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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

CEM ANOS DE RETALHOS DE UMA FAMÍLIA 1852-1952 I

melgaçodomonteàribeira, 11.06.22

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félix igrejas e conceição costas

 

CEM ANOS DE RETALHOS DUMA FAMÍLIA

1852 – 1952

 

CAPÍTULO I

 

Era domingo. As criaturas que saíam da missa do dia, espantadas, entreolhavam-se inquirido sobre o alarido que vinha da rua de Baixo. Alguém, vindo daquele lado informou que era mais uma zaragata entre os Violas e os Félix. Maioria das pessoas deram de ombros e foram à vida, outros, os que tinham amizade ou parentesco com os contendores, acorreram ao largo da Misericórdia onde acontecia a balbúrdia.

Com a chegada dos espectadores a rusga foi arrefecendo e os contendores deixaram para lá e debandaram.

Discussões entre os membros das duas famílias vinham de algum tempo após um infausto acontecimento. As consequências dos encontros não passava das ofensas verbais e um ou outro empurrão. Apesar de toda a animosidade eram criaturas tementes a Deus e com a necessária dignidade para evitar consequências desastrosas. Afinal, eram gente da mesma comunidade que se haviam querido bem até algum tempo atrás. Agora, sempre que membros daquelas famílias se cruzavam o bate-boca era  inevitável.

O Félix Igrejas ficou arreliado com a decisão do filho homem mais velho quando este falou em ir para o Brasil. Era uma sina, todas as famílias da terra tinham um ou mais membros naquelas lonjuras. Era o destino inevitável. Não havia condições de tanta gente se manter numa terra de recursos tão escassos. Agricultura de sobrevivência e os ofícios tradicionais eram os únicos recursos para atender as necessidades dos habitantes. As famílias tinham proles numerosas, as mais pequenas com oito ou dez filhos. Emigrar era a única alternativa para quem aspirava um futuro melhor. E os engajadores oferecendo mirabolantes perspectivas nos Brasis onde se ficava rico do dia para a noite, era só abanar a árvore das patacas. O interesse deles era a comissão que as companhias de navegação lhes ofereciam por cada passageiro engajado. Os candidatos a ricos, geralmente os mais jovens, pediam aos pais e estes empenhavam os parcos haveres que possuíam para custear a passagem. Sabiam que os bens penhorados eram bens perdidos, dificilmente os recuperariam. Dos muitos rapazes que abalaram, poucos remetiam dinheiro que compensasse o sacrifício. Num ou outro natal vinham minguados mil réis que davam para pouco mais que as rabanadas. Sinal que na terra da tal “árvore das patacas” não havia a facilidade apregoada. É bem verdade que de longe algum que já tinha partido há um ror de anos voltava de visita alardeando abastança. Exibiam roupas extravagantes e um linguajar arrevezado decorado durante a viagem, para impressionar os papalvos da terra. Os antigos sabiam muito bem que aquilo era fogo de vista, já tinham feito encenação igual ou parecida. Houve o caso de um “brasileiro” que foi visitar a família após dezenas de anos, com todo o espalhafato da praxe que apenas durou um mês. Os restantes cinco meses que a passagem de vapor lhe permitia, passou-os trabalhando na forja do cunhado para se manter.

Houve, sim, no espaço de cinquenta anos, dois ou três emigrantes que voltaram com considerável fortuna lhes permitindo comprar as propriedades de fidalgos arruinados.

Não obstante os prós e contras, mais contras que a favor, os chefes de família faziam o impossível para proporcionar meios ao seu membro de pagar a passagem. Era um jogo de sorte. Quem sabe seu filho ía ser um daqueles que voltavam ricos?

 

(continua)

                                                       Félix Igrejas