavam ainda mais o negro. Viúvas de Vivos, chamou-lhes José Cardoso Pires e o nome ficou.

A peça mais peculiar são os calções. Esta espécie de alpercatas é sempre branca e feita de lã grossa de ovelha, tendo uma dupla função: protege do frio, mas também do mato.

Maria Olinda Gonçalves explica-nos o fato castrejo. Este é composto por três saias. A saia branca – que é de linho – o saiote vermelho, “para dar um pouco de cor, a saia negra e o avental que aqui chamamos de Mandil”. A blusa é também ela negra e o lenço da mesma cor é preso com um nó no topo, que este era um vestuário do dia-a-dia. Finalmente, nos dias de chuva ou muito frio, as mulheres de Castro Laboreiro vestiam ainda uma capa também ela de burel grosso que permitia que o corpo se mantivesse seco.

919 c 7-Castro Laboreiro, 1971 - concurso de cães

2 – O CASTRO LABOREIRO

São conhecidos como os boca negra e o nome passou também para os habitantes da aldeia serrana. Os cães Castro Laboreiro levam o nome da terra onde nasceram. Esta que é uma das mais antigas raças da Península Ibérica é também uma marca identitária do povo que habita o alto da Serra da Peneda.

De pêlo malhado, parecendo quase uma camuflagem, o Castro Laboreiro foi fundamentalmente cão pastor, sendo hoje conhecido como cão de guarda. É um animal de grande porte, mas os olhos cor de mel não enganam ninguém. Pode ser de guarda, mas é dócil para os donos e adora crianças.

Quem o afiança é Sara Esteves a criadora que – juntamente com o marido e os filhos – conseguiu travar o que parecia ser a extinção do Castro Laboreiro e deu nova vida a esta raça muito peculiar.

Pela aldeia, é usual cruzarmo-nos com estes cães pelas ruas. De pouco adianta chamá-los, que são poucos os que aceitam festas de estranhos. Esta é uma das suas caraterísticas. “O Castro Laboreiro está sempre alerta e lê muito bem as pessoas”.

Como marcas distintivas da raça estão o céu da boca negro, as orelhas sempre caídas, a cauda sempre em baixo, os quadris direitos e aqueles olhos cor de mel que nos perdem. Mas as histórias que se contam nos serões à lareira de Castro Laboreiro – uma aldeia que é um caso único no mundo – envolvem quase sempre lobos.

Quando era pastor, o Castro Laboreiro usava sempre uma coleira com pregos para tornar mais justa a luta com as matilhas. Mondego ou Fiel eram então alguns dos nomes mais comuns e há sempre alguém que lembra aquele cão que um dia desafiou o lobo. “O Mondego era um cão muito bom, que conseguia vencer uma luta com um ou dois lobos, mas a sua principal preocupação era nunca deixar que a matilha o rodeasse”, lembra Filipe Sousa. É também por isso que o cão é um dos 7 objetos com história entre Castro Laboreiro e Melgaço.

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3 – A NECRÓPOLE MEGALÍTICA

O planalto de Castro Laboreiro é um local diferente, com uma energia muito própria, não é pois de estranhar ter sido este local escolhido pelo povo que aqui habitou entre o 5º e 4º milénio a.C. para erigir uma série de monumentos funerários.

A necrópole megalítica do planalto de Castro Laboreiro é a mais importante da Península Ibérica e ao todo tem mais de 80 monumentos. A maioria deles apenas são visíveis depois de se treinar a vista. São as mamoas, que se percebem na paisagem como pequenas elevações.

As mamoas cobriam as antas onde eram enterrados os mortos deste povo que vivia da caça e da recoleção. As escavações feitas permitiram datar os achados e ainda pôr a descoberto pinturas rupestres, com alguns vestígios de tinta.

É o caso do monumento 5 do Alto da Portela do Pau, onde na pedra aposta à entrada da anta são ainda perceptíveis os ziguezagues gravados na rocha.

 

O TRAJO DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 16.11.24

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O TRAJO DE CASTRO LABOREIRO

Maria Antónia M. Cardoso Leite

Antero Leite

Em carta datada de 26 de setembro de 1791, Dom Frei Caetano Brandão descrevia assim o traje das mulheres de Castro Laboreiro: Não há coisa mais fêa que o (uniforme) do sexo feminino; huma manta de Çaragoça dobrada na cabeça descendo da parte de diante até ao peito muito cozida com o rosto; de trás quasi até ao chão; hum avental da mesma, ou mantéo, sem género de refego, nem prega, polainas de panno branco, e huns tamancos muito altos, atados com diferentes corrêas; he o vestido geral de todas.

A esta fealdade no trajar, Dom Frei Caetano Brandão acrescentou liminarmente a sua apreciação sobre os rostos das castrejas: as caras são de tapuyas tostadas e disformes.

No ‘Minho Pitoresco’, cerca de um século depois, José Augusto Vieira exprimia uma opinião diferente ao afirmar a castreja com quem conversamos, assim como todas as que se relacionaram comnosco, de tracto afável e simples, modesta e com uma physionomia expressiva. Em todas encontramos uma regularidade de traços, formando um conjunto agradável e sympathico.

As peças mais originais do costume, ou trajo, que vestiam eram: a mantela, espécie de lenço para a cabeça, o collete, o manteo largo deitado desde os hombros até aos joelhos, as piugas e os tamancos que dão à castreja a pequenez do pé, como acontece na China com os borzeguins das altas damas. Chamam-lhes na linguagem local «alabardeiros».

Alguns anos depois, em 1904, Leite de Vasconcellos e o Abade de Melgaço, José Domingues, empreendem uma excursão a Castro Laboreiro montados em mulas e acompanhados de duas mocetonas, calçadas de grossos çoques (i.é, çocos ou socos), e com polainas de branqueta.

Quando chegaram a Castro Laboreiro era dia de feira e o etnógrafo observou “muitos homens juntos: apresentavam-se geralmente de cara rapada, vestidos de çaragoça (jaqueta, calças e collete), traziam chapéus de panno ou carapuça e varapau. Mulheres, por ser de gado a feira, não andavam lá muitas. O trajo ordinário d’ellas é: camisa, faxa vermelha; collete; jaqueta; saia branca; saiote; saia de cor, quási sempre preta, feita de foloado «panno de lã ou linho» que se fabrica em Castro; mandil, singuidalho, do mesmo ou de outro panno; na cabeça capella, que pode ser substituída por lenço; nas pernas calções e piúcas, meias sem pés, que se prendem com uma liga ou baraça; e nos pés chancas. (…) No Inverno, tanto homens como mulheres, se abrigam das neves, chuvas e friagens com o corucho, espécie de capuz de borel que se traz na cabeça, e tem uma espécie de aba que se prolonga pelas costas abaixo.

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O REENCONTRO

melgaçodomonteàribeira, 09.11.24

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virgínia ferreira

MELGAÇO: ‘JOVEM’ DE 90 ANOS SOMA ADMIRADORES

COM POESIA E MEMÓRIA IMPRESSIONANTE

Rádio Vale do Minho

05/06/2018

“Mantenho sempre a cabeça a trabalhar. Sempre ocupada”. Com um sorriso enorme, Virgínia Ferreira mostrava-nos com orgulho os seus escritos ao longo das últimas décadas. Ora se sentava, ora se levantava do sofá com uma agilidade incrível. E nós, a puxar pela ferrugem, a tentar acompanhar esta jovem melgacense ainda com 90 anos de idade. “Quando tinha 18 anos, eu tinha um primo em Lisboa que era diretor do jornal O Mundo Desportivo. Era uma pessoa muito inteligente. Escrevia muito! Nesse tempo estava o Fernando Pessa na BBC de Londres”, contava a Dnª Virgínia com uma memória fotográfica que, ao longo desta história, nos deixaria ainda mais boquiabertos. “O meu primo gostava muito de escrever sobre as Termas do Peso, mas conhecia muito pouco de Melgaço. Pediu-me então para o ajudar”. A jovem Virgínia assim fez. Começou a ser elogiada e percebeu que tinha talento para a escrita.

Dois anos depois, chegou o casamento. “A vida modificou-se completamente. Tive filhos. Trabalhava como comerciante de manhã à noite sem horários”, recordava. E o tempo para escrever começava a ser menos. A esferográfica acabou mesmo por ficar arrumada de vez num canto. “Fiquei viúva e entregue a um desgosto profundo. Não havia nada que me animasse! Não dormia… e durante o dia estava sempre triste”. Chegou então aquela noite em que, já de madrugada, Virgínia sentou-se na cama. Começou a escrever. Brotou poesia. E nunca mais parou. Virou-se para a prosa… e para um romance que chamou de O Reencontro.

A GUERRA E A FOME EM MELGAÇO

Virgínia consegue recordar cada dia da sua vida como se fosse ontem. Literalmente. Desafiámos a nonagenária a recuar aos tempos da II Guerra Mundial. “Melgaço estava muito mal. Passou-se muita fome. Tinha havido a Guerra Civil em Espanha, que ficou completamente destruída. Foi uma guerra que começou em 1936 e acabou em 1939, diz-nos em tom professoral. Com uma lucidez e um conhecimento de História de fazer inveja. “A II Guerra rebentou nesse ano e foi até 1946. Foi muito mau! Não havia nada nas mercearias. De vez em quando lá vinha alguma coisa, mas os comerciantes não nos podiam vender sem que tivéssemos uma senha que tínhamos de ir buscar ao presidente da Junta”. Os olhos de Virgínia Ferreira brilhavam. Como que mergulhados nesses tempos mais negros de um país e de um mundo encobertos pela escuridão. “Passou-se muita fome! Um dia cheguei a ver aqui em Melgaço uma mãe com uma cesta de milho para semear no campo. Ao lado caminhava uma criança a chorar e a suplicar: Mãe, não ponhas o milho na terra. Faz pão para comermos!”.

O LUXO DAS TERMAS E O FLAGELO DA EMIGRAÇÃO CLANDESTINA

Nas décadas 40 e 50 do século passado, conta-nos Virgínia Ferreira, as Termas do Peso viveram páginas de ouro. Eram frequentadas por gente das mais altas sociedades de todo o mundo. Dos mais afortunados até aos incrivelmente milionários e com os caprichos mais estranhos. “Naquele tempo as praias não estavam na moda. Eram mais as Termas! Vinham aí duas senhoras… as senhoras Moutinhas, de Lisboa, que traziam um cão muito grande, num grande carrão com motorista fardado”, descreveu. “O cão dormia no quarto delas no Hotel Ranhada. Os empregados até iam ao quarto servir a refeição ao animal, que não podia sentar-se à mesa. E o motorista é que dava banho todas as manhãs ao cão”. A memória de Virgínia Ferreira não falhava.

Mas os menos afortunados, leia-se a maior parte da população, tinham também acesso às Termas. “Havia lá umas funcionárias com uns copinhos próprios para dar-nos de beber. Mas não mais que isso. Se quiséssemos uma garrafa, tínhamos de a comprar”, apontou a nonagenária.

Seguiram-se depois tempos muito duros para Melgaço com a emigração clandestina. “Foi terrível!”, avaliou a poetiza que nos leu alguns versos que a própria escreveu sobre este tema:

A década de sessenta corria

No nosso país havia gente com muita necessidade

A vida era-lhes muito dura

O nosso regime era a ditadura, e não havia liberdade…

As pessoas que queriam emigrar para da miséria se livrar

Não o podiam fazer

Não conseguiam autorização para sair da nossa nação

E na miséria tinham que viver.

DOS DIAS FELIZES

Chegou, por fim, o dia da liberdade. “Levantei-me de manhã e fui para a loja. Ia sempre às 7 da manhã para distribuir o pão para as mães darem o pequeno almoço às crianças antes de irem para a escola”, prosseguiu com uma memória precisa. Ao detalhe cirúrgico. “Chegou então um senhor já idoso que me disse que se estava a passar um caso muito grave em Lisboa. Diziam no rádio para as pessoas não saírem à rua porque podiam correr perigo”. Mas tudo acabou como a História nos conta vezes sem conta.

Aos 90 anos de idade, Virgínia Ferreira é um hoje uma mãe, sogra e avó feliz. Terminou recentemente de escrever O Reencontro. E a família inteira fez-lhe uma grande surpresa. Publicou o livro e foi realizada uma autêntica cerimónia de lançamento nas Termas do Peso com direito a sessão de autógrafos. Emocionada, Virgínia Ferreira garantiu-nos que pretende continuar a escrever e a bordar até onde a saúde permitir. “Vou juntando tudo em cadernos. Depois os meus filhos, que são muito meus amigos, que façam o que quiserem. Tem aí muita bagagem para isso”, concluiu com uma gargalhada.

radiovaledominho.com

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pessoal do antigo hotel ranhada em 1956

 

AUTORIDADES EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 02.11.24

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marco 51 na ameijoeira  .  castro laboreiro

OPERAÇÕES POLICIAIS PARA CAPTURA DE REFUGIADOS EM

CASTRO LABOREIRO

Sempre que existiam suspeitas de que espanhóis tinham entrado em território português, as autoridades agiam no sentido de verificar a sua veracidade. Foi o que aconteceu no caso das informações recebidas sobre as incursões de espanhóis armados em Castro Laboreiro no final de agosto de 1936. No seguimento destas informações, o comandante do posto da GNR de Melgaço recebeu ordens para organizar uma patrulha para se dirigir a Castro Laboreiro, com a missão de verificar se tinha ocorrido a entrada de espanhóis armados na zona e se estes haviam procedido a buscas nas casas da população local, concluindo-se que tal não se verificara. Esta operação colocou em evidência um dos principais problemas que as autoridades tinham de enfrentar, o difícil acesso em virtude do terreno acidentado e montanhoso.

Podemos colocar algumas hipóteses a partir deste facto: que efetivamente circulavam poucos refugiados na região ou que os refugiados que se encontravam naquela área estavam bem escondidos das autoridades policiais. Devemos também ter em consideração que, com esta afirmação, o oficial português pretenderia querer demonstrar que a vigilância na região era feita de forma eficaz, o que poderia não corresponder totalmente à verdade. Com efeito, a presença de refugiados espanhóis em Castro Laboreiro parece ter sido significativa. Só para o primeiro semestre de duração do conflito espanhol, Ángel Rodríguez Gallardo, baseando-se em testemunhos orais, refere a presença de 480 refugiados na freguesia (Rodríguez Gallardo 2003: 641).

Estas batidas realizaram-se também ao longo de 1937 e 1938, e mesmo após o conflito. Em junho de 1938 era apresentado um relatório por parte do capitão Luís Gonzaga da Silva Domingues relativamente a uma expedição realizada na Serra da Peneda, localizada no Nordeste do distrito de Viana do Castelo, que contou com a participação de elementos da GF da Ameijoeira e de civis para servirem de guias e demonstrou algumas das dificuldades encontradas, nomeadamente maus caminhos, piso irregular e pedregoso, montes e vales com subidas e descidas íngremes.

Este operacional não considerava que existissem refugiados em grande número em Castro Laboreiro, e muito menos que eles tivessem na sua posse grandes armas, admitindo que os que andavam pela região encontravam-se isolados ou em pequenos grupos, abrigando-se em lugares incertos e sustentando-se à custa do que a população local lhes dava, por uma questão humanitária, por receio ou ainda a troco de dinheiro que, eventualmente, os refugiados pudessem possuir, situação favorecida pelo isolamento da região, evidenciando problemas como a carência de estradas e de recursos humanos e materiais.

Os relatórios e ofícios das forças policiais portuguesas atestam a presença de refugiados espanhóis na região de Castro Laboreiro e demonstram que, apesar dos esforços desenvolvidos pelas autoridades, muitos conseguiram escapar à repressão operada pelo regime salazarista. Em sentido contrário, inúmeros refugiados acabaram capturados pelas autoridades portuguesas, levados para as prisões e, posteriormente, expulsos do país.

A 25 de setembro de 1936 existiam 496 espanhóis detidos em Portugal, encontrando-se mais de metade concentrada no Forte de Caxias, o que se justifica pelo facto de ter sido durante o primeiro trimestre da Guerra Civil de Espanha que se registou a entrada de um maior número de espanhóis no país, sobretudo após a conquista nacionalista de Badajoz, como já documentou César de Oliveira (Oliveira 1987). (…) O desenvolvimento do conflito espanhol teve uma influência direta no crescimento do número de espanhóis detidos em Portugal. De acordo com o Registo Geral de Presos, em 1935 o número de espanhóis presos em território nacional não ultrapassava os 40 indivíduos, realidade que se manteve ao longo do primeiro semestre do ano seguinte, quando, até se iniciar a guerra civil, foram capturados cerca de 30 espanhóis.

REFUGIADOS ESPANHÓIS EM CASTRO LABOREIRO (1936-1939)

Fábio Alexandre Faria

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)

Maria João Vaz

Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL)