MUSEU DO CONTRABANDO EM MELGAÇO
foto cmm
A MEMÓRIA COMO PATRIMÓNIO: DA NARRATIVA À IMAGEM
Luís Cunha
O núcleo museológico «Espaço Memória e Fronteira» legitima-se a partir de uma reivindicação de especificidade geográfica, a que se associam práticas sociais que o museu procura retratar:
O concelho de Melgaço é caracterizado por uma fronteira extensa e diversificada, que vai desde o rio Minho, passando pelos rios de montanha como o Trancoso e o Laboreiro e uma raia seca que se estende ao longo do planalto de Castro Laboreiro. Esta situação geográfica criou condições para que, ao longo do conturbado século XX, se enraizassem em Melgaço duas realidades, que se cruzam para além do traço comum da fronteira: a emigração e o contrabando. É da memória dessas duas realidades, que surge o «espaço memória e fronteira» (Folheto de apresentação do «Espaço memória e Fronteira»).
Ao mesmo tempo que apontam a “criação de um produto turístico e cultural” (Esteves & Sousa, 2007: 42), os responsáveis pelo museu vincam um conjunto de escolhas estéticas que visam provocar um efeito visível pelo visitante:
A proximidade do ribeiro e o dramatismo induzido pelas margens escarpadas do mesmo, emergiram desde o início do projecto como uma interessante alegoria à temática, pela analogia que permitiria estabelecer com a noção de fronteira, designadamente no que se refere ao troço em que este coincide com o rio Minho (Esteves & Sousa, 2007:43).
A construção de uma ponte pedonal junto ao museu, ao mesmo tempo que permite a ligação do núcleo antigo da vila às novas áreas de expansão, visa uma leitura simbólica, no caso a da passagem do rio/fronteira, inevitavelmente associada à emigração e ao contrabando.
Paralelamente à recolha de objectos associados ao contrabando e à emigração, o projecto compreende também a recolha de testemunhos e de histórias de vida. Assumindo-se como produto turístico proposto aos visitantes da vila, a verdade é que o «Espaço Memória e Fronteira» elabora também um discurso referencial para dentro da comunidade. As ideias de coragem e sacrifício ocupam um lugar central na narrativa que o museu propõe. No que diz respeito especificamente ao contrabando, a sua evocação assenta num conjunto bem definido de sinais atribuídos a essa actividade, dos quais se destaca a imagem do contrabandista como um empreendedor, alguém dinâmico e sagaz, capaz de enfrentar com bravura os obstáculos naturais e com inteligência a oposição dos guardas-fiscais. No que diz respeito à história do contrabando, esta é feita mais a partir dos produtos contrabandeados do que da modificação organizacional das práticas. Assim, entre os objectos expostos, encontramos amostras de vários produtos transportados pelos contrabandistas, mas também a farda de um guarda-fiscal, um barco usado no contrabando fluvial, autos de apreensão de mercadorias, etc. Já a imagem do contrabandista é relativamente plana, como se existisse uma espécie de suspensão do tempo.
O município de Melgaço, em alternativa à criação de um único espaço museológico, tem optado pela criação de uma rede de pequenos museus. O núcleo museológico da Torre de Menagem e as Ruínas Arqueológicas da Praça da República têm, também eles, uma evidente conotação histórica, mas o «Espaço Memória e Fronteira» é o único que procura fazer uma ponte com o presente, isto é, que procura dar sentido e conteúdo à memória colectiva através da construção de uma narrativa em que a comunidade pode e deve rever-se. A junção do contrabando e da emigração no mesmo espaço físico e em semelhantes balizas expressivas faz por isso todo o sentido. Não só pela permeabilidade entre as duas actividades – em lugares de fronteira a emigração incrementa-se não tanto pela diminuição do contrabando mas pelas transformações internas da actividade – mas também porque congregam tópicos discursivos convergentes. As ideias de travessia, de clandestinidade, de enfrentamento dos perigos e da luta pela sobrevivência e melhoria das condições de vida para a família, contam-se entre esses tópicos.
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