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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

ÁGUA DE MELGAÇO EM MANAUS - SEC. XIX E XX

melgaçodomonteàribeira, 25.03.23

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 festa da cultura, anos 1980

 

DA ÁGUA DOS RIOS ÀS ÁGUAS ENGARRAFADAS

 

Tratamos aqui de estabelecer uma pesquisa não com o artefacto em si: a garrafa de água termal da marca portuguesa, “Águas de Melgaço”. Mas com um contexto que acabou por ser materializado durante o final do século XIX e início do século XX, estabelecido com diferentes partes do mundo, sendo uma delas, Manaus.

Os exemplares estudados no Laboratório de Arqueologia Alfredo Mendonça ilustram a frase em alto-relevo impressa no vidro da garrafa, e que foram consideráveis na pesquisa que se seguiu. As Águas de Melgaço acabaram por se transformar numa ferramenta para uma análise sociocultural da sociedade manauara através do seu consumo.

Em que se pese que ao analisar a cultura material como fruto de uma sociedade e suas especificidades, possa-se também estar considerando como a cultura do consumo modifica a própria sociedade, e esta, por sua vez, colore em diferentes tons essa cultura: é um processo recíproco (Lima, 1985).

Há de se considerar que a cultura do consumo exposta através do marketing das Águas de Melgaço torna-se uma janela ampla na compreensão dos mecanismos que mantém a sociedade em constante funcionamento e modificação, e como estes são possibilidades de pesquisa e investigação (Trigger, 2004).

A “Águas de Melgaço” faz com que reconheçamos as relações entre os bens de consumo e a sociedade manauara, explicados por McCracken (2003), e nos faz entrever e compreender como um bem diferente de todos os outros encontrados no mercado local do período, pode influenciar a cultura de consumo, e nos faz avaliar as possíveis consequências e mudanças sociais causadas pela circulação da marca na cidade de Manaus.

Pode-se reconhecer, através dos resultados até agora obtidos, que o grande sucesso e fama obtidos pela marca em questão não foi apenas o resultado da qualidade do produto ou excentricidade deste. Na verdade, deveu-se muito mais às táticas propagandísticas traduzidas em promoção publicitária que, além de ser em grande número, possui agregado em si valor simbólico que pôde atuar de forma a moldar hábitos, influenciar o consumidor e criar uma imagem idealizada do produto, que é a água engarrafada portuguesa em questão.

As Águas de Melgaço em Manaus do início do século XX serviram como fontes de recursos e meios pelos quais podemos visualizar as trocas culturais de uma sociedade de consumo e seus contextos. De elemento da natureza, facilmente obtida nos muitos rios e igarapés da região, usada no lazer, nos balneários públicos, para água engarrafada e consumida por parte da população a “preços módicos” como se lia no seu rótulo.

Esta água medicinal portuguesa como cultura material daquele contexto vem ilustrar o estabelecimento de normas, proibições, tabus e hierarquia político-social estabelecida através da propaganda que massifica o seu aspecto curativo e medicinal. “A água, na medida em que é hierarquizada, tem uma história (…). É em torno destes parâmetros que se constroem as representações sociais sobre a água)” (Quintela, 2003, p. 180).

Levar em consideração que as formas de expressão artística e publicitárias relacionadas a produtos medicinais e afins possuem poder de influência no comportamento do público consumidor é reafirmar a existência de interações intrínsecas entre o simbólico e o imaginário com o meio cultural e material.

A água comum, aquela que mata a sede, também foi utilizada como copartícipe de uma série de ritos formadores da cultura e do consumo daquele contexto. Bem como serviu para extinguir, sanitarizar, higienizar e expurgar para a periferia uma série de práticas sociais que não condiziam com a lógica globalizante e capitalista. Contribuindo para uma política de classes na época e tirando uma oportunidade daqueles que estavam à margem desse sistema, e cujo paradoxo era o de não possuir meios necessários para consumir a água engarrafada. As Águas de Melgaço não só selaram um contexto em seus rótulos, como também selaram as muitas vidas de quem continuava com sede: ora com a sede de uma sobrevida melhor, ora com a sede de quem a tinha como fetiche de consumo.

 

A SAÚDE ENGARRAFADA NAS ÁGUAS DE MELGAÇO:

CULTURA E CONSUMO NA MANAUS DO SÉCULO XIX-XX

Tatiana de Lima Pedrosa Santos

Doutorado em História

Universidade do Estado do Amazonas

Samuel Lucena de Medeiros

Mestrando em História

Universidade do Estado do Amazonas

2018

OS LIMITES DA FREGUESIA DE LAMAS DE MOURO

melgaçodomonteàribeira, 18.03.23

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igreja de lamas de mouro

 

PORTO DOS ASNOS OU DOS CAVALEIROS

 

Neste lugar meeiro de Lamas de Mouro e Castro Laboreiro se iniciaram todos os autos de limitação e demarcação de ambas as freguesias. No tombo da comenda de Castro Laboreiro de 1565 e nos da comenda de Távora é identificado como Porto dos Asnos, aparecendo com a designação de Porto dos Cavaleiros nos tombos de 1754 e 1785. Ainda são visíveis as ruínas do local primitivo, que foi abandonado há muitos anos.

A demarcação feita em Junho de 1785 principiou e terminou no marco ou marcos do Porto dos Cavaleiros. Segundo o documento eram dois marcos: o maior deles, na face voltada para o nascente, estava cheio de letras que os louvados não conseguiram perceber, mas que, no seu entendimento inculcam muita antiguidade; ambos estariam localizados no meio (da parede) da estrada que ia para Melgaço. No muro do rossio da única casa que ainda resta foi aproveitado um marco de pedra irregular com inscrições das eras de 1788 e 1796. Ao lado esquerdo do portão de entrada está também uma pedra com uma cruz parcialmente danificada, mas que parece ter servido de sinal limítrofe. Tempos anteriores houve em que o marco do Porto dos Asnos era um carvalho, conforme consta na concórdia amigável para se erigir a capela de Alcobaça lavrada, no dia 8 de Julho de 1635, junto ao carvalho do Porto dos Asnos, que servia de marco divisório entre os concelhos de Castro Laboreiro e o de Valadares (freguesia de Lamas de Mouro).

Embora a comissão do tombo de Castro Laboreiro de 1565 tenha reunido na bifurcação dos caminhos, o ponto exacto onde se juntam as duas freguesias de Castro Laboreiro e de Lamas de Mouro e a região da Galiza é onde o caminho que vem de Castro Laboreiro passa o rio Trancoso, no sítio do Porto dos Asnos ou dos Cavaleiros. Nesse mesmo sentido atesta a marcação do concelho de Castro Laboreiro, feita a 26 de Julho de 1538 – “E dahi pelo valle abaixo das Concellas ao porto do Malhaom a agoa do Porto do Malhaom todo per agoa agoa (sic) abaixo te onde se mete a sob o Porto de Mey Joanes como se vay meter n’agoa do sobredicto porto do ryo de Portelynha e que hy acaba o termo próprio desta desta (sic) vyla de partyr com a Galiza”; esta passagem é esclarecida no final do documento, com referência expressa ao Porto dos Asnos: “Item. Somente de Milmanda porque vem ter o seu termo a agoa do Porto do Malhao que vem por hy a estrada pubrica pera Melgaço chama se hy o Porto dos Asnos e por hy vai a estrada de pasar outra agoa que vem per dentro de Portugall e se junta em baixo com a de cyma aquy vem” –, integrada no projecto régio de D. João III definir toda a linha de fronteira entre Portugal e Castela, desde Castro Marim até Caminha.

Não há sombra de dúvida que, há muitos séculos, nesta precisa travessia começa a raia seca com a Galiza – corroborando na demarcação de Valadares, feita a seguir à de Castro Laboreiro, no dia 27 de Julho de 1538 – O tratado internacional de limites de 1864, v. g., partindo da confluência do Trancoso com o Minho segue a fronteira pelo rio Trancoso até “ao sitio chamado Porto dos Cavalleiros ponto em que atravessa este rio um caminho que de vários povos vae para Alcobaça. A demarcação da raia seca começa neste ponto”.

 

OS LIMITES DA FREGUESIA DE LAMAS DE MOURO

E OS CAMINHOS DA (IN)JUSTIÇA

José Domingues

1º Edição

Novembro 2014

 

CONTRABANDO DO CARO, DO ALTO

melgaçodomonteàribeira, 11.03.23

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UMA CARGA DE COBRE

Tanto o estanho como o cobre vinham em barras com a forma de um jugo das vacas, pesando cada uma vinte e cinco quilogramas. Conforme nos informou o nosso interlocutor de Caballeiros (San Martiño) ia adquiri-las à Vila, em Castro Laboreiro, ou, à fronteira, ou então, a um sítio combinado com os homens de Castro, onde eram escondidas, para em Caballeiros, ou, no Valoiro serem colocadas, durante a noite, num camião, que as transportava para Ourense e outras cidades.

Desconhecia os verdadeiros mentores deste esquema de contrabando, que intitulou como um contrabando caro, do alto, quer em Portugal, quer na Espanha, mas, o responsável pelo “negócio” em Castro “acertava” com a guarda fiscal uma determinada quantia por cada carga efectuada, eliminando, deste modo, os perigos da “transferência”.

Contudo, houve percalços, como o caso da noite em que os Carabineiros surpreenderam na Cabeça Vella, próximo da Terracha (Entrimo), uma carga de barras de cobre, transportada por vinte e duas mulas, que nos foi mencionada, de forma espontânea, pelos residentes, quer no vale do Grou, quer no de Pacín, preocupando-se, contudo, os nossos interlocutores da Illa em esclarecer que a apreensão se tinha verificado devido a uma denúncia, por represália.

Mas, voltando, propriamente ao caso das barras, eram transportadas em mulas (cada mula carregava 100 Kgs), ou então, pelos rapazes novos e fortes (um rapaz conseguia carregar 50 Kgs).

O nosso interlocutor de Caballeiros, por exemplo, conduzia catorze mulas vazias para a Vila, em Castro, sendo duas mulas “controladas” por um homem, que recebia 400 pesetas por dia, ou melhor, noite.

O estanho e o cobre eram matérias-primas utilizadas nas fundições. Contudo, se o “escoamento” do cobre em barra predominou na década de cinquenta, com a implementação e alargamento da rede eléctrica, a procura “voltou-se”, na década de sessenta, para o fio de cobre.

 

LIMA INTERNACIONAL: PAISAGENS E ESPAÇOS DE FRONTEIRA

Volume I

Elza Maria Gonçalves Rodrigues de Carvalho

Tese de doutoramento em Geografia

Ramo de Geografia Humana

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Julho de 2006

 

MONGES A TRABALHAR EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 04.03.23

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desenho a. sousa  paradise tatoo

 

VILAS, PODER RÉGIO E FRONTEIRA:

O EXEMPLO DO ENTRE LIMA E MINHO MEDIEVAL

Sabe-se que os combates ainda continuavam em 1199 uma vez que se noticia o cerco de Bragança por Afonso IX e um combate entre leoneses e portugueses em Ciudad Rodrigo o que faz intuir uma vez mais, a importância estratégica crescente da fronteira leste, o que contribuía para secundarizar uma Galiza que começava a assumir-se como região periférica no jogo de poderes e influências que opunha os diferentes reinos peninsulares. Alguns indícios, contudo, fazem pensar que, em 1199, se a guerra não estava presente na frente galega, a zona, todavia, preocupava Sancho I. Com efeito, as concessões de carácter económico que, nesse mesmo ano atribuiu a dois mosteiros fronteiriços – Longosvales e Fiães – bem como à nascente vila de Melgaço* fazem crer na necessidade de garantir ou recompensar apoios prestados ou a prestar em caso de enfrentamento militar. Auxílio que era mencionado pelo monarca como uma das razões que o tinham levado a conceder carta de couto ao mosteiro de Longosvales, uma vez que se pretendia recompensar a construção de uma torre levada a efeito pelos monges em Melgaço.

 

*Trata-se da carta de couto ao mosteiro de Longosvales (cf. DS, nº 234) e uma doação ao mosteiro de Fiães (cf. DS, nº 122) de quatro casais e meio em villa Figueiredo feita para compensar o facto de Sancho I ter utilizado Sta Maria de Orada, que tinha sido atribuída por seu pai ao mosteiro, para doação aos povoadores de Melgaço.

 

Dissertação para doutoramento em História da Idade Média, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa

 

Amélia Aguiar Andrade

Lisboa 1994