SOMOS TODOS MELGACENSES
RESIDENTES E EMIGRANTES EM MELGAÇO
No que diz respeito a Melgaço, o maldizer, o “cortar na casaca”, constatado por A. Gonçalves (1996), era arremetido pelos residentes, sendo que até os emigrantes contavam anedotas de si próprios, embora as remetessem para os “maus emigrantes”, despersonalizando a questão. Nos grupos sociais estudados por A. Gonçalves (1996), os mais cáusticos eram os diplomados. Em Melgaço, portanto, tratava-se de restituir a ordem social simbólica, uma vez que os emigrantes tinham ascendido socialmente, introduzindo elementos culturais distintos e distintivos. Contudo, era-lhes negado o novo estatuto social, a sua ascenção assentava no capital económico e não no cultural, o qual é, segundo Bourdieu (1997), o detentor da “tradição”.
Uma outra forma de discriminação directamente relacionada com o maldizer será o distanciamento espacial e relacional. Em Melgaço, esta foi uma das principais consternações observadas por A. Gonçalves (1996), uma vez que os grupos ocupavam espaços diferentes. Na obra de Elias e Scotson (1994), o fenómeno da separação comunitária era acutilante. Em Melgaço, ao contrário do estudo de Elias e de Scotson (1994), é nos espaços públicos que o conflito agonístico aflora: … é num outro enquadramento, o da vila e das festas de Verão, que eles são preferencialmente atacados”. (Wateau, 2000, p. 194). Em Melgaço, a separação espacial parece apenas operar em alguns locais públicos, até porque a emigração é transversal à maioria dos núcleos familiares. Como se terá oportunidade de contatar, ao contrário da localidade estudada por Elias e Sctson (1994), não se assiste a uma segregação espacial entre os grupos, até porque o povoamento, aqui, é disperso. Em Melgaço, não existem, pois, áreas naturais, no sentido de: “… espaços homogéneos, não planificados, cuja ocupação natural deriva da diferença entre os grupos sociais.” (Maia, 2003, p. 47). Ora, os indivíduos podem pertencer a diferentes grupos, os quais se interligam e se interpenetram. Ainda no registo espacial, segundo Wateau (2000), apesar do verão ser uma época seca, será o factor relacional que faz emergir os conflitos agonísticos resultantes da partilha da água de rega, uma vez que é nesta estação que as pessoas se juntam para discutir a posse da água e que também regressam os emigrantes, ou seja, que as trocas relacionais se intensificam. É, pois, o período propício para a redefinição das disposições sociais, até porque os emigrantes regressam para cuidarem dos seus interesses. De acordo com Hall (1986), o excesso de população é correlativo ao aumento dos comportamentos agressivos por parte dos animais e dos seres humanos. Hall (1986) distingue quatro tipos de distâncias interpessoais: a íntima, a pessoal, a social e a pública. No que diz respeito à emigração, para além do aumento periódico da população, os emigrantes reencontram-se festivamente em situação de férias com os amigos, com a família, o que propiciava o desvio comportamental comparativamente ao resto dos melgacenses.
Por último, a questão do maldizer constatado por A. Gonçalves (1996) e por Wateau (2000), em Melgaço, remeteu a análise da problemática para a inveja, A inveja emerge como a forma fundamental do conflito social se manifestar: “Para explicar a existência do conflito que os rodeia, assim como de outros tipos de infortúnios, os minhotos recorrem frequentemente ao conceito de inveja.” (Pina-Cabral, 1989, p. 202). Ora, sendo parte constitutiva da sociedade melgacense e do Alto-Minho, não poderia ser apontada como um elemento diferenciador entre residentes e emigrantes. A inveja, tal como o maldizer, é, aqui, encarada como uma forma de agressividade se manifestar de modo agonística, isto é, atenuada, permitindo não romper os laços relacionais, as interdependências sociais, tentando conservar as relações (de poder) entre os intervenientes. Neste sentido, a função da inveja será a destruir o dinamismo social do outro, visando que o outro se transforme de novo num igual e não em alguém afigurado como um rival (Pina-Cabral, 1989). Em qualquer caso, a inveja parece remeter, de imediato, para a mobilidade social ascendente e a ostentação subjacente, assim como para a aculturação dos emigrantes, ou seja, para a parte visível desta: o uso da língua estrangeira, a casa, o carro e o modo de estar.
OS EFEITOS DO VAIVÉM DA EMIGRAÇÃO CONTINENTAL:
UM ESTUDO DE CASO EM MELGAÇO
Joaquim Filipe Peres de Castro
Universidade Fernando Pessoa
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais
Porto, 2008
Dissertação (…) para obtenção do grau de Mestre em
Psicologia da Saúde e Intervenção Comunitária