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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

A IMPRENSA MINHOTA E A PNEUMÓNICA

melgaçodomonteàribeira, 30.12.23

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 desenho de a. sousa

 

A PNEUMÓNICA NA IMPRENSA DO DISTRITO DE

VIANA DO CASTELO

Alexandra Esteves

Num meio conservador e no qual o catolicismo estava muito enraizado, é compreensível que as populações se voltassem para a religião, na tentativa de escapar a uma realidade adversa e que não conseguiam controlar. Promessas, procissões e ofícios religiosos eram formas de invocar a proteção divina. Nestas ocasiões, que também eram divulgadas pela Imprensa local, perante o medo, o sobrenatural e a ciência integram um todo holístico tendo como fim último a cura.

Os periódicos iam informando sobre o impacto da Pneumónica na vida das gentes do Alto Minho, dando conta das escolas que atrasavam a sua abertura, dos exames que eram suspensos, das igrejas que fechavam as portas ou até do aniversário da implantação da República que não foi celebrado. Por outro lado, muitas boticas tiveram de fechar, jornais deixaram de se publicar porque o seu pessoal tinha adoecido, e as feiras foram suspensas. Alguns destes assuntos geravam discussões acesas, pois havia quem entendesse que havia excesso de zelo nas notícias divulgadas e nas medidas que eram tomadas.

Os jornais não se limitavam a anunciar os efeitos da epidemia na localidade onde eram publicados, mas também davam conta da situação nos demais concelhos. A Gazeta do Lima, de Viana do Castela, relatava um acontecimento insólito ocorrido em Melgaço, onde o flagelo grassou de forma galopante: os enfermeiros, tomados pelo medo, abandonaram o hospital da Misericórdia, passando o socorro a ser garantido pela delegação da Cruz Vermelha de Viana do Castelo, que se deslocou para aquela vila e instalou um hospital na escola.

O CERCO A MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 23.12.23

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A GUERRA EM MELGAÇO

(…) A grande prova da eficiência dos engenhos de torsão e contrapeso utilizados na guerra de cerco portuguesa dos finais do século XIV, apresenta-a Fernão Lopes ao descrever o cerco de Melgaço, no primeiro trimestre de 1388:

nove dias após o início do assédio, e «tendo jaa os da villa lamçadas lx. pedras de troons, que nam fezerão porem dapno, mandou el-Rey armar huum enjenho açima da ponte da villa. E logo esa quarta feyra lançou cimquo pedras, e tres foram dentro no logar e duas deram no muro. E respomderan-lhe de dentro com doze pedras de troons, que nenhuum dapno fezeram. A quynta feira lançou o enjenho xxv. pedras; das quaees deram xvj. no muro e duas em dous caramanchões que foram logo deribados. E as noue cahiram dentro na villa, que fezeram gram perda em cassas que deribarão».

O cerco de Melgaço terminaria com a rendição da praça aos 53.º dia, e o balanço da artilharia utilizada não podia ser mais expressivo:

«(…) temdo lançadas da villa de dentro ao arayal cento e xx. pedras de troons, que nenhuum nojo fezeraão, e do arayal a villa trezemtos e xxxvj., que danaram gram parte della».

 p. 354

(…)

Um caso de alguma maneira aparentado – porque oriundo da mesma matriz supersticiosa e mágico-protectora – é descrito por Fernão Lopes e tem como cenário a rendição de Melgaço às mãos de D. João I, em Março de 1388. (…), a preitesia acordada com os minhotos previa que os sitiados abandonassem a praça simplesmente em gibão; ora, acrescenta Fernão Lopes que um escudeiro fidalgo de D. Juan I, homem mancebo dos seus 20 anos, veio então pedir ao monarca português que o autorizasse a preservar as suas armas – que eram as primeiras que tinha – ,não pelo respectivo valor, mas «porque me parece que jaa com outras nam poderia aver nenhuum boom aquecimento se estas em tal guyssa perdesse».

 p. 464

 

A GUERRA EM PORTUGAL NOS FINAIS DA IDADE MÉDIA

João Gouveia Monteiro

Editorial Notícias

1ª Edição

Novembro de 1998

CICLISMO EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 16.12.23

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grande prémio do minho

 

30.º GRANDE PRÉMIO DO MINHO

Joana Russo Belo

 

É a etapa rainha do Grande Prémio do Minho. Os 91,3 quilómetros da tirada que ligou Melgaço ao alto de Castro Laboreiro – a 925 metros de altitude – é considerada já uma surpresa e uma subida excepcional tendo em conta o grau de dificuldade das contagens de montanha, que pode mesmo ganhar outros contornos a curto prazo.

“Foi com muita alegria que percebi que, com esta prova que aqui terminou em Castro Laboreiro, descobriu-se uma subida fabulosa para o ciclismo português, que nunca tinha sido experimentada. Acho que é óptimo perceber que se descobriu aqui uma grande subida, é excelente, porque será para repetir com muitas outras provas. Pelos contactos que tenho tido, dizem-me que Melgaço tem grandes qualidades e esta subida, que os atletas disseram ter sido excepcional, permitiu uma prova fantástica e muito competitiva, que se afirma como uma grande subida para o ciclismo nacional”, sublinhou o presidente da autarquia, Manoel Batista.

Lembrando que “Melgaço aposta imenso nos desportos de natureza”, tal como o ciclismo, o edil recorda que, “nos últimos três anos conseguimos trazer um conjunto de provas em conjunto com a Associação de Ciclismo do Minho e Federação”, numa parceria com olhos postos no futuro e com continuidade.

“Já está preto no branco, fizemos um protocolo com a federação e associação para manter, ou melhor, reforçar a quantidade e qualidade de provas aqui em Melgaço no próximo ano”, revelou o presidente da câmara, dando conta do objectivo de afirmar “Melgaço como um espaço de excelência para o desporto de natureza”.

“É com isto que afirmamos o território, trazendo provas, competição e gente para perceber quais são as nossas potencialidades” frisou Manoel Batista, que entregou a camisola amarela ao novo comandante Pedro Silva.

 

CORREIO DO MINHO. PT

08/07/2018

 

FRONTEIRA - DEPOIMENTOS

melgaçodomonteàribeira, 09.12.23

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 entrimo

 

A FRONTEIRA – CONTRABANDO E REFÚGIO EM

CASTRO LABOREIRO

 

Hoje, a rede de elementos e histórias do contrabando, encontram-se musealizados no ESPAÇO DE MEMÓRIA E FRONTEIRA, em Melgaço.

 

Depoimentos – sobre o contrabando

 

11/09/2014, Vila

“Ao passar a Ameijoeira, a 1ª estrada que se encontra depois de passar uma corga, chamava-se Pereira. Era aí que também se fazia o contrabando! Havia uma senhora em Varziela, chamada de “tia Maria da Floresta”, casada com um Guarda da Floresta, que ia à Ameijoeira de “burra” buscar os artigos que contrabandeava – pão, chocolate, azeite, bacalhau – para depois vender porta a porta em Castro Laboreiro, isto pelos anos 70.”

 

12/09/2014, Vila

“Vinha a pé de Gojinde” (Entrimo), (local de abastecimento de produtos), “pelos montes da Ameijoeira, passando pela Sr.ª de Numão até ao minério da Seara, onde ainda havia neve!” Vinha acompanhada com outra senhora. Traziam dois garrafões de 10lts cada uma.  Faziam este corta-mato para fugir aos carabineiros que lhes “tiravam as coisas” e queriam fazer outras. “Quando chegámos já eram 10 da noite, e as pessoas já se tinham posto à nossa procura".

 

12/09/2014, Vila

No dia da Festa do S. Brás “cismou” de não ir à Festa e resolveu ir antes a Gojinde, fazer contrabando. “Fui com a tia Morgada, falecida, e o tio Zé Fernandes, falecido.” Traziam uma caixa inteira de azeite, chocolate e um bacalhau pequeno e sachos para trabalhar. Traziam também uma “peça” de pão para comer quando chegassem à Ameijoeira. À saída de Gojinde, próximo de umas macieiras, numa curva, “apareceu o carro dos carabineiros!” “Tiraram-nos tudo. Era uma miséria. Nem a “peça” de pão nos deixaram ficar e vínhamos cheios de fome. A tia Morgada começou a chorar e a dizer que tinha o marido doente e um dos carabineiros disse-lhe: - Mira, vai buscar outro litrinho!” em tom de ironia e sarcasmo.

 

12/09/2014, Rodeiro

O gado também era controlado, os pastores eram obrigados a levar uma guia para o monte com eles, e “se nascesse um bezerro havia que ir ao posto da guarda dar subida, e se morresse dar a descida, porque eles controlavam tudo, por causa do contrabando.

 

BREVE ESTUDO ETNOGRÁFICO SOBRE O NÚCLEO FAMILIAR TRADICIONAL DE CASTRO LABOREIRO

Diana de Carvalho

ABELTERIVM

Vol. III

2017

CONTRABANDO, GUERRA E DITADURA

melgaçodomonteàribeira, 02.12.23

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 ribeiro de cima, castro laboreiro

O CONTRABANDO NO TEMPO DA GUERRA E DA DITADURA

 

(…) a atividade do contrabando atinge o clímax num período marcado por dois acontecimentos históricos que influenciaram – direta e indiretamente – a vida económica e social das populações raianas, nomeadamente a Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a IIª Grande Guerra (1939-1945). O primeiro confronto é contemporâneo da afirmação da ditadura Franquista em Espanha e da consolidação do Estado Novo em Portugal, regimes que, com as suas políticas segregadoras e opressivas, marcaram indelevelmente a vida nas zonas de fronteira.

A Guerra Civil Espanhola acabou, antes de mais, por gerar uma extrema carência de bens e dificuldades de subsistência dos dois lados da raia, provocadas por medidas de contenção impostas, vigiadas e fiscalizadas pelas organizações corporativas estatais. Mas, além disto, a consolidação dos regimes ditatoriais ibéricos, também provocou um reforço das medidas de controlo fronteiriço, contra as quais as populações raianas tiveram que lutar, recorrendo a métodos de resistência ilícitos, como é o caso do contrabando (Táboas, et al., 2009).

O conflito que assolou Espanha acabou por ser encarnado pelas populações raianas como uma oportunidade comercial e isso também se verificou no caso da sociedade melgacense. As guerras, segundo Luís Cunha (2006: 180), tornaram “a fronteira num espaço mais preenchido e, nesse sentido, mais dinâmico”, levaram a um movimento permanente de pessoas e mercadorias, constituindo também um recurso fundamental para a sobrevivência condigna das populações, pois os tempos da guerra foram, sobretudo, tempos de miséria e indigência. Relativamente a esta última consideração, é importante salientar que, neste período, a fronteira também foi encarada como um refúgio para refugiados espanhóis, os quais, pelas vicissitudes políticas, procuravam evadir-se à repressão do regime franquista, procurando abrigo também em Melgaço, mormente na zona montanhosa de Castro Laboreiro.

O impacto da guerra civil está bem presente na memória dos melgacenses. Para uns, este foi um tempo de oportunidades, sobretudo de exportação de bens que faltavam no país vizinho, transformando-se a conjuntura de carências numa ocasião de obtenção de maior capital económico; para outros, foi um tempo assombrado pela miséria e pela rarefação de bens, e também pela conivência das forças de poder protagonizadas pelos seus líderes locais e autoridades policiais. Os dois relatos a seguir transcritos são exemplo claro deste duplo entendimento:

 

… havia o rescaldo da guerra espanhola, da Guerra Civil de Espanha com o Franco e, ficou o rescaldo da guerra. Depois, havia muitas coisas que falhavam na Espanha e muitas coisas que falhavam a Portugal. Às vezes, falhava o azeite, pronto, havia o contrabando do azeite. Levávamos o azeite nuns odres ainda, chamam-lhe odres, que era peles de animais nuns odres. Sabão, sabão de potassa, café Sical, café sem torrar, café cru.   (José, Paços)

 

…as pessoas tinham pouco dinheiro, tinha acabado a Guerra Civil Espanhola, nós aqui ficámos muito mal, porque tudo o que havia foi para Espanha, porque o Salazar era amigo do Franco e ajudou-o, porque ele teve a Guerra Civil, que começou em trinta e seis, acabou em trinta e nove e a Espanha ficou destruída. Em trinta e nove começou a Segunda Guerra Mundial e, depois, tudo o que havia aqui passou para a Espanha, o contrabando. Pagavam o milho muito caro, o milho vendia-se para a Espanha e aqui passavam muita fome.   (Matilde,Paderne)

 

Como é possível depreender, o contrabando foi, no tempo muito preciso da guerra e da ditadura, uma alternativa viável ao isolamento e à pobreza da população melgacense, uma forma de resistência à marginalidade política, social e económica a que estava votada pelo poder. Além disso, o contrabando era, sobretudo, uma atividade legitimada pela necessidade e é dessa forma que os informantes ainda hoje entendem a sua prática, como uma atividade não danosa, mas necessária.

 

 

MARIA SALOMÉ ALVES DIAS

 

A FRONTEIRA ENQUANTO ESPAÇO DE PARTILHA IDENTITÁRIA, CULTURAL E LINGUÍSTICA: UM ESTUDO INTERPRETATIVO DA ZONA RAIANA DE MELGAÇO

UNIVERSIDADE DO MINHO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

OUTUBRO DE 2017