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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

NUMA FRAGA, O COTINHO I

melgaçodomonteàribeira, 24.06.23

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UM PASSEIO À INFÂNCIA

O COTINHO DAS ÁGUAS SANTAS

(À TIA PALMIRA)

 

Desde sempre que se comentava que fulana e sicrana usavam a água do cotinho das águas santas para os seus “trabalhos”, sobretudo depois de uma ida à bruxa. Ninguém sabia ao certo o que faziam, quando o faziam e o fito com que se davam ao trabalho de deixar certas marcas pelas encruzilhadas do lugar, em certas noites de lua cheia. Mas que apareciam, apareciam e ninguém ficava muito à vontade quando encontrava sangue, borralha, penas de galo, pelos de gato e sabe-se lá que mais que o comum dos mortais desconhece, sobretudo quando há uma grande dose de ceticismo à mistura.

A certeza, dita e redita pelos próximos da tia Maria Santiago, de que nascia água no alto de uma fraga e que, depois de retirar todo o líquido do pocinho que se formara no cimo do penhasco, a cova volta a encher-se, passou para o imaginário de todas as crianças que o foram nos anos cinquenta e sessenta do século XX. A fraga onde tal mistério, vulgo milagre, se podia comprovar ficava ali ao lado, acessível a qualquer mortal com pernas para uma boa caminhada, quase sempre a subir, duas horas bem andadas, três no máximo, havendo crianças ou cansados, quiçá doentes do coração, a retardar o passo.

Sabendo que havia interessados em fazer uma excursão até ao cotinho, o Justino, do alto do seu saber de experiência feito, pois já lá tinha ido mais do que uma vez, prontificou-se a mostrar o caminho. Algo surpreendente esta disponibilidade vinda de alguém tido por pouco amante de conviver, cioso da sua distância, com um espaço vital bem mais amplo do que o da maioria dos vizinhos. Era de aproveitar, pois se Justino se prestava a tal prova era porque o assunto era sério. Combinou-se dia e hora, acertaram-se pormenores, como o piquenique a fazer no local, a distribuição dos participantes pelos carros que os levariam até ao ponto de partida, a fora de saída, que seria bem cedinho para evitar subir pelo calor que ainda se fazia sentir bem forte naquele início de setembro.

O grupo era seleto, escolhido entre próximos, a bem dizer íntimos, tudo família, à exceção do guia e de uma amiga. Três mulheres mais velhas, uma de meia idade mais os seus rebentos e uma primita, jovem na casa dos vinte e tais, todos levados pelo sentido de orientação do Justino e da Maria. Numa terra onde a água pelos montes só se faz sentir com as chuvas de setembro, acautelaram-se vários caminhantes de que não faltasse o precioso líquido nos farnéis. Que não seria preciso, ia-se ao encontro da água, para quê levá-la? Levasse-se antes vinho ou coca-cola para a merenda, que água não haveria de faltar no cimo da fraga. Pelo sim, pelo não, várias garrafas de vários tamanhos foram cheias na fonte, com crianças no grupo, mais valia prevenir. O Justino não pareceu gostar muito da falta de fé de quem assim ousava contrariar o seu bom senso mas nada disse, decidido a gozar o proveito de homem de poucas falas como era tido. Guardava-se para a chegada à fraga e fazer ver que os tolos é que desconfiam, mulheres inteligentes deviam ser menos dadas a essas fantasias de ver para crer, se um homem diz que é verdade é porque é, ele sabia do que falava. Certezas destas eram difíceis de rebater, mas pelo sim pelo não as garrafinhas de água seguiram em várias mochilas de grandes e pequenos.

A partida foi acompanhada por alguns curiosos, melhor dizendo, curiosas, que não se atreviam a participar na aventura, uma subida tão custosa não era para joelhos que rangiam e já habilitados a infiltrações para combate às dores nem para noventa ou cem quilos em cima de um metro e cinquenta e umas perninhas de macieira, que é o mesmo que dizer uns canivetes ou uns paus de virar tripas, dependendo da região onde se faz jus à comparação. Como não podiam ir mas ambicionavam a aguinha santa, só lhes restava pedir que lhes trouxessem uma garrafinha, ou um garrafão de dois litros, como queria a Alzira, que essa nunca foi avara a pedir. Dizem que hoje também não é pobre a dar e até se comenta, com alguma surpresa, que dá mais do que alguma vez se esperou dela, fazendo jus ao dito o liberal busca a ocasião para dar. Mudam-se os tempos, mudam-se as condições, mudam-se os hábitos.

 

(continua)

VILAS, PODER RÉGIO E FRONTEIRAS

melgaçodomonteàribeira, 17.06.23

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desenho a. sousa  paradise tatoo

 

VILAS, PODER RÉGIO E FRONTEIRA:

O EXEMPLO DO ENTRE LIMA E MINHO MEDIEVAL

 

(…) o ponto fulcral de qualquer estratégia régia que pretendesse fomentar o desenvolvimento de núcleos urbanos, assentava, sobretudo, na atribuição da carta de foral. Era com a outorga desse texto que se marcava a emergência de um espaço destacado das áreas rurais envolventes conferindo-lhe uma individualidade regida por normas próprias, consignadas por escrito, em que se estabeleciam os parâmetros da divisão de poderes e de réditos fiscais entre o rei e a comunidade aí instalada, fixando-se ainda os direitos e deveres desta última em relação ao monarca. Para contemplarem as vilas de Entre Lima e Minho, Afonso III e D. Dinis retomaram o texto foralengo que tinha sido concedido a Valença por Sancho I, o qual, por sua vez, e como já foi anteriormente explicitado, se filiava no chamado foro breve de Salamanca. Com esta escolha, os monarcas pretendiam uniformizar sob as mesmas condições todos os núcleos urbanos da região, o que até implicou a substituição do foral outorgado por Afonso Henriques a Melgaço, o qual, como se sabe, reproduzia o que vigorava na localidade galega de Ribadávia (49).

 

(49) A substituição do texto concedido por Afonso Henriques não agradou aos moradores de Melgaço que pediram a Afonso III para revogar o foral que lhes concedera em 1258. O rei acedeu ao seu desejo nos inícios de 1260, através de uma carta em que lhes confirmava o foral outorgado por seu bisavô e confirmado por seu pai, Afonso II, em 1219. Nessa altura, o monarca instituiu o pagamento de uma renda anual de mil soldos leoneses pagos em três prestações, uma no dia de Todos os Santos, outra no dia de Páscoa e a última a um de Julho. Confirmava-se ainda que a manutenção do castelo competia aos moradores, os quais deviam indicar filium de algo qui faciat Mihi menagium de ipso castello de Melgazo. Para além destas medidas, determinava-se a interdição da presença na vila e seu couto de nobres e reservava-se a cobrança de direitos régios na circulação do vinho. Como se pode constatar, nas suas linhas gerais, e apesar de aceder ao desejo dos seus súbditos, Afonso III não deixava de inserir Melgaço na estratégia mais geral que pretendia empreender no Entre Lima e Minho, cujos objectivos se pormenorizam no texto. O foral concedido pelo rei a Melgaço, bem como a confirmação à doação de Afonso Henriques e de Afonso II encontram-se em TT, Ch. Afonso III, l. 1, fl. 50.

 

VILAS, PODER RÉGIO E FRONTEIRAS:

O EXEMPLO DO ENTRE LIMA E MINHO MEDIEVAL

Amélia Aguiar Andrade

Dissertação para doutoramento em História da Idade Média, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

Lisboa, 1994

 

MELGAÇO NA EMISSORA NACIONAL

melgaçodomonteàribeira, 10.06.23

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VOZ DE PORTUGAL

(08-09-1960)

 

LOC (locutor) – Programa dedicado pela Emissora Nacional aos portugueses dos Estados Unidos da América do Norte, bons portugueses que na grande pátria onde vivem e lutam e sonham nunca esquecem a terra onde nasceram.

(música)

LOC – “Voz de Portugal” é a voz dos heróis, na evocação do passado; é a voz da terra, na lembrança da paisagem; é a voz dos poetas que fizeram versos em louvor de Portugal; é a voz das tradições e a voz das cantigas. “Voz de Portugal” é uma fala de amor e de saudade, para todos os portugueses distantes, mas que têm a pátria sempre perto do coração.

(música)

 

MELGAÇO, OS SEUS ENCANTOS E OS SEUS PROGRESSOS

 

Situada no extremo mais setentrional do País, a vila de Melgaço peca pela distância a que se encontra e só por isso, talvez, não usufrui da fama que, pelas suas múltiplas e variadas belezas naturais, bem merecia, por si e por toda a região circundante. Pode asseverar-se, com plena justiça, que, na gloriosa exuberância do jardim viçoso que é todo o Alto Minho, os foros de Melgaço constituem um canteiro privilegiado de encantos.

Pelos caminhos adustos da serra até ao pitoresco Castro Laboreiro; pela estrada sinuosa que leva até à fronteira de São Gregório, paralela ao ténue fio de água que é o rio Minho lá ao fundo, nas cavas da montanha; para as bandas do Peso (onde brotam fontes de saúde) por entre renques de cerrada arborização; para qualquer lado que se desviem os passos, a paisagem sublima-se numa grandeza surpreendente e dominadora.

Presentemente, estão em curso obras e melhoramentos de que nos limitaremos a dar ligeiros tópicos, os suficientes para se poder avaliar a importância da actividade camarária. No que diz respeito a estradas municipais, está em curso a construção do segundo lanço da estrada da sede a Alcobaça, por Fiães; foi a concurso a obra para a abertura da estrada da Senhora de Lurdes a Sá (Paços); e está a proceder-se ao levantamento dos projectos para as estradas de Várzea Travessa a Rodeiro (Castro Laboreiro) e de Castro Laboreiro a Portos. Neste momento, estão a decorrer os trabalhos relacionados com o abastecimento de água aos lugares de Aldeia de Cima (Paderne) e de Maninho (Alvaredo).

O plano de reparação e de construção de edifícios escolares continuam a merecer particular zelo. Já foi adjudicada a construção das escolas de Adofreire (Castro Laboreiro), Além e Peso (Paderne) e de Corga (Remoães) e faz-se a aquisição dos terrenos onde vão ser erguidos os novos edifícios escolares de Crasto (Rouças) e da própria vila. A assistência é, por sua vez, um campo de acção que a municipalidade trata com especial desvelo.

A estância hidrológica do Peso, com toda a maravilha da sua paisagem e dos seus recantos frondosos, é bem o centro de atracção desta zona do Alto Minho – também por constituir um aprazível local de repouso onde as comprovadas virtudes curativas das suas águas minerais têm merecido a bênção de muitos doentes que ali procuraram alívio para os seus achaques.

Com mais alguns melhoramentos que se projectam – o engrandecimento do Peso e uma pousada na vila – depressa Melgaço conquistará um lugar de relevo, aliás bem merecido, no plano turístico nacional.

(música)

 

LOC – A Emissora Nacional apresentou o programa “Voz de Portugal”, dedicado aos portugueses dos Estados Unidos da América do Norte. E deles se despede à velha maneira da gente portuguesa, com muitas saudades, tantas – que só à vista terão fim.

CONTRABANDO DE SAL EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 03.06.23

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1686, Agosto, 13

 

Cópia da consulta do Conselho de Fazenda, em que se dá conta dos excessos cometidos pelos moradores de Castro Laboreiro, por causa do contrabando de sal.

SIMANCAS, AG – ESTADO, LEGAJO 4035

PUB. PORTO DE CAVALEIROS, Nº 5, JORNAL DE LAMAS DE MOURO, JULHO DE 2003

 

Por parte de Don Francisco Bermudez a cuio cargo estan por arrendamento las ventas de salinas de Galizia e Asturias se ha dado memorial a V. Magestade en este consejo refiriendo que el dia 27 de Mayo de este año estando Don Diego Rodriguez Guardamor de la Raia de Moterrey com sus Guardas rondando su distrito para obiar y embarazar las fraudes que cada dia se executan de entradas de sal de el Reyno de Portugal para los lugares conrraianos como Viana del Vollo, y otros que pretenden eximirse de acopiarse solo con la mira á estas introduçiones y de fraudar la Real Hazenda encontraron a unos vezinos de la Villa de Castro Laboreiro de aquel Reyno cargados de sal çerca de la villa de Carballo  Daberea y hauiendo intentado prenderlos se pusieron en fuga dejando mas de diez y seis fanegas del sal y solo se pudo coger a uno de los Portugueses que la conduzian al qual llevaron presso á un lugar que llaman Reni desando la sal en el de Carballo y el dia 28 que fue el Guarda mayor y sus ministros a poner cobro en la sal les salieron al encuentro mas de çiem Portugueses naturales del lugar de Laboreiro todos armados con chuzos arcabuzes palos y otras armas con tal fúria que leso bligo a hazerse fuertes en una cassa del mismo lugar de Carballo y en ella los asaltaron los Portugueses maltratando los á arcabuzazos y a chuzazos; y hauiendose retirado e metido en un horno Juan Mendez uno de los ministros de Guardamayor y descubiertole los Portugueses le tiraron un carabinazo y dieron muchas heridas con los chuzos obligandole a salir y atravessado en una cavalleria le llevaron á Portugal juntamente con los demas guardas maniatados afrentosamente como si fueran publicos mal echores y en la mitad del caminho ignominiosamente y atropelando los fueros de la humanidade a chuzazos punhaladas piedras y palos acavaron de matar al Juan Mendez retiniendo con el mismo (…) en (…) a los demas Guardas maniatados para executar en ellos lo mismo apretandoles los Portugueses le entregasen su presso con que les fue prezisso por librar la vida despachar persona para que le diesen libertad y con ella el Portugues presso y los demas sus conpañeros les dejaron amenazandoles que si outra vez los cojian los havian de matar cuio suceso a dejado amedrontada toda la tierra y en especial a los guardas pues no quier ninguno exerzer este ofizio temiendose de outro trabajo semejante y que al exemplar todos os lugares conrraianos como es Viana del Vollo su Jurisdizion y los demas que pretenden eximirse de acopiarse se les habri la puerta para que con mas anchura puedan cometer fraudes pues sin que ellos vaiam por sal á Portugal los mismos Portugueses se la traen con que la Real Hazenda queda dissipada generalmente en la contribuzion deste arbitrio y suplica a V. Magestade el arrendador se de á este desorden la providencia conveniente.

Todo este hecho se justifica por la caussa original y autos que se hizieron para el guarda mayor y demas ministros que se han presentado en este consejo con el memorial referido; y haviendose visto en el con la particular atenzion que pide la grauedad deste casso á tenido por de su obligazion ponerle en la Real noticia de V. Magestade remitiendo juntamente a sus Real manos copia de los autos firmada de Don Francisco del Vaus y frias por donde no solo consta el grave delito que han cometido los Portugueses de la Villa de Castro Laboreiro en la muerte de un guarda y atropellamientos que executaron en los demas sino en faltar al cumplimento y observanzia de los capítulos de las Pazes ajustadas con aquel Reyno en los quales el noveno dispone.

 

Y si contra lo dispuesto eneste tratado algunos mercadores sin orden ni mandado de los Reyes respectivamente hizieren algun daño se reparara y castigara el daño que hizieren siendo apresados los delinquentes pero no sera liçito por esta caussa tomar las armas ni romper la Paz y en caso de no hazerse justizia se podran dar cartas de marca o represallas contra los delinquentes en la forma que se á costumbra.

Y respecto de ser preciso acudir al reparo destos imcombenientes para que no se repitan es de parezer el censso que V. Magestade se sirva de mandar que por la parte donde toca se partiçipe lo que há passado al ministro de V. Magestade que assite en Portugal remitiendole la copia de autos que vá ao junta y ordenandole que en conformidade de lo dispuesto por los capitulos de las Pazes solicite se de condigna satisfazon destes exzesos y que se castigue severamente a los que los han cometido como en estes Reynos se há executado y praticará sempre en casos desta calidad dando quenta a V. Magestade de lo que en razon desto consiguiere á fin de que se tenga entendido;

M. Mandara lo que fuere su Real voluntad.

Agosto 13 de 1686.

 

Copia de consulta del consejo de Hazenda de 13 de Agosto en que da cuenta de los exzesos cometidos por diferentes Portugueses de la Villa de Castro Laboreiro.

 

CONTRABANDO PELA RAIA SECA DE CASTRO LABOREIRO

José Domingues

NEPML – Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro

Boletim Cultural nº 8

Melgaço, 2009