A CEMA E O BALTAZAR
UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA
XVIII
FINAL
O Manel do Cerinha pelou oito meses de cadeia. Não conseguiu esquivar-se da acusação de defloramento da namorada que abandonou. Os rapazes comentavam estes casos como advertência uma vez que todos já namoravam.
- Quando chega certa hora a gente perde as estribeiras e esquece as consequências que virão, dizia o Zeca Chatice.
- Já dizia o Tito Betrano, o moleiro, que tinha uma rebanhada de filhos:
- O Timóteo contava, na alfaiataria do Mundo da Feira Nova, que, na hora da chegada, fez uma marcha-a-trás tão violenta que caiu escada abaixo.
E como o tema agradava àquele grupo de rapazes, o Manel Félix lembrou o caixeiro-viajante que volta e meia aparecia em Melgaço vendendo os produtos de que era representante. Hospedava-se na Pensão Braga. Numa das hospedagens ajeitou-se com a Cema, bonita rapariga com 16 anos, que trabalhava como arrumadeira, filha da cozinheira. O pai da rapariga deu parte no tribunal. O Baltazar foi chamado a dar explicações; como era casado, para evitar repercussão que lhe causaria transtornos familiares e comerciais, não tendo como negar o sucedido, optou pela conciliação proposta pelo delegado. Pagou a astronómica importância (para o tempo) de vinte contos (20.000$00).
O caso serviu de tema para a paródia que o Vasco incluiu no teatro que estava ensaiando:
…
e fazem os homens tontos.
Cuidado seu Baltazar
não se queira arruinar
que o preço são vinte contos.
Nesta mesma revista teatral parodiava, também, o retratista Dom Francisco da Feira Nova que descobriu o Scheelita no monte da Gavieira, e a piscina que o Emiliano queria fazer no regato do Rio do Porto.
* * *
Estes “nada” que aconteciam em Melgaço, no ponto de vista dos jovens, sucediam-se merencoriamente em relação ao cinema que em uma hora exibia muitas vidas e muitos acontecimentos entrelaçados.
“Que raio de terra onde nada acontecia, comentavam!”
MANUEL FÉLIX IGREJAS
Publicado no jornal “A voz de Melgaço”
1 de Abril de 2015