TRANSUMÂNCIA EM CASTRO LABOREIRO
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MOVIMENTOS TRANSUMANTES DA POPULAÇÃO ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS
“Em várias das serras existem, como nas montanhas galegas e asturianas, brandas ou brañas, umas de cultura (centeio, milho, algumas fruteiras), outras de pastagem de gado miúdo (Raquel Soeiro de Brito). Casas toscas, de pedra solta, sumariamente divididas e mobiladas, servem para habitação de umas semanas de Verão ou quando a família sobe, por uns dias, a amanhar a terra. Casas e terras pertenciam sempre a gente das aldeias próximas, que aí tem as suas habitações fixas e as casas de lavoura permanentes. Só na Serra da Peneda, em torno da vila do antigo concelho de Castro Laboreiro, existem povoações desdobradas: umas três fixas, a 900-1000 m, são habitadas todo o ano: para o norte ficam as brandas (de venerata), povoações de Verão, habitadas até ao princípio do Inverno, onde se cultivam centeio e batatas e apascentam gados, para o sul, num veleiro fundo e apertado, as inverneiras, com campos de milho em alternância com prados, batatas, umas quantas parreiras junto às casas e algumas árvores de fruto. A grande descida faz-se pelas vésperas do Natal, os gados pelo seu pé, as pessoas também, os trastes armados em carros de bois e até o gato atado a um fueiro por uma guita. As casas da inverneira são mais sumariamente construídas, de tosca pedra solta e telhado de colmo, e as pessoas sentem-se menos à vontade «porque as terras são mais apertadas». Uma grande confusão introduzida por casamentos e heranças faz com que brandas e inverneiras não correspondam exactamente, havendo vários habitantes de uma branda que descem a várias inverneiras e vice-versa. Por Abril voltam à serra, vindo às inverneiras por poucos dias olhar o milho, apanhar as batatas, regar o feno e fazer o vinho.” (Ribeiro, 1995: vol. VI, 293-294)
O rio Laboreiro constitui o principal elemento ordenador da disposição das brandas e das inverneiras no território. As brandas localizam-se a norte, na parte montante do rio e seus afluentes – precisamente naquela porção de território que avança sobre a Galiza. Já as inverneiras localizam-se a sul, na parte jusante. Também junto ao rio e a meia distância entre as brandas e as inverneiras localiza-se o lugar de Castro Laboreiro – a sede da freguesia – que é um lugar fixo, tal como outros que se localizam um pouco a norte, a montante do rio e imediatamente antes de um conjunto de brandas.
Dentro do clima genérico, que caracteriza a região, formam-se os microclimas próprios e individualizados que variam conforme a altitude dos lugares. As brandas são procuradas durante as estações do ano mais quentes, onde o clima possibilita a pastorícia e o cultivo das terras. Já as inverneiras são procuradas durante as estações do ano mais frias que, devido à sua localização nas partes mais baixas da montanha, são lugares seguros e aconchegantes, onde as encostas do vale protegem os aglomerados da neve e do frio, (Geraldes, 1996: 23).
As brandas encontram-se junto às ribeiras do planalto, nas vertentes das montanhas ou nas lombas junto aos vales e a altitude da sua implantação varia entre os 1000 e 1200 metros. As brandas de Castro Laboreiro são brandes de cultivo e pastoreio, acolhem o pastor, a família, os animais e os respetivos utensílios pessoais. O aspeto «airoso» das brandas, a localização geográfica, o clima, a qualidade dos solos e a possibilidade de expansão das áreas de cultivo, transformam as brandas em locais de eleição para viver, (Geraldes, 1996: 17-19).
As inverneiras implantam-se no vale, a uma altitude compreendida entre os 750 e 1000 metros. São lugares acolhedores e protegidos das intempéries. Estas são procuradas quando as temperaturas ficam negativas e impossibilitam tanto ao homem como aos animais permanecerem nas brandas, (Geraldes, 1996: 19). As inverneiras implantam-se em vales, logo abaixo da superfície do planalto ou mais distantes, encontram-se abrigadas do vento frio e expostas ao clima favorável do meio-dia invernoso, (Ribeiro, 1991, vol. IV: 254).
A ocupação da branda é feita por altura da Páscoa. A população permanece no planalto cerca de 9 meses até à chegada do Natal, altura em que toda a população deve já ocupar as inverneiras.
O meio das brandas é favorável à agricultura e à criação de gado, a existência de água, o clima tão peculiar, o relevo, a arborização e as zonas de montanha, permitem o cultivo e extração de bens da terra. Das terras de montanha extrai-se essencialmente milho, centeio e, por vezes, também a batata, enquanto o trigo se extrai preferencialmente de locais húmidos e férteis. As áreas para cultivo são divididas em barbeitos e leiras, prados e hortas.
A ocupação sazonal proporcionou vivências próprias e únicas, que culminaram num tipo de arquitetura característico de Castro Laboreiro. O clima inóspito e a topografia acidentada fizeram com que, além do duplo povoamento, a arquitetura se caracterizasse pela sobriedade e pela racionalidade, não só ao nível da habitação como também do aglomerado populacional no seu conjunto, (Território Povoamento Construção Manual, 1999: 29-32).
ARQUITECTURA DE TRANSUMÂNCIA: ENTRE AS BRANDAS E INVERNEIRAS DE CASTRO LABOREIRO
Vânia Patrícia Sousa Reis
Dissertação para obtenção do Grau de Mestre
Universidade Lusíada do Porto
Porto, 2014