CASTRO LABOREIRO, VARÍOLA EM 1874
OS “BRASILEIROS” E A ASSISTÊNCIA À SAÚDE.
O CASO DO ALTO MINHO DE OITOCENTOS.
Alexandra Esteves
Uma grave epidemia de varíola varreu a freguesia de Castro Laboreiro, no concelho de Melgaço, desde outubro de 1873, estendendo-se pelo ano de 1874. Em três meses vitimou uma centena de crianças. Em fevereiro de 1874, havia nesta localidade vinte e duas crianças infectadas, com idades compreendidas entre os oito meses e os doze anos de idade. No verão desse ano, a enfermidade atingiu novamente o concelho de Arcos de Valdevez, incidindo, especialmente, na freguesia de Jolda. Na mesma altura, em Outeiro, uma freguesia do concelho de Viana do Castelo, surgiam os primeiros casos. Procurava-se alertar as populações locais para a importência da higiene pessoal e da limpeza do espaço doméstico. Tudo em vão. Na ótica das autoridades, o motivo da proliferação da varíola estava na falta de limpeza e de condições de higiene das habitações. Segundo o subdelegado de saúde, de visita a Castro Laboreiro,
a moléstia é contagiosa e epidémica, e difficil ou quazi impossível se torna a sua extincção, já porque as habitações estão fora de todas as condições higiénicas, porque a limpesa é nulla – dormem a bem dizer com os gados – já porque o seu instincto selvagem os faz ter horror à medicina e estão possuídos dúm fatalismo quasi invencível.
Este comentário peca por um certo facilitismo na tentativa de justificar a propagação da varíola, ao atribuir à rudeza das gentes a recusa das recomendações e dos tratamentos prescritos pela medicina. Consideramos que essa resistência, designadamente à aplicação da vacina, resultava, em larga medida, do isolomento em que viviam as populações de zonas montanhosas, alimentado pela ausência de vias de comunicação. Por outro lado, há que atender à função da casa na economia do Alto Minho no século XIX e até à segunda metade do século XX. A sua configuração implicava o desenvolvimento de diferentes formas de sociabilidade e de aproveitamento do espaço interior e da sua relação com o exterior. O conceito de casa tinha um sentido mais lato e abrangente para as gentes do campo do que para os moradores nas sedes do concelho. Para estes, as habitações eram sobretudo espaços de consumo e fruição, embora, circunstancialmente, fossem utilizadas como locais de trabalho. No campo, funcionavam, simultaneamente, como espaços de produção e de consumo, em consequência da estreita conexão de base sinalagmática entre a terra e a casa: os residentes na casa trabalhavam as propriedades que a integravam, e estas garantiam-lhes a subsistência. Sendo um instrumento para amanhar a terra, a casa rural surge mais virada para o exterior, composta pela eira e anexos agrícolas, onde coabitavam o homem e o animal, numa partilha promíscua da espacialidade doméstica.