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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

ESTRADA NOVA, MAS...

melgaçodomonteàribeira, 28.01.23

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ACIDENTES NA ESTRADA NOVA DE CASTRO LABOREIRO

O autocarro que fazia a carreira para Castro Laboreiro a 25/1/1952 teve que ficar por Pomares, pois a neve era tanta que não havia hipótese de prosseguir. Apesar da estrada ser nova, já se reclamavam obras!

Escreveu-se no Notícias de Melgaço, nº 1019, de 30/3/1952: «Ainda está na memória de todos o grave desastre que sucedeu com a camioneta de José Albano Fernandes onde, além de muitos feridos e prejuízos materiais, houve duas mortes. Desde então mais alguns desastres se têm registado de menos importância, como ainda há bem pouco tempo o ocorrido com a camioneta de Abel Alves “Chimpa”, que só por um milagre não houve vítimas. E para evitar este estado de coisas daqui lembremos a conveniência de aproveitar a época de verão para concluir a pavimentação da referida estrada, pois que dias há no inverno que aquela importante povoação fica bloqueada e com as suas comunicações cortadas com o resto do concelho, o que lhe ocasiona graves prejuízos, ficando além disso sem assistência médica durante o tempo das grandes nevadas…»

 

Dicionário Enciclopédico de Melgaço II

Joaquim A. Rocha

Edição do autor

2010

p. 305

 

A CEMA E O BALTAZAR

melgaçodomonteàribeira, 21.01.23

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UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA

XVIII

FINAL

O Manel do Cerinha pelou oito meses de cadeia. Não conseguiu esquivar-se da acusação de defloramento da namorada que abandonou. Os rapazes comentavam estes casos como advertência uma vez que todos já namoravam.

- Quando chega certa hora a gente perde as estribeiras e esquece as consequências que virão, dizia o Zeca Chatice.

- Já dizia o Tito Betrano, o moleiro, que tinha uma rebanhada de filhos:

- O Timóteo contava, na alfaiataria do Mundo da Feira Nova, que, na hora da chegada, fez uma marcha-a-trás tão violenta que caiu escada abaixo.

E como o tema agradava àquele grupo de rapazes, o Manel Félix lembrou o caixeiro-viajante que volta e meia aparecia em Melgaço vendendo os produtos de que era representante. Hospedava-se na Pensão Braga. Numa das hospedagens ajeitou-se com a Cema, bonita rapariga com 16 anos, que trabalhava como arrumadeira, filha da cozinheira. O pai da rapariga deu parte no tribunal. O Baltazar foi chamado a dar explicações; como era casado, para evitar repercussão que lhe causaria transtornos familiares e comerciais, não tendo como negar o sucedido, optou pela conciliação proposta pelo delegado. Pagou a astronómica importância (para o tempo) de vinte contos (20.000$00).

O caso serviu de tema para a paródia que o Vasco incluiu no teatro que estava ensaiando:

e fazem os homens tontos.

Cuidado seu Baltazar

não se queira arruinar

que o preço são vinte contos.

 

Nesta mesma revista teatral parodiava, também, o retratista Dom Francisco da Feira Nova que descobriu o Scheelita no monte da Gavieira, e a piscina que o Emiliano queria fazer no regato do Rio do Porto.

* * *

Estes “nada” que aconteciam em Melgaço, no ponto de vista dos jovens, sucediam-se merencoriamente em relação ao cinema que em uma hora exibia muitas vidas e muitos acontecimentos entrelaçados.

 

“Que raio de terra onde nada acontecia, comentavam!”

 

                                                                  MANUEL FÉLIX IGREJAS

 

Publicado no jornal “A voz de Melgaço”

1 de Abril de 2015

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO CASTRO LABOREIRO II

melgaçodomonteàribeira, 14.01.23

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CASTRO LABOREIRO – ENQUADRAMENTO HISTÓRICO II

 

O período da reconquista foi marcado por sucessivos avanços e recuos territoriais, mas nos finais do século IX, os reinos do Norte encontravam-se consolidados em três unidades, as Astúrias (ou Leão), Galiza e Castela. A sua malha administrativa estava parcelada em terras e estas eram atribuídas a um conde, para as governar. As sucessivas discórdias resultantes da formação dos reinos e do seu desenvolvimento, tornaram a Galiza independente e desmembrada em duas partes, “dando o sul a Ramiro Ordóñez que foi assim “rei de Portugal” antes de herdar a totalidade dos domínios do seu pai, como Ramiro II (931-951)” (Marques, 1996, p. 26). Mais tarde, o território entre o Lima e o Douro, ficou desagregado da Galiza e entregue a um duque. Esta nova unidade política tinha a sua sede em Portucale, sendo governada por nobres locais destacados pelo reino de Leão e estando vinculada politicamente aos seus interesses.

Aquando da consolidação do condado Portucalense surge D. Afonso Henriques (1139-1185), filho de D. Teresa e do Conde D. Henrique, herdeiro deste território. Em rebelia contra a mãe, inicia um processo de desvinculação do reino de Leão. Com a sua ambição ao título de rex e eficaz expansão territorial, torna-se vassalo da Santa Sé e não do imperador dos reinos cristãos do Norte da Península, D. Afonso VII (1111-1157), tornando-o um soberano superior ao imperador. É neste contexto expansionista que D. Afonso Henriques toma Castro Laboreiro.

Para este período histórico, do século IX ao século XII pode mencionar-se um conjunto de elementos que atestam a presença das monarquias do Norte e da vinculação do território de Castro Laboreiro ao reino de Portugal, nomeadamente fontes históricas e elementos arquitectónicos, principalmente de carácter militar e, em grande quantidade.

Após o primitivo período Afonsino, em termos gerais, a administração do território de Castro Laboreiro entre o século XIII e século XIX, pertenceu à Provedoria de Viana do Castelo, à Comarca de Barcelos (Casa de Bragança), era Comenda da Ordem de Cristo e situava-se na Província do Minho. Castro Laboreiro foi instaurado como sede de Concelho em 1271. Segundo os mapas consultados, a circunscrição do território de Castro Laboreiro, alterou-se pouco durante as reformas do Antigo Regime, mantendo-se muito fiel à sua delimitação original. Com a Revolução Liberal, após 1832, Castro Laboreiro passa a integrar-se na Comarca de Ponte de Lima e mantém-se Concelho. Durante o período de estabilização, a partir de 1842, Castro Laboreiro integra-se no distrito de Viana do Castelo e perde o estatuto de Concelho em 1855. Passa a ser Junta de Paróquia e posteriormente Junta de Freguesia até 1974. Neste ano torna-se numa comissão administrativa, que terá duração de, aproximadamente, 2 anos, acabando depois por retornar o anterior estatuto de Junta de Freguesia. A reforma administrativa de 2013 consuma uma união política com a freguesia vizinha de Lamas de Mouro, formando a União de Freguesias de Castro Laboreiro e Lamas de Mouro.

 

CASTRO LABOREIRO E O SEU CASTELO

CONTRIBUTO PARA O SEU ESTUDO

Diana Carvalho

Mestranda em História e Património

Dianacarvalho.pt@gmail.com

 

ABELTERIUM

Volume III

Maio 2017

 

ENQUADRAMENTO HISTÓRICO CASTRO LABOREIRO I

melgaçodomonteàribeira, 07.01.23

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CASTRO LABOREIRO – ENQUADRAMENTO HISTÓRICO I

O TERRITÓRIO

A síntese histórica que se segue procura agregar em linha cronológica os eventos que tiveram lugar na área territorial de Castro Laboreiro. Como nem sempre as fontes permitem a elaboração de uma cronologia específica e linear, o texto que se segue situará o território no Norte peninsular, no noroeste hispânico, nas montanhas do Alto Minho interior, na Calécia, na Galiza e no território nacional, conforme foi possível enquadrá-lo na historiografia, esperando que daqui resulte uma brevíssima história local, prolongada no tempo, desde a ocupação romana deste território. Enumeram-se também elementos patrimoniais das diversas épocas, que substituem até hoje, por funcionarem como indicadores cronológicos na ausência da informação documental e reforçarem a existente.

Relativamente à ocupação humana do território de Castro Laboreiro, sabe-se que desde a pré-história tem sido palco de sucessivas ocupações. Os vestígios megalíticos de culto funerário situados no planalto a nordeste de Castro Laboreiro, o povoado castrejo a sudeste do castelo (cujas fundações datam da Idade do Ferro), e outros elementos, como o altar de cremação do Alto da Cremadoura, assim o indicam. As escavações arqueológicas locais desvelaram uma linha contínua de ocupação de vários povos, subsequentes a este período e prévios à fundação da nacionalidade, como os romanos, suevos e visigodos. Durante a época romana havia duas grandes áreas, a bracarense, mais urbana e civilizada, e a lucence, mais selvagem, contudo, a vinda dos povos suevos e visigodos alterou este panorama dando origem a uma maior concentração e dispersão dos núcleos habitacionais intercalares dessas duas regiões. Neste contexto histórico, o território de Castro Laboreiro situou-se entre as cidades de Bracara Augusta e Lucus Augusti, fazendo uma transição daquilo que seriam as duas grandes regiões citadas.

Mais tarde, após a vinculação visigoda ao cristianismo e sua definitiva ocupação do noroeste português, quando os reinos godos se confrontam  com as invasões muçulmanas, “a organização territorial e administrativa introduzida e fixada pela implantação do sistema paroquial com S. Martinho de Dume não podia, no entanto, deixar de contribuir para dar grande solidez à distribuição dos principais centros e dos povoados que deles dependiam,” (Mattoso, 1997, p. 396).

Relativamente ao legado romano este encontra-se presente nas variadas pontes e pavimentos estrategicamente distribuídos em todo o território da freguesia, pela Geira, situada na proximidade do território e pelo forte romano, Aquis Querquennis (“a Cidá”), situado em Baños, Concelho de Ourense, que terá sido construído para vigiar uma das vias que ligava a Bracara Augusta e para controlar a região. Dada a sua proximidade a Castro Laboreiro, este terá exercido influência sobre o território. Os vestígios suevos e visigóticos (séc. V-VI) encontram-se na política pública (direito visigótico; vindo do baixo império romano), nas liturgias e na arquitectura religiosa cristã. O povoado a sudeste do castelo é um forte indicador da presença destes povos, pois a quadratura das estruturas a par com outros elementos exumados durante as escavações arqueológicas revelam também presença romana e visigótica, além da ocupação humana durante a idade do ferro (Lima, 1996).

As invasões muçulmanas de 711, diluem a ocupação sueva e visigótica e acentuam o carácter rural do território noroeste hispânico, não por influência directa, pois a economia dos grupos dominantes do norte peninsular baseava-se no intercâmbio dos géneros e bens provenientes do saque e despojo militar resultante das constantes guerras, era incompatível com a economia urbana do Sul: “tudo leva a crer que o váli de África e os chefes árabes e sírios estivassem muito mais interessados nas cidades das antigas províncias da Bética e da Tarraconense do que nas selvagens montanhas do Noroeste, difíceis de controlar militarmente e bem poucas rendosas para uma economia monetária como a do mundo muçulmano” (Mattoso, 1997, p. 397). Contudo, a influência árabe no território de Castro Laboreiro faz-se sentir através da toponímia, do vocabulário, das lendas e em algumas práticas gastronómicas como o bolo da pedra, entre outras influências de carácter mais generalista como a numeração, por exemplo.

Em meados do séc. XVIII, as guarnições muçulmanas do Ocidente Peninsular, incluindo as da Galécia, rebelaram-se contra os seus chefes por motivos relacionados com injustas distribuições de terras, e por motivos religiosos. “As tropas colocadas na Galécia, abandonaram as suas fortalezas e não se saber sequer se voltaram a ser ocupadas. A sua revolta desencadeou uma guerra civil, que durou até 756” (Mattoso, 1997, p. 397). A debilidade da ocupação islâmica foi perturbada sobretudo na parte final pelo rei Afonso I (739-757 d. C.), das Astúrias. As cidades “reconquistadas” enumeradas na Crónica de Afonso III abrangem praticamente todos centros urbanos de alguma importância situados entre as montanhas cantábricas e a margem sul do vale do Douro, onde se situam também os montes do Laboreiro. A Crónica atribui-lhe também a iniciativa de levar consigo para o Norte a população cristã de todas as cidades. O chamado “repovoamento”, nas suas diversas expressões, fez também uso da presúria, contudo, nas zonas montanhosas do Noroeste peninsular “algunas comunidades rurales se verían libres de presión, pudiendo organizar sus espacios de producción de forma más autónoma y con menor – o ninguna – carga fiscal. Se trataria de “comunidades castreñas de montañas”, instaladas em castros de origen prerromano o romano, que se sitúan en el centro de un valle rodeado de altos montes, donde predomina el bosque y los pastos de montaña” (González, 2001, p. 24). Neste caso o autor exemplifica com o caso de Castro Pelaggi (Valdoré), mas também Mattoso (1997) refere as zonas montanhosas do Entre Douro e Minho (Peneda, Laboreiro, Gerês, Gralheira, Cabreira, Marão e Montemuro), como potencialmente excepcionais. Em suma, a Reconquista cristã, é um momento de oportunidade que aproveita a debilidade das forças muçulmanas e que se inicia com as guarnições visigodas refugiadas nas montanhas asturianas nesta altura organizados com os dirigentes do reino das Astúrias sob o comando de Afonso I. Este é o processo que desencadeia a formação das primeiras monarquias do Norte peninsular que por sua vez darão origem ao reino de Portugal.

 

(continua)