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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

S. ROSENDO E CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 24.09.22

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rosendo de celanova

 

CASTRO LABOREIRO – DA PROTO-HISTÓRIA À FORMAÇÃO DE PORTUGAL

 

A Reconquista cristã é o processo que desencadeia a formação das primeiras monarquias do Norte peninsular, que por sua vez darão origem ao reino de Portugal. As referências às origens administrativas de Castro Laboreiro são escassas, no entanto um documento de 1007 do Mosteiro de Celanova refere Vitiza (séc. VIII-IX) enquanto conde deste território. Vitiza rebelou-se contra o rei Afonso III das Astúrias (866-910), mas foi derrotado pelo Conde D. Hermenegildo (842-912), parte das forças Galegas, que por este ato foi colocado na regência do território de Castro Laboreiro. Segundo a lenda, só na regência de seu neto São Rosendo (907-977) é que o local de implantação do atual castelo será alterado. A lenda diz que além do castelo, S. Rosendo (neto de Hermenegildo Guterres), terá também fundado a atual Vila e Igreja Paroquial. Esta lenda poderá ter algum fundo de verdade uma vez que S. Rosendo é o fundador do mosteiro de Celanova, e que o dito mosteiro exerceu intensa influência religiosa e política sobre este território, guardando até documentação específica de Castro Laboreiro nos seus arquivos. S. Rosendo foi uma figura incontornável para a Galiza, mas também para o Alto Minho. Foi bispo de Dume e administrou a Sé de Santiago de Compostela que, como se sabe, tinha relações de proximidade com a Arquidiocese de Braga, também ela influente no espaço geográfico do Alto Minho. No ano de 955, D. Ordonho III, rei de Leão, nomeia São Rosendo como bispo de Mondonhedo e administrador de Santiago de Compostela, governador do Val del Limia, o qual procurou dotar a região norte de Portugal e a Galiza de fortificações que impedissem as investidas dos Árabes e Normandos.

O castelo de Castro Laboreiro terá sido uma destas fortificações, pois também encontramos nas lendas históricas locais referências a S. Rosendo como sendo fundador desta fortificação. O novo regime administrativo que se avizinhava no horizonte, o sistema feudal e senhorial, foi de certo modo responsável pela decadência das grandes monarquias primitivas do Norte peninsular. Contudo, apesar das constantes transformações políticas do território, as comunidades locais, nomeadamente as de montanha, menos privilegiadas em todos os sentidos, não deixaram de contrair sobre si mesmas os seus sistemas arcaicos de sobrevivência e solidariedade coletiva, prevalecendo os vínculos de parentesco.

  1. Afonso Henriques (1139-1185) toma Castro Laboreiro, em 1141 ou 1144. A tomada deste território pelo primeiro rei está testemunhada num documento do mosteiro de Paderne (Melgaço), que Carlos Alberto Ferreira de Almeida explica da seguinte forma:

“O rei D. Afonso Henriques conduziu pessoalmente uma ofensiva que visava retomar, e retomou o Castelo de Castro Laboreiro, tendo recebido da abadessa do Convento de Paderne (Melgaço), mulas e mantimentos para esta empresa. Tudo aconteceu porque no decurso das muitas escaramuças entre portucalenses e leoneses, em 1141, Afonso Henriques havia invadido a Terra de Toronho, território fronteiriço à linha do Minho e que tinha Tuy como principal ponto de referência, ação bélica que conduziu a invasão do Minho e à subsequente tomada do Castelo de Castro Laboreiro, à data, uma estrutura roqueira assente sobre os escombros de uma velha povoação da Idade do Ferro”.

Deverá ter concedido foral a Castro Laboreiro nesta altura, no entanto este tema tem sido alvo de discussão e debate, dado que o foral está desaparecido, bem como outros documentos do cartulário de Fiães da mesma época, mas é repetidamente invocado. O mesmo problema ecoa relativamente ao foral de Melgaço, concedido por D. Afonso Henriques. D. Sancho I (1185-1211) debate-se por assegurar as fronteiras do Minho, mas perde o domínio sobre os castelos de Melgaço e Valença. Durante este período sabe-se que o Castelo de Castro Laboreiro se manteve do lado português, sobrevivendo às hostilidades entre D. Sancho I e Fernando II de Leão, nas fronteiras do Norte (Minho e Trás-os-Montes). D. Sancho I, concede novo foral a Castro Laboreiro, também desparecido.

 

CASTRO LABOREIRO – DO PÃO DA TERRA

AOS

FORNOS COMUNITÁRIOS

Uma proposta de mediação patrimonial

DIANA ALEXANDRA SIMÕES CARVALHO

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História e Património

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Maio de 2017

pp. 35-37

ANUÁRIO DO CONCELHO

melgaçodomonteàribeira, 17.09.22

 

 

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ANUÁRIO DO DISTRITO DE VIANA DO CASTELO

 

CONCELHO DE MELGAÇO

 

Administração do concelho: Administrador, João de Barros Durães; Amanuense, Álvaro Augusto Pereira.

 

Advogados: Drs. Augusto César Esteves, Augusto César Ribeiro Lima, José Joaquim de Abreu, José Joaquim Barros Durães e José Joaquim da Rocha.

 

Agências Bancárias: «Banco de Portugal», António J. Esteves; «Banco Nacional Ultramarino», Aurélio de Araújo Azevedo; «Banco Pinto & Soto-Mayor», Frederico Augusto dos Santos Lima; «Banco Espírito Santo», A. Dos Santos Lima; «Banco Aliança» e «Banco Comercial», «Sousa Cruz» (Porto), correspondente, Aurélio de Araújo Azevedo; «Borges & Irmão», José Nunes Coelho; «Coimbra e Irmão», agente, António Joaquim Esteves.

Agências de Seguros: «A Mundial», António Joaquim Esteves; «A Popular», Armindo Lourenço; «Tagus», Francisco de Sousa Cardoso.

 

Alfaiatarias: Alfredo José Gonçalves, António Luiz Regueira, Francisco Augusto Igrejas, Francisco José Ribeiro.

 

Associação dos Bombeiros Voluntários: Direcção – Presidente, Dr. Augusto César Esteves; 1º Comandante, Herculano Gomes Pinheiro; 2º Comandante, Abílio Domingues.

 

Automóveis de aluguer: Álvaro de Araújo, Emiliano Iglesias, Francisco de Sousa Cardoso, Hilário Alves Gonçalves e Manuel Luiz Pires.

 

Barbearias: Mâncio do Nascimento Pereira, Gabriel Serafim e António Maria Rodrigues.

 

Cafés: José Maria Pereira, Hilário Alves Gonçalves e Francisco de Sousa Cardoso.

 

Câmara Municipal: Presidente, João de Barros Durães; Vogais, Artur da Ascenção Almeida (Padre), João Eugénio da Costa Lucena, Aurélio de Araújo Azevedo e José Caetano Gomes; Chefe da Secretaria, Duarte Augusto de Magalhães; Amanuenses, Manuel Joaquim Domingues e Maximiano Perfeito de Magalhães; Tesoureiro, João Fernandes Braga; Contínuo, Ilídio de Sousa; Médicos, Drs. Cândido da Rocha e Sá e Sérgio da Silva Saavedra; Zelador, António Reis.

 

Carnes Verdes: António Pinto Rodrigues, Maria Teresa Alves e Francisca Rita Durães.

 

Casas de Pasto: José de Araújo, Ludovina Gonçalves, José Maria Pereira, Francisco de Sousa Cardoso, Belmira Pires, João Cândido de Carvalho, Manuel Regueira, Sebastião de Araújo, Silvana de Carvalho e Susana de Carvalho.

 

Cinematógrafo: Proprietário, Manuel Luiz Pires.

 

Comissão de iniciativa da Estância Hidrológica das Águas do Pêso: Dr. Cândido Augusto da Rocha e Sá e Gregório Ferreira.

 

Conservatória do Registo Predial: Conservador, Dr. Augusto C. Ribeiro Lima; ajudante, Carlos Francisco Ribeiro Lima.

 

Estação Telégrafo-Postal: Chefe, Laudelina Pereira Caldas; Distribuidor, Manuel Maria Pereira.

 

Farmácias: Aurélio de Araújo e João de Barros Durães.

 

Feiras e mercados: Santa Maria da Porta (vila), nos dias 9 e 24 de cada mês. Semanal, todos os Domingos (estabelecido pela Câmara em sessão de 4-6-1930); A 15 e último do mês em Castro-Laboreiro; a 3, 18, 25 de cada mês em Paderne.

 

Ferragens: António Esteves e Avelino Júlio Esteves.

 

Festas: Nossa Senhora da Ourada, no mês de Maio.

 

Guarda Fiscal: Secção – Com. Ten. Manuel Joaquim; 2º Sarg. António Ferreira.

 

Guarda Nacional Republicana: Posto (extinto).

 

Hotéis: «Grande Hotel» de Figueirôa Júnior, Quinta do Peso; «Hotel Alto-Minho», Figueirôa Júnior; «Hotel Ranhada», António Maria Guerreiro Ranhada; «Hotel Rocha», António Rocha.

 

Jornais: «Notícias de Melgaço», Director, Proprietário e Editor, Adriano Augusto da Costa.

 

Juízo da Paz: Juiz, António José de Barros; Escrivão, Feliciano Cândido de Azevedo.

 

Médicos: Drs. António Cândido Esteves, Cândido Augusto da Rocha e Sá, Sérgio da Silva Saavedra, Silvério Ferreira Gomes da Costa e Vitoriano da Glória Ribeiro de Figueiredo e Castro.

 

Mercearias: António Maria das Valas, José Maria de Sousa, Hilário Alves Gonçalves, Aurélio de Araújo Azevedo, António Luiz Fernandes, Antenor da Encarnação Pereira, José Maria Pereira, Avelino Júlio Esteves, Deolinda Augusta Pereira e António Joaquim Esteves.

 

Notário: Dr. José da Rocha Queiroz; Ajudante, Aurélio Augusto Vaz.

 

Padarias: Celestino Augusto Fernandes, Aida dos Santos Morais e Victorino Alves.

 

Regedor: José Rodrigues Lima Teixeira.

 

Repartição de Finanças: Secretário – Chefe da Repartição, Manuel José da Costa; Aspirantes, António Esteves (encarregado da C. E. P.) e Alfredo Augusto Gonçalves Pereira; Escrivães das execuções fiscais, José Domingues, Horácio C. Domingos Moreira e José Joaquim Ferreira d’Eça.

 

Repartição do Registo Civil: Oficial, Dr. José Joaquim de Abreu; Ajudante, Horácio Augusto dos Santos Lima.

 

Restaurante: Francisco de Sousa Cardoso.

 

Santa Casa da Misericórdia: Provedor, Duarte Augusto de Magalhães; Secretário, José Caetano Gomes; Tesoureiro, Aurélio de Araújo Azevedo; Mordomos, Padre Artur da Ascenção Almeida, Vitorino Esteves e Hilário Alves Gonçalves.

 

Sapatarias: António de Oliveira; João Gonçalves, João de Almeida, Abel Martins Rodrigues e José de Brito.

 

Saúde Pública: Sub-inspector, Dr Vitoriano Ribeiro de Figueiredo e Castro.

 

Serralharias: Manuel Nunes de Castro, José Maria Alves e António Gonçalves.

 

Sociedade de recreio: «Recreio Melgacense» - Presidente, Dr. Carlos Fontes Saavedra.

 

Solicitador: António José de Barros.

 

Tesouraria de Finanças: Tesoureiro, Augusto Jaime de Almeida; Proposto, Álvaro de Sousa.

 

Tipografias: Melgacense.

 

Tribunal Judicial: Juiz, Manuel de Faria Sampaio; Delegado do Procurador da República, António de Almeida Moura; Escrivães – 1º ofício, João Afonso, 2º ofício, Dr. César Esteves; Oficiais de diligências, João Cândido da Rocha, Mâncio do Nascimento, Marques Pereira e Francisco de Jesus Vaz; Carcereiro, José de Brito; Contador, João Maria Magalhães Barros Lançós Cerqueira de Queiroz.

 

Tutoria da infância: Presidente, o Juiz da Comarca; 1º Juiz adjunto, o Sub-Inspector de Saúde; 2º Juiz adjunto, António José de Barros; Curador de menores, o delegado do Proc. da República; Secretário, João Afonso; Delegados de vigilância dos menores, Duarte Augusto de Magalhães e Herculano Arsénio Gomes Pinheiro.

 

E NINGUÉM REPAROU QUE NÃO CONSTA O ANO A QUE SE REFERE!!!!!

 

GRAVURAS RUPESTRES D0 FIEIRAL

melgaçodomonteàribeira, 10.09.22

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GRAVURAS RUPESTRES DO FIEIRAL

CASTRO LABOREIRO

MELGAÇO

 

O Fieiral, situa-se no seio da necrópole megalítica do planalto de Castro Laboreiro, a cerca de 500 m para nascente da mamoa de Porcoito 1 e a, aproximadamente, 450 m da mamoa do Alto dos Piornais . Localiza-se numa pequena plataforma a oeste-sudoeste do Alto dos Piornais, na margem direita do rio Laboreiro, à cota de 1169 m.  Trata-se de um local bem irrigado onde se destacam, para além do referido rio, a Corga do Fieiral, a Corga dos Piornais e a Corga do Vale das Antas.

Apesar do Fieiral ser protegido a Norte e a Este, pelas plataformas mais elevadas do planalto, dali obtém-se um excelente domínio visual para o vale de Castro Laboreiro, que se abre a Oeste, e para os prados onde se concentram as brandas do Rodeiro, de Adofreire, de Queimadelo, de Falagueiras e das Coriscadas.

Aqui, emergem à superfície dois grandes afloramentos de granito do tipo de Castro Laboreiro, moderadamente elevados, que se orientam no sentido NE/SW: o Fieiral I, mais a norte e de menores dimensões, com cerca de 8 m de comprimento, e o Fieiral II, com cerca de 35 m de comprimento.

O Fieiral I apresenta uma superfície superior horizontalizada onde existe uma incrustação de cristais de quartzo hialino e pendentes suaves. O Fieiral II, de contornos mais irregulares, com algumas fissuras significativas e áreas levemente deprimidas no topo, também apresenta pendentes suaves. Na sua extremidade NE, há uma nascente, hoje transformada. Estes dois afloramentos distam entre si cerca de 10 m e avistam-se mutuamente.

Uma das particularidades deste lugar é a existência de um filão de quartzo branco que o atravessa no sentido Norte/Sul e que, por vezes, irrompe de forma destacada do solo, característica que pode estar na origem do topónimo. Tal permite que existam à superfície inúmeros calhaus e blocos desta matéria, embora estes possam resultar tanto de fatores naturais como antrópicos.

O Fieiral é de fácil acessibilidade pedestre, quer para quem está nas áreas mais altas do planalto, quer para quem, seguindo o vale do Laboreiro, lhe acede a partir de cotas inferiores. Tal circunstância, associada às características aplanadas do lugar, teria possibilitado a concentração de um número significativo de pessoas em redor do espaço gravado, com visibilidade para os símbolos que se escrevem nas pendentes oblíquas dos afloramentos. Parcelar seria a visualização de alguns motivos existentes na superfície superior do Fieiral II.

As gravuras em ambos os afloramentos inscrevem-se, maioritariamente, no que se denomina “arte esquemática”, embora ocorram algumas que se inscrevem na gramática estilística da “arte atlântica”, normalmente isolados ou em áreas periféricas.

O Fieiral I apresenta menor diversidade de símbolos. Aí, inscrevem-se quase só quadrados ou retângulos segmentados internamente, distribuídos nas diferentes pendentes da rocha, atribuíveis à Pré-história.

No Fieiral II, com maior diversidade de símbolos, serão pré-históricos os quadrados ou retângulos segmentados internamente e os diversos tipos de antropomorfos, alguns deles ictiformes. Da Idade do Bronze, poderá ser a gravação de um machado plano de gume alargado, encabado, localizado na extremidade norte da rocha, nas imediações da nascente, assim como um círculo segmentado. Deste período ou posterior, será um par de pedomorfos de adulto, orientados no sentido poente-nascente, existente na pendente Este deste afloramento. Aqui gravaram-se, igualmente, diversas paletas quadrangulares em baixo relevo, com cabo delimitado por covinha, motivos que tipologicamente se inscrevem na Idade do Ferro. As paletas aparecem, também, na área mais interna da rocha, por vezes sobrepondo-se a antropomorfos, numa nítida apropriação e alteração dos signos anteriores.

A diversidade de símbolos e de estilos, as alterações que parecem ter sofrido alguns deles, as sobreposições e as diferentes técnicas utilizadas (picotagem com abrasão e baixo relevo) indiciam que o Fieiral foi um lugar significante e com uma biografia complexa, na longa duração, que se foi mantendo simbolicamente ativo para as populações que viveram e frequentaram o planalto de Castro Laboreiro, desde a Pré-História até à Idade do Ferro.

Pela proximidade com os monumentos megalíticos e pelo esquematismo dos símbolos maioritariamente gravados, característica que também se encontra no interior das câmaras funerárias deste planalto, embora com temáticas globalmente distintas, colocamos a hipótese que o Fieiral terá sido materializado, em pleno Neolítico, como um lugar de reunião e de celebração do mundo. A especificidade dos símbolos gravados em relação aos das câmaras megalíticas explicar-se-ia pelas diferentes ações e sentidos, inerentes a cada um destes espaços.

 

GRAVURAS RUPESTRES DO FIEIRAL

CASTRO LABOREIRO, MELGAÇO

Ana M. S. Bettencourt & Alda Rodrigues

Departamento de História da Universidade do Minho

CITCEM

 

CONVERSA DE RAPAZES

melgaçodomonteàribeira, 03.09.22

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UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA

XVI

Outra testemunha prestou depoimento sobre a conduta do Lili. Contou ao Juiz que o rapaz havia comprado um Cocciolo, bicicleta motorizada, mas usava-a pedalando.

Na saída da sala do tribunal, aquele grupo de rapazes ia discutindo as iluminação pública, no cruzamento da igreja, da avenida e da rua Direita, bem no meio da rua, como sempre acontecia quando o tempo permitia, aí ficaram longo tempo.

O Zé Nabeiro, o Zeca Chatice, o João Castro, o Norberto, o Zeca, o João Pires, o Manel Félix e o Neca Pires.

- Mas que raio, afinal, julgamento é isso? Dizer o que todo o mundo sabe do Lili? O Juiz só não sabe se não quiser! Quem assim falava era o Zeca Chatice que se mostrava confuso.

- O Lili nunca fez mal a ninguém. É meio esquisito, sim, mas que crime ele cometeu?

E dizendo isto, o Zé Nabeiro demonstrava uma certa simpatia que no fundo todos nutriam pelo Teodorico.

O barulho acontecido no final do desafio de futebol no domingo passado tomou conta da conversa dos rapazes.

- O Gorines ameaçou vingar-se de cada um. Ele é vingativo!

- Coitado do Miro, vai amanhã para Coimbra! Só lá vão conseguir concertar-lhe a cara. A pedrada abriu-lhe todo o lado do rosto.

- Foi o Ranilha no desespero do abafamento. Rolaram no chão, o Miro apertava-lhe o pescoço, ia-o esganar, estendeu o braço achando aquele pedregulho…

- Estavam todos bebendo na barraca da Isolina quando surgiu o assunto do contrabando.

- São todos frotistas, às vezes negoceiam juntos.

- Por isso mesmo é que o Zé Corujo deu o murro na cara do Gorines acusando-o de roubo.

- Sem mais nem menos todos se agrediram. Foi soco e pontapé para todo o lado.

- A gritaria das mulheres parecia o fim do mundo.

- Eram uma dez as que cuidavam das três barracas.

- O Ná não apanhou porque a mulher, a Violeta, mais a Peta, o seguraram, arrastando-o para longe do barulho.

- Nós não vimos tudo. Depois do jogo do Rápido contra o Monçanense ficamos no campo treinando e só depois demos pela coisa com os gritos das mulheres.

- Eu vi bem quando o Ranilha apanhou a pedra já estava sufocado.

- Todos bateram e apanharam.

- Homens maduros, chefes de família, colegas e amigos de todos os dias, como se meteram numa confusão daquelas?

- Devem ter bebido demais…

- Bebem bastante todos os dias e nunca aconteceu daquilo.

- Tu é que não sabes! Nunca chegaram àquilo mas em todas as festas tem zaragata. Na festa de Santa Rita andaram aos empurrões.

- Vós soubestes que o Manel da Mena viu na Central a Biti beijando o Vasco?

- Aquele namoro está adiantado.

- Outro dia a Toupeira disse-lhe que não ia conseguir desflorar a Biti, virgem com mais de trinta anos…

- Engraçado foi o Tostas: disse que o Vasco ia ter de escachar uma acha.

- É mesmo! A Biti é tão magra que parece uma acha de lenha.

- O Fernando do Ferreirinho emprenhou a Maria do Manel da Chica. Soube-se esta semana. A rapariga não teve mais como esconder a barriga.

- Eram namorados há mais dum ano, isso ia acontecer.

- Só têm que casar!

- Pois sim! Dizem que desde que ela lhe falou na prenhez ele afastou-se. Não os viram mais namorando.

- Ele tinha outra namorada em S. Martinho, filha de uns lavradores ricos e agora só se vê com essa.

- O Manel da Chica e a mulher são humildes jornaleiros… o Fernando é empregado do primo e não ganha para manter uma casa.

- No domingo vai passar um filme de cow-bois sensacional, vou ver se consigo os cinco escudos para o bilhete.

- Eu também! Este aqui é que vê tudo o que é fita, de graça.

- Que grande favor… também pinto de graça os cartazes para o senhor Hilário. O do filme “Deus lhe Pague” levou-me o dia inteiro.

A conversa daquele grupo de rapazes, colegas da mesma idade, abordava todos os assuntos. Quando estes escasseavam os diálogos iam arrefecendo e sempre um deles arrematava com a “filosófica” sentença reclamatória:

- Que raio de terra onde nunca acontece nada!

O Manel Carrapito, metido a sabido, aproveitava para encaixar uma frase que julgava erudita e tinha lido em algum lado:

- Aqui não se vive, vegeta-se!

Coitada daquela rapaziada que se deixava influenciar pelo cinema americano que lhe impingia nos filmes de aventura, nas comédias musicais e até nos romances melodramáticos, um estilo de vida requintado, cheio de felicidades, com acontecimentos de prazer, alegres, coloridos, recheados de abastança. Aquilo sim, é que era estilo de vida!...

O cinema, um dos poucos passatempos da terra e fonte de cultura alienígena, acontecia uma vez por semana, aos domingos.

Nesta altura a energia eléctrica, que continuava a vir de Espanha, era mais constante; não se verificavam tantas interrupções como no tempo de cinema do Pires. O senhor Hilário reformara o salão Pelicano, dotara-o de moderna aparelhagem e assumira a exibição dos filmes. Estes, os filmes, eram noventa por cento americanos. Em Portugal já se faziam filmes de total agrado da população, porém, as empresas distribuidoras só alugavam filmes nacionais para cada dez filmes estrangeiros. As pessoas mais simples não discorriam que o que o cinema mostrava era fictício, mentira.

O que causava reboliço entre a rapaziada eram os filmes históricos e de guerra; pelo jornal da tela ficavam sabendo o que acontecia nos países mais “evoluídos”, coisas fabulosas ou importantes que comparadas com o bucolismo da terra achavam que ali não acontecia nada.

 

                                                                                      Manuel Igrejas 

Publicado em: A Voz de Melgaço