Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CISTER E TERRITÓRIO NA ÉPOCA ROMÂNICA

melgaçodomonteàribeira, 25.11.23

895 b mosteiros cister.png

CISTER E TERRITÓRIO NA ÉPOCA ROMÂNICA

O ESPÍRITO DO LUGAR NOS MOSTEIROS CISTERCIENSES

 

Maria Leonor Botelho

 

(…) O mesmo já não aconteceu com o Mosteiro de Santo André de Fiães (Melgaço), erguido na margem esquerda do rio Minho, numa rechã planáltica a 700 m de altitude.

Num contexto de defesa e organização do território, as comunidades monásticas foram favorecidas durante a primeira dinastia. A par das construções fortificadas, os mosteiros que com elas alternam o controlo do território fronteiriço marcam a paisagem, assinalando também locais de protecção física e psíquica. Criou-se assim uma linha praticamente contínua de construções em pedra ao longo da margem esquerda do rio Minho.

Filiado em Tarouca desde finais do século XII, este cenóbio não deixa contudo de mostrar uma peculiar implantação, afastado dos eixos de circulação e numa localidade com magras possibilidades agrícolas, suprimidas em larga escala pelo recurso à pastorícia e à criação de gado. Os extensos carvalhais e os soutos propiciavam uma desenvolvida criação de suínos. Carvalho da Costa refere que os melhores presuntos desta província do Minho eram produzidos neste couto, curados sem sal. Bronseval aludiu à existência de oficinas de trabalho junto aos muros ou num pátio a que a portaria do mosteiro dava acesso.

Tendo em conta estas circunstâncias, este cenóbio da fronteira minhota mostrar-se-ia a partir de 1194, rico e poderoso. Foi ampla a sua acção no povoamento da área, com as suas granjas e póvoas e na resolução dos problemas administrativos desta mancha da fronteira portuguesa. Da sua porosa acção (ao nível do povoamento e da defesa local) ficou-nos a informação, expressa por Carvalho da Costa, de que vulgarmente se dizia não haver algum tam poderoso como do dom Abade de Fiães, depois del Rey.

Data de 12 de Dezembro de 1142 o mais antigo documento conhecido sobre este mosteiro e nele não há qualquer menção à Regra seguida. Mas sabemos contudo que passados quinze anos era seguida a Regra de São Bento. Nesta data terá sido constituído o couto de Fiães e importantes doações régias como a que lhe fez D. Afonso Henriques (1143-1185) a 24 de Outubro, outorgando-lhe tudo que ele possuía desde Melgaço até ao termo de Chaviães e de Cótaro até ao rio Minho. Em 1173 regista-se nova doação régia e nela ainda se alude à observância da regra beneditina. Sabemos, seguramente, que só a partir de 1194 se professa a observância cisterciense em Santo André de Fiães, passando este mosteiro a estar filiado em São João de Tarouca. Este cenóbio da fronteira minhota torna-se a partir de então rico e poderoso.

José Marques considera que o período áureo do Mosteiro de Fiães se estende, assim, desde meados do século XII a meados do século seguinte. Além deste intervalo cronológico ter ficado marcado pela constituição de um vasto património fundiário, que inclusivamente se estendia a algumas propriedades na Galiza, coincide também com o início da construção da actual igreja e que foi alvo de avultadas doações para a prossecução das obras. Com esta cronologia concordam os elementos arquitectónicos de Fiães e os raros vestígios de escultura que patenteia, a par da qualidade do seu aparelho, reflexo da arte de bem construir. Sendo, pois, uma obra cisterciense de raiz, a actual igreja conserva ainda a cabeceira e o portal principal dos tempos da medievalidade, pois o seu corpo foi refeito na época moderna. Embora edificado já em plena época gótica, o gosto com que se desenhou a cabeceira é ainda românico. Programada segundo o melhor espírito cisterciense, ainda “bernardino”, é constituída por capela-mor composta por dois tramos e ladeada por duas capelas laterais, todas elas quadrangulares e dotadas de abóboda de arco bastante quebrado.

Neste sentido, o mosteiro cisterciense de Fiães é, pois, um reflexo das condições geográficas. Não fora a sua posição estratégica na fronteira com a Galiza e uma real necessidade de ocupação territorial e de controlo de domínios fundiários, não teria sido este cenóbio dotado de tantas propriedades e de tantos apoios financeiros que permitissem edificar tão monumental edifício. Sabemos que Bronseval se impressionara com a obra de restauração que o velho abade, ex-prior de Alcobaça, aí levara a cabo: recobrira a igreja, o capítulo, o claustro, os aposentos abaciais, embora tudo o resto fossem já ruínas. Destas estruturas nada resta hoje. A igreja surge sozinha no centro de um adro ajardinado.

 

MOSTEIROS CISTERCIENSES

HISTÓRIA, ARTE, ESPIRITUALIDADE E PATRIMÓNIO

TOMO II

DIRECÇÃO DE José Albuquerque Carreiras

ALCOBAÇA 2013

CONTRABANDO NO CONCELHO DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 18.11.23

898 b contrab.jpg

 

TIPO E PRODUTOS CONTRABANDEADOS EM MELGAÇO

 

DEPOIMENTOS

“De um modo geral, aquele contrabando, que a gente chama contrabando mais visível, eram os homens que o faziam, era contrabando, por exemplo, de prata, do ouro, do cobre, de tripa, de sabão, isso implicava carga, risco, noite e ligação com os guardas e tudo. Esse, normalmente, eram os homens que o faziam. Se tu quiseres, o contrabando vinha de baixo, às vezes vinha de longe, às vezes vinha de Lisboa e havia as cargas, haviam poucos camiões, portanto, eram sempre dois ou três que andavam nisso, não havia mais e, as pessoas, punham-se em determinado sítio à espera que chegasse um camião, para fazer a descarga, fazer a descarga era pegar nas coisas e levá-las à Espanha, não é? Esse, eram sempre homens, sobretudo homens. As mulheres faziam outro tipo de contrabando, que era um contrabando mais de galinhas, de ovos e essas coisas todas assim, que acabava por ser um contrabando mais arriscado do que o outro, sabes porquê? Porque o outro contrabando, normalmente, estava almofadado, isto é, os guardas… eram coniventes. Recebiam um tanto por atravessar, recebiam outro tanto ao mês. De uma maneira ou de outra. Portanto, era mais almofadado. Quando os guardas apanhavam alguém lá com os ovos, com as galinhas, ou com nada, aí é que exerciam a autoridade toda e tu podias ter circunstâncias em que, uma mulher, por estar a passar ovos, ir para a cadeia, por exemplo.” (A. Gonçalves)

 

“Eu mesmo, quando vinha cá à terra, ia buscar as coisas à Espanha. Eu não estive envolvido no contrabando, mas estava bem ocorrente de como funcionava o contrabando, porque isso era o florão da nossa terra. Era um passar em contrabando de coisas importantes para Espanha e da Espanha para Portugal. De Portugal para a Espanha, era sobretudo o café, adepois, o cobre, o ouro, o volfrâmio, que nós tivemos aqui, uma coisa importante em Castro Laboreiro foi o volfrâmio. Eu sei que o meu pai e uma tia minha trabalharam lá, foi mesmo difícil, você imagine que iam daqui para Castro Laboreiro para trabalhar e ficavam lá, sabe Deus a dormir como, na estação do volfrâmio.” (António, Paderne)

 

A FRONTEIRA ENQUANTO ESPAÇO DE PARTILHA IDENTITÁRIA, CULTURAL E LINGUÍSTICA: UM ESTUDO INTERPRETATIVO DA ZONA RAIANA DE MELGAÇO

MARIA SALOMÉ ALVES DIAS

UNIVERSIDADE DO MINHO

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

OUTUBRO 2017

O URSO NOS MONTES LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 11.11.23

882 b urso.png

 

PRESENÇA HISTÓRICA DO URSO EM PORTUGAL

E TESTEMUNHOS DA SUA RELAÇÃO COM AS COMUNIDADES RURAIS

 

Francisco Álvares

José Domingues

(…)

O último registo confirmado de urso nas montanhas fronteiriças do Noroeste de Portugal, é todavia mais recente e diz respeito ao abate de um urso, em Junho de 1946, por Camilo Lloves Gonzalez, habitante de Couceiros na Serra do Laboreiro, a menos de cinco quilómetros da fronteira portuguesa de Melgaço. Este facto, publicado no jornal “Pueblo Galego” de 17 de Junho de 1946 e frequentemente citado em fontes bibliográficas posteriores (e.g. FERNANDÉZ DE CÓRDOBA, 1964; TABUADA CHIVITE, 1971; PIMENTA, 2001, DOMINGUES, 2005), foi confirmado por um dos autores do presente trabalho (F. Álvares) através de uma entrevista a Camilo Lloves em 4.10.1996, o qual, apesar dos seus 80 anos de idade, relatou em pormenor os acontecimentos. O urso abatido era um macho com 102 Kg (possivelmente sub-adulto) e, na altura, dizia-se que nessa região andariam três ursos que com frequência destruíam colmeias e silhas, e dos quais um foi o que veio a ser abatido.

 

AÇAFA On Line nº 3

Associação de Estudos do Alto Tejo

2010

www.altotejo.org

NOVAS DA GALIZA ENTREVISTA AMÉRICO RODRIGUES

melgaçodomonteàribeira, 04.11.23

893 b o-conflito-linguistico-que-nom-existia-novas

ALÉM MINHO

 

AMÉRICO RODRIGUES, ACTIVISTA CULTURAL DE CASTRO LABOREIRO,

A ALDEIA MAIS GALEGA DE PORTUGAL

E. MARAGOTO

 

Castro Laboreiro é a freguesia mais galega de Portugal. E nom só: esta extensa paróquia do Laboreiro, raiana com as terras de Cela Nova, deixou viver até a actualidade elementos culturais que a maioria de nós achávamos desaparecidos há muitas décadas. Entre eles, umha economia rural (nom só pecuária) baseada na migraçom sazonal de aldeias inteiras: quase duas dezenas de brandas ficam vazias nos meses do Inverno porque os seus moradores descem para as inverneiras. Mas a aragem dos novos tempos está a chegar a Crasto (assim lhe chamam), que no entanto tem a sorte de contar entre a vizinhança com incansáveis activistas que tenhem feito de todo por manter ou divulgar a idiossincrasia desta interessante regiom raiana: o legado megalítico, umha raça de cam, tradiçons fronteiriças e comunitárias, e um longo etcetera. Américo Rodrigues é um deles.

 

O cam é a marca mais internacional de Castro, nom é?

O cam é um ícone destas terras de montanha, porque é umha raça autóctone de Castro Laboreiro reconhecida internacionalmente desde 1935. Em 1914 fijo-se o primeiro Concurso Internacional do Cão, evento que é organizado todos os anos no dia 15 de Agosto. Nesta data (1914) a maior parte das raças que mais se vendem hoje em dia no mundo, ainda nom existiam ou estavam a criar-se. Os castrejos venderam ou ofereceram milhares de cans, no século XIX e XX, para todo o Portugal, Galiza e outros países. Infelizmente, a raça encontra-se à beira da extinçom. Mendez Ferrín, tal como figera Camilo Castelo Branco no século XIX, eternizou o cam de Castro Laboreiro no livro Arraianos.

 

No entanto, as brandas e as inverneiras som a marca mais específica desta freguesia, absolutamente excepcional.

Castro Laboreiro tem um basto património cultural onde podemos salientar: a paisagem, as carvalheiras seculares, os pequenos rios de montanha, a fauna, o cam, os trajes, o Castelo roqueiro, que os galegos chamam de S. Rosendo, que já existia em 1141, ou seja, é anterior à nacionalidade portuguesa, umha das maiores necrópoles megalíticas da Europa ocidental, com mais de umha centena de dólmenes, as pontes, o património religioso, etc., mas quando falamos do modus Vivendi da populaçom nom haja dúvida que as brandas e inverneiras som uhma marca específica. Os castrejos tenhem duas casas: uhma para o Inverno outra para o Verão. Nom estou a falar de transumância. Estou a falar de 1500 pessoas a deslocarem-se com todos os seus haveres duas vezes ao ano entre as duas casas: era um movimento de contornos extraordinários. Para compararmos com outro povo na Península teríamos de falar dos vaqueiros da Alçada nas Astúrias, no século XIX e princípios do XX. Hoje em dia ainda há quem faga essa muda sazonal, claro que sem os contornos do antigamente.

 

Este vosso português com musicalidade e formas tam galegas, porquê?

Nestas terras o galego-português antigo sempre permaneceu muito vivo. O ADN do povo é o mesmo. O poder de Castela e Lisboa é que foram fazendo a diferença, mas o isolamento de Castro e a falta de alfabetizaçom fijo com que, até hoje, os velhos e a minha geraçom ainda usem o falar antigo. Nom nos esqueçamos que a fronteira começa aqui: temos do marco 1 até o 53 da fronteira luso-espanhola. Salvo em períodos conturbados da história, como o pós-1640, as relaçons sempre foram de entreajuda, própria de irmaos. Castro Laboreiro foi uhma das terras mais solidárias com os refugiados galegos na guerra civil. Estivérom aqui dezenas.

 

O vosso activismo pretende também a valorizaçom da história local e do megalitismo.

Em 2000 eu e o meu amigo José Domingues, depois de alguns anos de pouco contacto, num reencontro por ocasiom do lançamento do seu livro sobre a vizinha freguesia de Lamas de Mouro, achamos que sobre as nossas terras muito havia por descobrir e preservar, atendendo ao círculo cultural que acabava abruptamente, a desertificaçom reinante, e a posiçom ignorante e contemplativa das instituiçons com responsabilidades. Por isso avançamos com a criaçom do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Montes Laboreiro (NEPML), instituiçom amadora que preenche muito do nosso tempo livre, realizando todo o tipo de actividades para incentivar a valorizaçom e preservaçom do património cultural.

 

Colaboras na revista Arraianos e a Galiza está sempre presente nas vossas actividades…

Seria de todo impossível nom contarmos com galegos nas nossas actividades: as gentes som as mesmas, a história cruza-se e o espaço cultural é o mesmo.

 

NOVAS DA GALIZA

15 de setembro a 12 de outubro

2010