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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

À DESCOBERTA DE CASTRO LABOREIRO E SUAS GENTES

melgaçodomonteàribeira, 31.08.24

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FICAR “CHIMPADO” COM CASTRO LABOREIRO

Jorge Montez (texto)

Miguel Montez (imagem)

Do planalto aos picos escarpados da serra da Peneda, é em Castro Laboreiro que se encontra uma das mais grandiosas paisagens de montanha do continente. Pela natureza, mas também pela forma como o homem soube fazer seu este território, é natural que se fique “chimpado” com a aldeia serrana do concelho de Melgaço.

Este é o território do lobo e agora também das cabras pyrenaicas, do garrano e da vaca cachena. São os céus da águia de asa redonda e da mais rara águia real. Aqui voam os grifos e saltitam os corços. No alto da serra da Peneda, ali onde Portugal se encontra com Espanha, o tojo e a urze imperam no planalto, enquanto as encostas são cobertas por carvalhos, vidoeiros e pinheiros silvestres.

Esta é uma das paisagens mais intocadas de Portugal, fazendo parte integrante do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Mas é também uma paisagem humanizada, que o homem escolheu há milénios para viver. Castro Laboreiro é uma aldeia de costumes e tradições antigas que o antigo isolamento ajudou a preservar.

Fossem Gorriões ou Camarros, ou mesmo Truitinhas, os homens e mulheres que ao longo dos séculos habitaram Castro Laboreiro conseguiram fazer seu um território de grandes fragas e penedios que não se deixam moldar.

Esta é uma terra de gente de vida dura, marcada pelo ritmo das estações, que fez do centeio e da pastorícia o seu ganha-pão e que tinham casa de inverno para fugir aos rigores da neve na zona mais alta. As brandas e inverneiras fizeram desta aldeia de 40 povoados um caso único no mundo.

O rio Laboreiro nasce no planalto e corre pelos vales da Peneda em direção ao rio Lima. Pouco depois da foz, corta ao meio a aldeia. Os que vivem numa margem ganharam o nome de Gorriões e os que habitam na outra eram os Camarros. Truitinhas são os que vivem no centro da aldeia. “Durante muitos anos, Gorriões e Camarros não se deram. Não tinham qualquer contacto e nem se falavam”, conta Filipe Sousa, filho de pais que quebraram a tradição e – quais Romeu e Julieta – viveram o amor antes proibido.

Este caráter moldado pela imponência da paisagem, pelos rigores das estações e pelo isolamento, faz dos castrejos gente especial, que desde sempre lutou para sobreviver numa zona pouco amiga do homem. De grande ajuda, nos tempos em que havia muito gado no monte, era o cão mastim de pelo malhado e olhos cor de mel. O Castro Laboreiro é um cão de guarda por excelência e são míticos os seus recontros com o lobo.

TERRA DE TRADIÇÕES

Aqui nesta aldeia remota, nunca ninguém comprou ou vendeu a lã que os seus rebanhos dava. “Vender lã dá azar, porque é para fazer roupa e agasalho. Ainda hoje, trocamos a lã por colchas, toalhas e lençóis, mas não vendemos, continua Filipe Sousa, enquanto leva as suas ovelhas a um novo pasto.

Com o declínio da pastorícia, o Castro Laboreiro esteve em vias de extinção, mas uma família tomou em mãos a preservação da espécie e os grandes e falsamente pachorrentos cães conseguiram sobreviver. “O Castro Laboreiro é um cão doce, mas um óptimo guarda. Deixa as pessoas entrar, mas já não as deixa sair”, conta Sara Esteves que, juntamente com o marido e o filho, salvou a raça.

Com grande parte do território a fazer fronteira com Espanha, durante décadas a população de Castro Laboreiro teve no contrabando uma forma de vida. Pelos caminhos do monte levavam-se vacas, ou em tempos precisos, minério, para de lá trazer o café, o sabonete e os artigos que deste lado escasseavam.

Depois veio a emigração. Nos anos 60 e 70, a maior parte dos homens foi para terras de França ganhar a vida. Muitos ficaram por lá. Nesses tempos de comunicações difíceis, as mulheres vestiam de negro completo quando os seus maridos iam a salto pelos caminhos do contrabando. Ficaram conhecidas como Viúvas de Vivos, como lhes chamou José Cardoso Pires.

Exigia-o a sociedade e o decoro próprio de quem no casamento já ia de preto e desde menina que não vestia roupas garridas. Usavam a capa de inverno e também os calções que aqui são de lã grossa e servem para proteger as pernas do frio e dos espinhos do mato. Tornavam-se Viúvas dos Vivos para não serem apontadas na aldeia e para se precaverem de alguma desgraça que acontecesse em terras de França e cuja notícia demorasse a cá chegar.

Maria Olinda Gonçalves lembra-se bem do dia em que o seu marido partiu. “Tinha 19 anos quando ele emigrou e no dia seguinte saí à rua toda de preto. Não ia com este traje, mas usava calças ou saias pretas. As da minha geração foram as últimas viúvas de vivos. Quando ele chegou passados três meses disse que não me queria ver assim e como na altura éramos muitas mulheres novas na aldeia, apoiámo-nos umas às outras e deixámos de vestir de negro”. Estávamos em 1987.

MAMOAS, PONTES, CASTELO E MOINHOS

Esta é, como se disse, uma paisagem de que o homem fez parte. Ao correr do rio Laboreiro encontramos os moinhos e as pontes romanas e medievais de pedra de um ou dois arcos. O núcleo central da aldeia é dominado por um imenso penhasco no alto do qual existe um castelo que teve importância no estabelecimento da nacionalidade que recebeu mesmo a visita de D. Afonso Henriques. E no planalto, encontramos a mais importante necrópole megalítica da Península Ibérica.

São histórias que nos podem deixar “chimpados” (pronuncia-se “tchimpados”). Os castrejos, mercê do isolamento do alto da serra e da proximidade das aldeias galegas, têm um falar muito próprio e com expressões únicas. Um chimpado é um tolo que o pode ser permanentemente ou ter ficado depois de ver qualquer coisa de único. Por isso, corremos todos o risco de ficar chimpado com a beleza, a história e tradições de Castro Laboreiro.

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planalto de castro laboreiro

 

NADA A DECLARAR III

melgaçodomonteàribeira, 24.08.24

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posto da gf em s. gregório  -  ao centro

A GUARDA FISCAL

Em S. Gregório encontramos Avelino Fernandes, um antigo guarda-fiscal. “Vivi naquele período que toda a gente detestava. No dia que abriu a fronteira deitaram foguetes ali no bar. Passados uns anos estavam todos a chorar”. A Guarda Fiscal foi o braço armado do Ministério das Finanças, particularmente da Alfândega Portuguesa. Tinha como principal missão evitar e reprimir as infrações fiscais. O objetivo era a obtenção de receitas, defendendo os interesses da Fazenda Pública. Aos guardas era exigido o cumprimento da lei, independentemente dos atos que tivessem de tomar. Qualquer objeto era considerado suspeito e todas as pessoas que passassem a fronteira eram alvo de fiscalização. Os habitantes de S. Gregório sentem imensa pena de ver a antiga alfândega e as casas dos guardas degradadas. “Na altura, havia imenso movimento. Havia uma senhora que tinha uma taberna. Ela ajudava-os a passar. Tudo se sabia aqui. Quando via que alguém vinha para emigrar fazia um sinal de divisa, para informar que ali estava um guarda”, conta Catarina Oliveira.

Com a implementação em 1992 do Acordo de Livre Circulação de Pessoas e Bens no território da Comunidade Europeia, a fronteira terrestre deixa de ser relevante como marco de defesa do território. A Guarda Fiscal é extinta em 1993, sendo desativados todos os postos. “Não houve drama nenhum Uns foram integrados na Guarda Nacional Republicana (GNR) e outros reformaram-se. O drama não foi por aí. Houve sempre um sentimento da Guarda Fiscal que ainda hoje existe. Ainda hoje fazemos convívios. Aquele sentimento mítico é muito difícil de se apagar. Nós eramos como uma grande família. Fui para a GNR e fui muito bem estimado lá. Integrei-me muito bem. Mas, claro que estive muitos anos na Guarda Fiscal e é difícil”, ouvimos estas palavras de um saudoso Avelino Fernandes. No entanto, a indignação também toma conta da sua voz: “Quantos empregos se perderam na fronteira? Foram milhares! Nós eramos privilegiados. Havia um nível de vida alto. Vivia-se bem. Ganhava-se dinheiro, gastava-se”.

Avelino conta-nos que foi destacado para S. Gregório em 1973, ano em que o Almirante Américo Tomás veio visitar a fronteira. ‘Aqui começa Portugal’, lia-se na pedra recém-inaugurada pelo Almirante. “As letras roubaram-nas, a pedra ainda lá está”, refere o antigo guarda-fiscal e continua: “Quando se deu o 25 de abril, as pessoas que apoiavam o Almirante e apoiavam o regime fascista viraram-se”.

O antigo guarda-fiscal recorda: “Vim para a Guarda Fiscal com o Marcelo Caetano. Verificou-se ali uma abertura liberal. Claro, a mentalidade dos guardas mais antigos era diferente da nossa. O guarda tinha que ter um comportamento muito disciplinar em relação ao contrabando. Eles (os guardas mais velhos) apreendiam qualquer coisa e os mais novos já eram mais passivos”.

Apesar de desempenhar as suas funções como guarda-fiscal, não estava de acordo com muito do que se passava no antigo regime, “chegámos a ter conflitos com a polícia política. Eles eram capazes de nos complicar a vida, no entanto, tínhamos boas relações. Havia determinados assuntos que a gente dizia ‘isto não está bem’” e a resposta não tardava “cale-se que o senhor pode ser incomodado”, recorda Avelino.

A antiga casa da alfândega é feita em pedra com grandes arcos que antecipam a entrada. “Ninguém gosta de ver uma casa destruída, gosta? Uma arquitetura tão linda”. Os edifícios, na grande maioria foram entregues ao abandono, à degradação e à vandalização. “A nossa autarquia devia arranjar aquilo conforme a sua arquitetura original”.

Avelino gostaria de ver este património aproveitado, como por exemplo, um incentivo ao turismo. “Como o Museu Memória e Fronteira. O contrabando foi aqui, não foi lá (Melgaço). Não há nacionalismo nenhum. Como é que se pode abandonar um edifício assim? Como se pode abandonar Portugal? Criou-se ali o Museu do Contrabando, mas… abandonou-se um pouco o tema. Era como fazer em Lisboa um museu da agricultura”, partilha connosco.

Entramos na alfândega. Avelino caminha ao longo de todas as salas como se tivesse acabado de entrar em casa. Por momentos, parece estar novamente em tempos longínquos. A secretaria, o sítio de transmissões, a zona reservada aos oficiais, o quarto do oficial, o quarto de banho, a cozinha, a caserna. “Agora já não dá gosto vir aqui porque está tudo destruído”.

No entanto, Avelino Fernandes reflete acerca do impacto que o contrabando tinha na vida dos habitavam estas localidades. “O contrabando na fronteira terrestre era feito pela nobreza, pelo clero e pelo povo”. Corremos contra o tempo para preservar a memória dos tempos dos contrabandistas. Já não são tantas as memórias vivas que nos podem esclarecer sobre aquela época para percebermos que no Alto Minho a fronteira era apenas uma linha invisível. “Foi um sistema de vida. O melhor da minha vida já foi. A vida intensiva que tive aqui, acabou”.

ORIGINALMENTE PUBLICADO EM www.revistarua.pt

medium.com

Fotos: Arquivo do Blog

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cevide

 

NADA A DECLARAR! II

melgaçodomonteàribeira, 17.08.24

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cevide - ponte internacional

ALTO EM NOME DA FAZENDA NACIONAL

“A ‘pareja’ já tinha passado para cima. Havia a hora da muda, que era quando nós atuávamos”, explica o antigo contrabandista. O chamado ‘aguardo’ era feito por dois soldados que percorriam os locais por onde poderiam passar os contrabandistas. Havia um pacto de cavalheiros: quando o guarda avistava alguém, gritava “larga!” ou dava alguns tiros para o ar. O contrabandista devia deixar a mercadoria e fugir sem que os guardas fossem no seu encalço. “Os contrabandistas têm histórias de como nos conseguiam enganar e nós temos as nossas histórias. Às vezes, juntamo-nos e até vamos tomar um café. É uma forma de revivermos um pouco esta vida e esse tempo que aqui se passou”, conta Avelino Fernandes, conta o antigo guarda-fiscal.

Evitavam-se os guardas-fiscais do lado de cá e os carabineiros do lado de lá. O contrabandista socorria-se de truques e artimanhas para passar a mercadoria. O guarda-fiscal fazia o mesmo, mas no sentido inverso. Era o jogo do gato e do rato que fazia parte do quotidiano e que serve hoje para confraternização nesta zona. Era uma fronteira de oportunidades onde familiares, amigos e vizinhos partilhavam o dia-a-dia. Hoje, a zona raiana está isolada, desertificada. O antigo guarda-fiscal explica que a força tinha mais deveres do que fiscalizar os bens que atravessavam a fronteira, sendo a vigia e a segurança nacional uma das missões mais importantes. “Isto era a sentinela da nação. A Guarda Fiscal fazia apreensões aonde os apanhava. Havia aqueles mais habilidosos que diziam: ‘deixa-me ir embora e tal’. Hoje, se vai na estrada e a guarda quer multá-lo, o que é que faz? Se ele tiver um coração mais mole, diz: ‘vá, vá-se lá embora’. Se encontra um com o coração mais duro vai multá-lo e acabou! Aqui era igual”.

A gradual abertura à livre circulação provocou a extinção do contrabando tradicional. Em Melgaço, encontrámos S. Gregório, na freguesia de Cristóval, que outrora vivia sob uma azáfama de pessoas à procura de um negócio ou de uma oportunidade. Quando as fronteiras abriram os comércios fecharam e hoje é uma localidade deserta marcada pelos vestígios da antiga alfândega moribunda e das casas dos guardas.

Catarina Oliveira recolhe testemunhos de contrabandistas e de passadores pela região de Melgaço. “Conheci vários tipos de contrabandistas, desde aqueles que o praticavam para sobreviver, porque as famílias eram numerosas na altura e viviam principalmente da agricultura; os outros eram os patrões, os detentores do monopólio. Havia hierarquias dentro do contrabando”.

“Vivia-se na miséria”, conta Catrelo. Ser contrabandista era ter uma vida de perigos. A possibilidade de ser preso pela Guarda Fiscal, quando ainda em Portugal, ou, bem pior, ser-se preso pelos carabineiros, quando já dentro de Espanha, era real. Havia ainda o perigo de cair em algum poço de água. No entanto, o maior medo dos contrabandistas portugueses era ser apanhado por uma bala perdida dum carabineiro. Catarina Oliveira, socióloga na Câmara Municipal de Melgaço, conta-nos que “os carabineiros atiravam a matar! Sem dó nem piedade. Os guardas-fiscais eram mais fáceis. O ordenado deles não era excecional”. Catrelo acrescenta: “Os carabineiros, havia alguns que comiam, outros que não. Eu tinha muita confiança lá. Na zona raiana tenho mais amigos na Espanha do que cá. Quando o Vaqueiro e o Gaúcho dissessem pára, tinha-se mesmo de parar”. Para exemplificar conta-nos uma história: “Num dia que não pude ir aconteceu a tragédia. O meu colega, (José Maria Pereira, o Ratinho) levou um rapaz novato. O carabineiro gritou: Alto! Mas o rapaz não parou. Se ele parasse não lhe acontecia nada porque ele não tinha nada. Mas assustou-se e começou a correr. Aconteceu a desgraça. Matou. Matou”. Não vemos lágrimas nos olhos do antigo contrabandista mas a exaltação revela desconforto e angústia ao recordar a situação. A socióloga explica que, “a miséria era para todos e assim todos tinham a ganhar. Cada um recebia a sua parte. Em dinheiro ou em mercadoria. Temos registos de apreensões, tanto da Guarda Fiscal como da Guardia Civil”.

Normalmente, o contrabandista era pessoa conhecida. “Os criminosos, nós não sabíamos o que ali estava. Podiam ser assaltantes de bancos. Pessoas à mão armada que tentavam fugir pela fronteira, clandestinamente. Chegamos a prender alguns indivíduos”. Na zona fronteiriça, era obrigatório passar na alfândega quando se queria ir a Espanha. Segundo Avelino Fernandes, as pessoas tinham de pagar para passar. “Havia de tudo. Havia malfeitores. Havia pessoas que pediam para ir a Ourense porque estavam doentes. Era a vida da fronteira”. “Íamos para lá ganhar seis escudinhos”.

“Desmontámos um camião Volvo no meio de um campo de milho. Para a cabine, eram nove homens. Quem trouxe o saco das ferramentas fui eu, centenas de chaves que até arriava. Eu era espia, eles iam no barco e eu ficava a vigiar. Havia os guardas, uns enfiavam o barrete e outros não. Cada um safava-se”, conta.

Nascido em 1937, João José Costa Oliveira foi para Melgaço em 1957. “Foi lá que aprendi com o Manuel da Garagem, o maior contrabandista que houve na zona norte. Era o chefe da equipa daqui da zona do contrabando: lingotes, cobre, emigração, café”. Era à hora combinada, sempre à “primeira hora”, quando o dia adormecia que o grupo se juntava e ia buscar a carga, tomando conhecimento do percurso e do destinatário. “Diziam-nos: precisas de estar ali em tal sítio. Não há que falhar! Mais tarde é que abri os olhos e trabalhei por minha conta. Mas antes é que foi o duro do contrabando”. Quando interrogado acerca da sensação que sentia, Catrelo não hesita em responder: “Não sentia medo nenhum porque a gente já estava viciado naquilo e o serviço tinha que se fazer sem prejudicar o patronato. Nunca falhei aos meus patronatos!”

O contrabando não era só de mercearia. Pelo rio Minho passava também gado. Catarina Oliveira fala-nos que os porcos levavam-se pelo rio. “Há quem conte que também os passavam a nado”. No rio Minho usavam uma batela para fazer a passagem. Quase sempre durante a noite. Havia uma grande conveniência com a Guarda Fiscal, mas havia aqueles que eram mais fiéis ao regime e que não contemplavam a atividade. O contrabandista cerveirense exemplifica: “Cheguei a trazer suínos injetados no barco, de lá para cá. Trouxemos três. Quando vínhamos do barco já estrebuchavam”.

EMIGRAÇÃO

O contrabando de mercadorias também o foi de pessoas. “É engraçado que estas pessoas esquecem-se de muitas coisas, ma não têm dúvidas sobre o dia que marcaram a viagem, o dia que partiram e o dia que chegaram a França”, conta Catarina Oliveira.

Catrelo percorria o Alto Minho como árbitro da Associação de Futebol de Viana do Castelo. Usava-o para ir recrutando pessoas para dar o ‘salto’. “Quando aqui não se podia passar na emigração, arrancava-se com eles nos carros. Telefonávamos para a D. Maria e para os filhos. Ficavam lá numa serração e ia um táxi levar as malas”. Conta-nos que tinha já tudo combinado com os passadores em Espanha e que um dos cafés, próximos da linha do comboio, abrigavam os portugueses até a hora de partir chegar.

Depois do 25 de Abril, o contrabando e a emigração não pararam. “Levei centenas delas. Trabalhava para os outros, ganhava 500 escudos”. Aprendida a arte de passar as pessoas para o outro lado, começou o negócio por conta própria. “Eram 1500 escudos para os por lá na França”. Numa madrugada, pelas cinco da manhã, um táxi parou à porta da sua casa. Ao lado do condutor estava o chefe da polícia de Vila Fria. “Era o senhor Abel”. Catrelo recorda: “Perguntei se havia novidade”. Havia sim, o taxista, Joaquim Vilaça pediu-lhe para levar a filha do senhor Abel para França porque esta ia casar dentro de dois dias. Catrelo teve receio que fosse uma ratoeira e ainda tentou escapulir-se. No entanto, após verificar que o assunto era sério, aceitou fazer o serviço. “Aqui há ratoeira, tive medo! Mas disse que ainda que fosse preso, se ela quisesse ir no dia seguinte, que estivesse na caseta ao dar o meio-dia”. A filha do senhor Abel partiu e nada aconteceu a Catrelo. São muitas as histórias que nos conta e as atuais são sobre as pessoas que regressam e o reconhecem. “Ás vezes, aparecem aqui tantos e tantos que me dizem: “já não me conhece, mas foi você que me levou para a França”.

(continua)

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guarda-fiscal  -  s. gregório

 

NADA A DECLARAR! I

melgaçodomonteàribeira, 10.08.24

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rio trancoso - s. gregório

CONTRABANDO, EMIGRAÇÃO, DESERTIFICAÇÃO. COMO SE VIVE NA FRONTEIRA

DEPOIS DO 25 DE ABRIL?

04/12/2016

Texto: Luís Leite

Foto: Luís Leite & Nuno Sampaio

Apoio: Sofia Moleiro

O contrabando foi o sustento de muitas famílias. Após o 25 de abril e o Acordo de Schengen, a atividade tornou-se obsoleta e a Guarda Fiscal foi suprimida. Percorremos a fronteira em busca de memórias desses tempos. Contrabandistas, guardas-fiscais e passadores eram vizinhos, amigos e até familiares. Hoje, a fronteira está deserta.

 

“Na raia não havia nacionalidade. Este espírito de fronteira era de facto diferente” conta Avelino Fernandes, antigo guarda-fiscal. Hoje, aos 68 anos, sente saudades da confraternização com os colegas de profissão. Mais a sul, entre Caminha e Valença, onde o rio Minho começa a alargar o seu leito em direção à foz, situa-se Vila Nova de Cerveira. “Se não fosse a emigração isto estava tudo muito mal. O que é que faríamos?”, a saga dos contrabandistas que atravessavam o rio Minho é contada por João José Costa Oliveira, mais conhecido como ‘Catrelo’, hoje com 77 anos.

“S. Gregório virou uma localidade fantasma. Havia três ou quatro lojas que vendiam uma barbaridade. Acabou-se o cambio da moeda”, relembra Alfonso Viso, um espanhol apaixonado pela história da região. Em Melgaço, todos dizem conhecer alguém que andou no contrabando, mas poucos são os que têm vontade de falar, quer por receio de represálias antigas, quer por pressões familiares. “Infelizmente, algumas pessoas tem um certo receio de falar porque se sentem reticentes, mas há outros que fazem-no com muito prazer, com muito orgulho”, diz Catarina Oliveira, socióloga e funcionária do museu Espaço Memória e Fronteira.

O Trancoso, um pequeno afluente do rio Minho – que pode ser cruzado a pé – fez desta fronteira uma das mais conhecidas do país. O rio, de curto caudal, também fazia parte da rota do contrabando. Trazer a mercadoria de um lado para o outro era uma arte que poderia ser crime mas que não era pecado. Pão, açúcar, ovos, sabão, café e tecidos eram alguns dos produtos contrabandeados. A fronteira não delimitava a ação de homens e mulheres, adultos e crianças que percorriam a obscuridade para ir buscar ao lado de lá o que fazia cá falta.

Estamos com um pé em Portugal e outro em Espanha na fronteira de S. Gregório, freguesia de Cristóval. Andávamos à procura do marco nº 1, em Cevide, a localidade portuguesa conhecida por ser o lugar mais setentrional de Portugal, quando decidimos dar um salto a Espanha. Nos dias de hoje, quando atravessamos a fronteira para a Galiza não há nenhum guarda para nos pedir o passaporte. Antigamente, para ir comprar alguma coisa ao outro lado – quer porque cá não havia ou porque lá era mais barato -, a adrenalina seria diferente. Parámos no café Frontera, em Ponte Barxas, Padrenda, onde encontramos Alfonso Gómez Viso. O galego conta que anda a promover a localidade de Padrenda e que escreveu um livro sobre a região, ainda à espera de ser editado. Convida-nos a fazer uma visita guiada pela zona da antiga ramboia – o termo galego usado para falar do contrabando nesta zona.

“Eu, com quatro anos, dormia em cima das caixas das bananas”, conta Alfonso Gómez Viso. Com 37 anos, as memórias que tem do contrabando cingem-se aos anos 80, quando o tráfico de mercadorias aparece em grande escala. Gado e bananas são os produtos mais conhecidos, mas também se passavam outras frutas, vacas e porcos de um lado para o outro. Nas aldeias raianas havia uns barracões, as garagens, onde guardavam tudo. Catarina Oliveira conta que “as pessoas que se recordam dessa altura, falam de um contrabando não tanto impactante como o de antigamente”.

Subimos a serra do Laboreiro. Num instante estamos em Espanha e sem dar conta regressamos a Portugal. Parámos na fronteira entre uma aldeia portuguesa e uma galega, Alcobaça e Azureira, separadas pelo rio Trancoso. Para além do tradicional marco fronteiriço nada indica que mudámos de um país para outro, a fronteira não passa de uma linha imaginária entre marcos situados a muitas centenas de metros uns dos outros.

- Para lá fica Portugal, para cá fica Espanha – ouço a voz de uma senhora, vestida de negro. É um sotaque português, vindo de uma senhora toda vestida de preto, com um lenço na cabeça. Eu, do lado português. Ela, do lado espanhol. Dois palmos distanciava-nos.

- Não quer contar uma história do contrabando? –, pergunto.

- Eu não sei nada do contrabando, ainda para mais sou mulher de um guarda. Como é que posso saber? – responde.

A proximidade do comércio espanhol fazia com que a população se deslocasse às terras vizinhas para poupar. “Aqui, o contrabando era de alimentos, televisores, marisco. Era o contrabando de não pagar o imposto. De passar de um lado para o outro sem tirar dividendos disso”, explica Alfonso. Inicialmente, na década de 40, o contrabando começou com o café porque Portugal tinha-o em abundância e era de melhor qualidade. “Também levavam sabão porque as principais fábricas situavam-se no norte. Em compensação, bens alimentares como arroz, açúcar, amêndoa, chocolate, eram mais baratos em Espanha e vinham de Espanha para Portugal”, explica Catarina Oliveira.

“É muito curioso. Aqui dizem que as vacas mudam de cor. Mas o que acontecia é que mudavam de sítio. O vitelo ia para Espanha e a vaca ia para Portugal”, conta Alfonso. É frequente haver terras de cultivo de um mesmo proprietário com metade em Portugal, metade em Espanha. “Era a desculpa perfeita para passar o gado de um lado para o outro. Não era um contrabando mau, era de subsistência. As pessoas têm receio de falar porque não querem assumir que era uma forma de vida que havia”, acrescenta Alfonso.

A ponte é o que marca a zona de contrabando das pessoas desta zona. Uma garagem, outra garagem, mais uma garagem. “A sinalética é típica, quando deixavam uma janela aberta queria dizer que podiam passar. Estava tudo acordado com o guarda”. Hoje em dia, está tudo fechado. Destas garagens saiam e entravam produtos. Um dos locais era a povoação de Cela, onde se construíram enormes garagens nos anos 70 e 80.

Regressamos a Alcobaça, a aldeia onde começa a raia seca. A aldeã conta-nos: “Na Azureira havia ainda aqui três lojas, veja lá, para vender a quem?” Durante as noites, as lojas estavam abertas para se poder conviver, beber cerveja e petiscar. Alfonso continua a nossa visita guiada: “Aqui era mais convivência porque toda a gente conhecia tudo. Agora não há ninguém”. A aldeã remata: “Estavam abertas quando a gente lhes batia à porta”.

(continua)

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fronteira em s. gregório

 

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 03.08.24

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alto da portela do pau - planalto de castro laboreiro

SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS PORTUGUESES REVISITADOS

Jorge Raposo

DÓLMEN DO ALTO DA PORTELA DO PAU 2

Anta – Neolítico

Anta integrada no Conjunto Megalítico e de Arte Rupestre do Planalto de Castro Laboreiro, que reúne 62 monumentos funerários, na sua maioria mamoas de terra, com couraça lítica, sobre câmara megalítica. Conserva sete dos esteios que formavam a câmara poligonal. Seis deles apresentam gravuras incisas, com combinações de faixas de linhas quebradas ou ziguezagues paralelos ordenados em bandas.

Freguesia: União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

GRAVURAS RUPESTRES DO FIEIRAL

Arte Rupestre – Idade do Bronze, Idade do Ferro

Gravuras Rupestres integradas no Conjunto Megalítico e de Arte Rupestre do Planalto de Castro Laboreiro, que reúne 62 monumentos funerários, na sua maioria mamoas de terra, com couraça lítica, sobre câmara megalítica. Os motivos, executados por picotadas, distribuem-se pela superfície de dois afloramentos graníticos, um dos quais de grande dimensão. São de carácter geométrico-simbólico, predominando composições com base em quadrados de cantos redondos segmentados por dois diâmetros. Visualizam-se igualmente alguns podomorfos e paletas.

Freguesia: União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

POVOADO A SUESTE DO CASTELO DE CASTRO LABOREIRO

Povoado – Alta Idade Média (séculos VI a XI)

Conjunto de estruturas rectangulares definidas no terreno pelo alinhamento de blocos graníticos. Organizam-se ao longo de uma chã situada a meia encosta, na sua maioria delimitadas por um cercado que bordeja um caminho que a atravessa no sentido Norte-Sul. Para Norte deste caminho e para Sul e Sudoeste da chã, estruturas do mesmo tipo adossaram-se aos afloramentos rochosos e aproveitaram pequena plataforma, formando um conjunto de aspecto roqueiro muito dissimilado na paisagem. Há vestígios de uma estrutura de defesa muito fruste, pelos lados Norte e Sul, formada por grandes blocos graníticos muito irregulares.

Freguesia: União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

RUÍNAS ARQUEOLÓGICAS DA PRAÇA DA REPÚBLICA

Fortificação – Medieval Cristão, Moderno (séculos XIV-XV)

A couraça nova da Vila de Melgaço foi construída com silhares graníticos bem talhados, em meados do século XV. Localizada no enfiamento da torre oriental da cerca do castelo, colmatou uma deficiência na defesa deste lado da vila, sem inutilizar o velho fosso aberto no século XIV, operacional até ser entulhado em obras de remodelação realizadas no século XVII. A estrutura defensiva deixou de ter utilidade militar em meados do século XIX, para ser recuperada em escavações arqueológicas realizadas em 2000, de que resultou o núcleo museológico aberto ao público no ano seguinte.

Freguesia: União de Freguesias de Vila e Roussas.

AL-MADAN

Centro de Arqueologia de Almada

Janeiro 2016

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núcleo museológico da torre de menagem