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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MUSEU DO CONTRABANDO EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 27.01.24

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A MEMÓRIA COMO PATRIMÓNIO: DA NARRATIVA À IMAGEM

Luís Cunha

O núcleo museológico «Espaço Memória e Fronteira» legitima-se a partir de uma reivindicação de especificidade geográfica, a que se associam práticas sociais que o museu procura retratar:

O concelho de Melgaço é caracterizado por uma fronteira extensa e diversificada, que vai desde o rio Minho, passando pelos rios de montanha como o Trancoso e o Laboreiro e uma raia seca que se estende ao longo do planalto de Castro Laboreiro. Esta situação geográfica criou condições para que, ao longo do conturbado século XX, se enraizassem em Melgaço duas realidades, que se cruzam para além do traço comum da fronteira: a emigração e o contrabando. É da memória dessas duas realidades, que surge o «espaço memória e fronteira» (Folheto de apresentação do «Espaço memória e Fronteira»).

Ao mesmo tempo que apontam a “criação de um produto turístico e cultural” (Esteves & Sousa, 2007: 42), os responsáveis pelo museu vincam um conjunto de escolhas estéticas que visam provocar um efeito visível pelo visitante:

A proximidade do ribeiro e o dramatismo induzido pelas margens escarpadas do mesmo, emergiram desde o início do projecto como uma interessante alegoria à temática, pela analogia que permitiria estabelecer com a noção de fronteira, designadamente no que se refere ao troço em que este coincide com o rio Minho (Esteves & Sousa, 2007:43).

A construção de uma ponte pedonal junto ao museu, ao mesmo tempo que permite a ligação do núcleo antigo da vila às novas áreas de expansão, visa uma leitura simbólica, no caso a da passagem do rio/fronteira, inevitavelmente associada à emigração e ao contrabando.

Paralelamente à recolha de objectos associados ao contrabando e à emigração, o projecto compreende também a recolha de testemunhos e de histórias de vida. Assumindo-se como produto turístico proposto aos visitantes da vila, a verdade é que o «Espaço Memória e Fronteira» elabora também um discurso referencial para dentro da comunidade. As ideias de coragem e sacrifício ocupam um lugar central na narrativa que o museu propõe. No que diz respeito especificamente ao contrabando, a sua evocação assenta num conjunto bem definido de sinais atribuídos a essa actividade, dos quais se destaca a imagem do contrabandista como um empreendedor, alguém dinâmico e sagaz, capaz de enfrentar com bravura os obstáculos naturais e com inteligência a oposição dos guardas-fiscais. No que diz respeito à história do contrabando, esta é feita mais a partir dos produtos contrabandeados do que da modificação organizacional das práticas. Assim, entre os objectos expostos, encontramos amostras de vários produtos transportados pelos contrabandistas, mas também a farda de um guarda-fiscal, um barco usado no contrabando fluvial, autos de apreensão de mercadorias, etc. Já a imagem do contrabandista é relativamente plana, como se existisse uma espécie de suspensão do tempo.

O município de Melgaço, em alternativa à criação de um único espaço museológico, tem optado pela criação de uma rede de pequenos museus. O núcleo museológico da Torre de Menagem e as Ruínas Arqueológicas da Praça da República têm, também eles, uma evidente conotação histórica, mas o «Espaço Memória e Fronteira» é o único que procura fazer uma ponte com o presente, isto é, que procura dar sentido e conteúdo à memória colectiva através da construção de uma narrativa em que a comunidade pode e deve rever-se. A junção do contrabando e da emigração no mesmo espaço físico e em semelhantes balizas expressivas faz por isso todo o sentido. Não só pela permeabilidade entre as duas actividades – em lugares de fronteira a emigração incrementa-se não tanto pela diminuição do contrabando mas pelas transformações internas da actividade – mas também porque congregam tópicos discursivos convergentes. As ideias de travessia, de clandestinidade, de enfrentamento dos perigos e da luta pela sobrevivência e melhoria das condições de vida para a família, contam-se entre esses tópicos.

 

UNIVERSIDADE DO MINHO

CRIA

 

A MISERICÓRDIA DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 20.01.24

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MISERICÓRDIA DE MELGAÇO

Esta Santa Casa estava em funcionamento já na primeira metade do século XVI. Inicialmente governou-se pelo compromisso da Misericórdia de Lisboa de 1516 e adoptou posteriormente o de 1618. A vila de Melgaço integrava o senhorio da Casa de Bragança, estando, portanto, sob a sua jurisdição. Em 1531 a Santa Casa estava já em actividade e, nesse mesmo ano, recebeu de D. João III o consentimento para integrar a gafaria de S. Gião, situada extra-muros. O pedido tinha partido dos mesários da Santa Casa, que afirmaram que «avya muitos anos que hy não avya» nenhum lázaro e «tinha o ditto espritall certas propriedades que rendiam entre em cada humm ano juntamente setecentos e trinta e dous réis». Acrescentavam ainda que as mesmas propriedades andavam mal aproveitadas e sem administradores.  Após consulta do provedor de resíduos, hospitais e capelas da comarca de Viana, a quem D. João III ordenou que se munisse de informação completa, o monarca concordou com o pedido dos irmãos. Declarou, contudo, que os confrades cumprissem os legados da responsabilidade do referido hospital e das suas rendas reconstruíssem a sua igreja, para se celebrassem as missas a que este estava obrigado. O remanescente seria empregue em obras de misericórdia. Embora, a incorporação fosse autorizada pelo monarca, um alvará de 1562, para que o referido hospital fosse anexado à Misericórdia, prova que o mesmo não foi incorporado em 1531. Apesar das preocupações expressas por D. João III, o hospital de S. Gião foi desmantelado e, em 1790, apenas existia uma pequena capela, dedicada ao santo padroeiro. A incorporação desta gafaria na Misericórdia significou o ingresso de novas receitas, possibilitando-lhe um crescimento sustentado. Em final do século XVI, a Santa Casa demonstrava já capacidade económica e dinamismo para empreender obras de vulto na sua igreja. Os confrades contaram com as esmolas de um número alargado de fiéis, com as receitas do peditório que realizavam pelas freguesias, com os proventos das multas aplicadas pelos oficiais camarários e com as receitas do peditório das feiras. Existia em Melgaço uma feira mensal onde ocorria muita gente proveniente de todo o Minho e também da Galiza. Os mesários distribuídos aos pares, iam à feira pedir para a Santa Casa. Esta estratégia prevaleceu ao longo de toda a Idade Moderna, dando conta do significado e importância que tinha a confraria. Para a construção da igreja, os irmãos contaram também com a ajuda enviada pelo duque de Bragança, D. Teodósio II. O duque mandou a quantia de oito mil réis, em 1590, provavelmente respondendo a um pedido da irmandade. Apesar de se conhecer hoje melhor a interferência dos duques nas instituições de assistência do seu senhorio, e de já se ter estabelecido a relação entre proximidade do Paço Ducal e intervenção dos duques, falta ainda avaliar o seu desempenho, enquanto promotores de práticas de caridade nas misericórdias mais longínquas de Vila Viçosa. Em 1597, foi a vez de D. Filipe I enviar 10 000 réis à Santa Casa. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, a confraria foi confrontada com novos desafios. A guerra da Restauração levou-a a prestar cuidados de saúde aos soldados. A Santa Casa comprometeu-se a trata-los nos quartéis, uma vez que não dispunha de hospital. Desenvolveu também várias solenidades religiosas: as festividades da Quaresma e a festa de Santa Isabel. Durante a Quaresma, a instituição efectuava vários desfiles processionais: o de domingo de Passos e os de quinta e sexta-feira santa.  No domingo de Passos, depois do sermão, os irmãos organizavam uma procissão, onde se integravam figuras religiosas, cheias com colmo, que se instalavam ao longo do itinerário, e distribuíam-se doces pelos «anjos» e pelos sacerdotes. Para a sua realização, a irmandade efectuava um peditório prévio. Os irmãos iam pelas freguesias pedir, cabendo-lhes apenas efectuar o registo da dádiva de cada um. O transporte das ofertas era realizado pelos mamposteiros, que se encarregavam de as fazer chegar à Santa Casa. Para além da «armação dos Passos», ou seja, de efectuar o calvário e todo o cenário em que se desenrolavam as cenas religiosas, era preciso ornamentar os andores. O andor do Senhor dos Passos era transportado por «coatro mancebos» e o pendão dos Martírios deveria ser carregado por «hum mancebo robusto», dado o seu peso. Em 1645, foi determinado pela Mesa que os andores se encomendassem «aos donos das posturas das cruzes (e) que os ornem com muita decência». Na semana santa, a procissão de quinta-feira era a mais grandiosa. O desfile saía às oito horas da tarde e regressava pela noite dentro. Era composto apenas por homens. Uma directiva do arcebispo bracarense D. Rodrigo de Moura Teles interditou a participação das mulheres nestas manifestações nocturnas. Saía da igreja da Santa Casa, dirigia-se à capela de Santo António, daí para a capela de S. Gião, desta para a igreja de Nossa Senhora da Orada e depois para a igreja Matriz, para recolher novamente na igreja da Misericórdia. Era uma ocasião importante, que obrigava a Casa a grandes esmeros. Preparavam-se as bandeiras, os andores, as alfaias religiosas, efectuavam-se compras e cuidavam-se das imagens, dos caminhos e da igreja. Nos templos por onde passava o desfile, a confraria colocava irmãos a pedir. Ao longo de toda a procissão existia outro confrade encarregue de rogar esmolas aos que assistiam. O cortejo era marcado pela presença de pedidores, que exortavam o crente ao desprendimento e à compaixão para com os mais desafortunados. Para a realização desta procissão exigia-se o empenho de todos os irmãos. No dia anterior e no próprio dia efectuavam-se os preparativos e «virão todos ajudar a armar a Casa». Toda a irmandade devia concorrer para um bom desempenho. Quando o trabalho era muito e os mesários não eram suficientes, mobilizavam-se todos os da instituição. O mesmo acontecia em Ponte de Lima não apenas para colher informações sobre as órfãs, mas também na distribuição de esmolas, no dia dos Fiéis-Defuntos. Por fim, a festa de Santa Isabel realizada a dois de julho. Esta festa honrava a padroeira, mas em Melgaço ela era sobretudo dedicada aos pobres. Apesar do avanço historiográfico conseguido nos últimos anos no campo das Misericórdias, a festa de Santa Isabel continua por estudar, sobretudo enquanto momento de caridade. Durante este dia os confrades desdobravam-se em trabalhos para satisfazer as petições. Em 1672, gastaram-se 3 600 réis nas esmolas enviadas. A dádiva podia ser de pão ou incluir também dinheiro. No século XVIII, estas ofertas diminuíram, embora continuassem a ser entregues. Ajudavam-se igualmente presos, doentes, passageiros, «alguns particulares» e pobres envergonhados. A assistência à alma era uma das principais atribuições da Santa Casa. Os pobres que morressem em suas casas, que aparecessem mortos na rua ou que se tivessem afogado, eram amortalhados e sepultados gratuitamente pela confraria, na sua igreja. Mandava-se-lhes ainda celebrar uma missa pela sua alma no dia do funeral. Porém, todos os que desejassem ser enterrados na Matriz ou em qualquer outro templo, seriam obrigados a pagar a tumba. Para o serviço ser gratuito estava, pois, condicionado à sepultura da sua igreja, local sobre o qual tinha jurisdição. Os irmãos eram igualmente sepultados gratuitamente. A Santa Casa tinha duas tumbas: a «inferior» e a «nova e superior». Para os restantes funerais possuía uma tabela com o preçário. Dentro da vila e na tumba «inferior», o preço era de 480 réis. Se residisse extra-muros, o preço ascendia a 720 réis. A tumba melhor custava para ambos os casos 2 400 réis. A Santa Casa possuía o privilégio de enterrar fora do termo da vila, podendo ir até às freguesias de Cristóval e de Paderne, termo de Valadares. Neste caso, e sendo irmão pagaria 1 600 réis, para a «refeição ou como regularmente chamam beberete de irmãos». A Misericórdia dava dois arráteis de bacalhau ou o seu valor em dinheiro a cada irmão que ia acompanhar o funeral. Estas freguesias distam alguns quilómetros da vila, obrigando os confrades a efectuarem longas caminhadas e a gastos de tempo. Por isso, este pagamento contribuía para os aliciar a comparecer e a tornar menos onerosa a sua participação. Os não irmãos eram obrigados à mesma contribuição. Se fossem sepultados na tumba «nova» pagavam 2 400 réis e na tumba «inferior» 800 réis. Os acompanhamentos efectuavam-se sempre na presença do padre capelão, que rezava dois responsos: um à saída da casa do defunto e outro quando o corpo era lançado à terra. Deveria rezá-los sempre em «voz baixa e submissa», como o próprio acto requeria. Instituição pequena, a Misericórdia de Melgaço tinha na assistência à alma a razão mais forte da sua existência, muito à semelhança do que se verificava na Santa Casa de Valadares.

ALTO MINHO: MEMÓRIA, HISTÓRIA E PATRIMÓNIO

MEMÓRIAS PAROQUIAIS

Maria Marta Lobo Araújo

pp. 669-670

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EXÉRCITO ROMANO EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 13.01.24

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MELGAÇO: SOLDADOS ROMANOS ESTIVERAM MESMO NO MUNICÍPIO MAIS A NORTE...

E NÃO FORAM POUCOS

Rádio Vale do Minho

21 outubro 2019

O exército romano passou mesmo por Melgaço. É o que demonstra um estudo recentemente publicado na revista científica Mediterranean Archaeology and Archaeometry, da autoria de investigadores portugueses e galegos que descobriram 25 novos sítios do Norte de Portugal e da Galiza que “comprovam arqueologicamente” a presença militar romana nos dois territórios.

Os autores do estudo identificaram várias tipologias de locais, tais como pequenos recintos, que albergavam entre 100 a 1500 militares, acampamentos de tamanho médio que hospedavam dois a quatro mil soldados, grandes acampamentos, recintos que excedem os 20 hectares e fortificações estacionais de pequeno tamanho.

Em Melgaço, conforme noticia o jornal O Minho, a Lomba do Mouro foi o exemplo encontrado pelos investigadores e classificado com em muito bom estado de conservação. Está localizado dentro da área do Parque Nacional da Peneda Gerês.

A equipa de investigadores acredita mesmo que o achado na Lomba do Mouro poderá ter albergado um autêntico exército entre 10 a 15 mil soldados durante o século II e I a.C.

De acordo com o estudo, foram também encontrados outros vestígios de presença militar romana em Arcos de Valdevez e Vila Nova de Cerveira. Durante a primavera e verão do próximo ano, os investigadores irão passar novamente pelos locais no sentido de validar a cronologia dos achados.

 

radiovaledominho.com

 

NOSSA SENHORA DA ORADA

melgaçodomonteàribeira, 06.01.24

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A LENDA DA SENHORA DA ORADA

Corria o ano da Graça de Nosso Senhor de 1569, e pelas terras do Vale do Minho espalhava-se a peste. Em todas as freguesias as pessoas estavam apavoradas com o terrível flagelo. Ricos e pobres eram atacados por um grande febrão, e ninguém parecia escapar a esta desgraça. Cheios de pavor e de fé, todos se voltavam para os santos, pois só a eles parecia restar o poder de debelar tão grande infortúnio.

Por essa altura, morava no lugar da Assadura, junto da Senhora da Orada, Tomé Anes, mais conhecido por “Vira-Pipas”, pois andava sempre com uma malguinha a mais. Tomé Anes era uma figura alegre, mas um pouco desbocada, quando importunado com a alcunha. Para além de pequenas leiras que animava, Tomé limpava e arrumava a capela de Nossa Senhora da Orada, trabalho que fazia com desvelo e devoção.

Numa certa manhã, como de costume, Tomé foi arranjar a capela. Como ainda era cedo, só tinha tomado o seu “mata-bicho”, lá em casa, e uma pequena malga de vinho na tasca da Mirandolina. Chegado à capela, o “Vira-Pipas” quase morreu de susto, pois a imagem da Senhora da Orada não estava no seu lugar, nem em qualquer outro! Às vezes acontecia que chegava a ver duas ou três imagens da Senhora, quando a borracheira passava do normal. Não ver nenhuma assustava-o seriamente. Cego não estava! Ainda perguntou à imagem do Senhor S. Brás pela ausente, mas como ele não respondeu, pensou que teriam sido os galegos os autores de tão vil afronta. Furioso saiu o “Vira-Pipas” em direcção à Vila para comunicar o sucedido ao Alcaide, e disposto a juntar o povo para enfrentar tal desfeita.

Ia o Tomé nestes propósitos pela via romana, quando o chamaram da casa do Arrocheiro para dar uma ajuda na trafega do vinho. Este era trabalho a que nunca se negava o Tomé, já que entre o passar dos cabaços de vinho, lá ia bebendo uma pequena malga do apreciado líquido.

Depois de muito bebido e comido, o “Vira-Pipas” deixou-se levar pelo sono, de modo que só noite dentro acordou e contou o sucedido para os lados da Orada ao seu amigo. Conhecendo os hábitos do Tomé, este só se riu, não acreditando em tão fantasiosa história. Mas como o Tomé insistia tanto, concordou em confirmar o acontecido com uma visita à capela. Ao entrarem, verificaram que a imagem da virgem estava no seu lugar. O único surpreendido era o “Vira-Pipas”!

No dia seguinte, muito envergonhado, Tomé decidiu ir à Senhora da Orada mais cedo do que era costume. Para testar as suas capacidades, num grande esforço, não bebeu a sua malguinha de vinho, nem o imprescindível “mata-bicho”! Chegou até a meter a cabeça debaixo da fonte para dissipar os possíveis vapores alcoólicos do dia anterior.

Na capela verificou que só estava o menino Jesus, sentado com aquela cara de choro que toda a criança tem quando a mão não o leva ao colo. Tomé ficou abismado, sem saber o que fazer. Com medo que se rissem dele, não contou a ninguém, preferindo entregar-se ao trabalho, ao ponto dos conhecidos ficarem admirados com tal dedicação.

De manhã e à noite ia à capela, e verificou que a Senhora da Orada voltava à noitinha. Umas vezes levava o menino, outras não. Só o Tomé sabia destas fugas, e pressentiu naquele mistério uma grande responsabilidade. Não lhe passava da ideia o que lhe acontecera, julgando-se destinatário de uma mensagem da Senhora para que abandonasse o consumo do álcool. Por isso, começou a diminuir no vinho, o que a todos surpreendeu!

Enquanto isso sucedia ao pobre do Tomé, em Riba de Mouro, no concelho de Monção, os habitantes viraram-se para a milagrosa Senhora da Orada, a fim de se livrarem da mortífera peste, que por aqueles anos assolava a região. Para agradar à Senhora, prometeram uma romagem anual à capela.

Depois de aparecerem os primeiros casos, surgiu na dita freguesia uma senhora, muito bonita e educada, que dizia saber como tratar aquela doença. Ninguém sabia donde ela viera. Entrava na casa das pessoas doentes, mandava fazer um chá com uma planta que trazia no alforge, e juntando outras ervas, mandava preparar um banho que ela própria passava no corpo do doente, fosse mulher, criança ou homem. Recomendava às pessoas que se lavassem com ervas de Santa Maria e folhas de sabugueiro, que defumassem as casas com alecrim e lavassem as roupas amiúde.

A bondosa dama não tinha mãos a medir! De manhã até à noite, não parava de atender doentes. Não comia nem aceitava convite para ficar à noite com eles. Quando trazia um menino, que dizia ser seu filho, este ajudava a descobrir a erva de Santa Maria e os sabugueiros que o povo não sabia onde mais encontrar.

Entretanto passaram-se quarenta dias, e a peste abrandou. Poucas pessoas sobreviveram ao flagelo, mas em Riba de Mouro ninguém morreu! A Senhora que tinha ajudado a população desapareceu como havia surgido. Todos se perguntavam agora sobre a identidade daquela misteriosa Senhora. Alguém se lembrou então, que a roupa e até a fisionomia, eram iguais à da Senhora da Orada!

Nesta certeza, logo partiram em romaria ao seu santuário, agradecendo a protecção. Vendo tal devoção e escutando o sucedido, o Tomé entendeu rapidamente o que lhe tinha sucedido e resolveu contar a todos o desaparecimento da Senhora naqueles dias anteriores. Agora, todos acreditaram!

Os romeiros partiram, espalhando o relato do milagre por todas as freguesias.

 

(Recolhida pelos alunos da Escola Profissional do Alto Minho Interior, acessível em:

http://patrimoniodefuturo.webs.uvigo.es/escola-profissional-eprami-melgaço/)

 

A LITERATURA ORAL TRADICIONAL NO CONCELHO DE MELGAÇO – UMA RIQUEZA DO PATRIMÓNIO CULTURAL E LINGUÍSTICO.

ANA MARIA ESTEVES DA ROCHA RAMOS

UNIVERSIDADE ABERTA

2019

904 c 59-Melgaço - Capela da Orada, 1911.-17.JPG

capela da orada - 1911