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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

TOMÁS JOAQUIM CODEÇO II

melgaçodomonteàribeira, 13.11.21

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No verão de 1835, multiplicaram-se as investidas de Quingostas e da sua quadrilha e as várias tentativas para conseguir o seu desmantelamento revelavam-se infrutíferas, o que ditará uma mudança de estratégia. Em Outubro desse ano, lançou-se um novo plano, que previa a atribuição de um prémio pecuniário a quem o denunciasse e entregasse às autoridades.

No mês seguinte, face ao pendor cada vez mais político assumido por esta organização, foi planejado um ataque, que envolveu alguns batalhões de guardas nacionais, do qual resultou a prisão de vários parceiros do guerrilheiro. Aliás, os poderes nacionais tomaram consciência da verdadeira importância desta guerrilha, quando, nesse mesmo mês, Quingostas sitiou a vila de Valadares, arrombou a cadeia e dela retirou José Luís Alves Azevedo, um preso político que tinha sido oficial do exército realista, mais propriamente ex-capitão das ordenanças da freguesia de São Miguel de Valadares. Segundo testemunhas, praticou este acto “dando vivas ao usurpador e cantando o Hynno Absolutista”. Neste ataque, Quingostas comandava cerca de 40 homens bem armados. As autoridades, nomeadamente as judiciais, mostravam-se atemorizadas com o aumento do número de rebeldes e com a aceitação que estes gozavam em algumas povoações.

Apesar da realização de uma batida e da captura de alguns dos seus sequazes, nomeadamente do famigerado “Branco”, o certo é que Quingostas continuava a monte. O governador civil, consciente de que o insucesso das diversas tentativas para o capturar se devia ao apoio de que desfrutava, optou, mais uma vez, por uma nova estratégia, que assentava na responsabilização das populações. Assim, em Dezembro do mesmo ano, foram afixados editais em todos os concelhos da raia, ordenando que “logo que conste que o chefe dos salteadores, ou alguns de seus sócios he acoutado em qualquer casa, o chefe de família ficará desde logo responsável pelo individuo que agasalhou, e será entregue à authoridade judiciária para o julgar conforme a lei”. Havia agora a tentativa de responsabilizar como cúmplice quem contactasse com o grupo.

No dealbar de 1835, José Manuel Gonçalves, professor, que tinha sido encarregado pelo administrador do concelho de Melgaço de vigiar Quingostas, foi ferido por este em plena feira, na freguesia de Paderne, concelho de Valadares, numa clara demonstração de poder, sob o olhar de várias testemunhas, que nada fizeram para impedir tal atentado nem para socorrer o ferido. Se o carácter político do bando era já uma certeza, também o apoio dos povos das freguesias de Valadares e Melgaço se tinha tornado uma realidade. Por medo ou concordância, as populações mantinham-se silenciosas e apoiavam o grupo de rebeldes e saqueadores. Na freguesia de São Paio, à chegada de militares e de representantes do poder administrativo e judicial, os populares afastavam-se, usando sinais para avisar o bando, quando este ali se encontrava, da presença das autoridades.

Em inícios de 1836, Quingostas foi visto a disparar contra soldados espanhóis que o impediram de utilizar um barco furtado no rio Minho. Alguns dias depois, realizava novo atentado, tendo mais uma vez a freguesia de Paderne como palco. Desta vez, o alvo foi uma pequena escolta militar, destacada para manter a ordem numa festividade daquela localidade.

“(…) Tendo os officiais ido a uma romage que se fez no dia 16 do corrente na freguesia de Paderne do concelho de Valladares, devertirem-se, levarão consigo huma escolta do mesmo destacamento, e na occasião de sahir a porcição, em alguma distancia de onde estava a dita escolta, apareceo-lhe o Monstro Thomas com dous companheiros e atirando-lhe três tiros, começou a insultallos chamando-lhe negros e outros vários nomes.”

Deste modo, Quingostas e seus companheiros alardeavam um atrevimento cada vez maior, não se coibindo de provocar as autoridades judiciais, militares e administrativas, nem de se exibirem em reuniões das populações, como eram as festas. Circulava com total liberdade pelas estradas que uniam o concelho de Melgaço ao de Valadares,, sendo frequentador assíduo de uma venda, na freguesia de Penso, pertecente àquele concelho. Contudo, sofreu um revés, quando foi capturado João Pinheiro Albardeiro, seu amigo pessoal e membro da quadrilha que liderava. Meses mais tarde, será a vez de Joaquim José de Sá, um desertor, natural do concelho de Paredes de Coura, também ser preso.

Apesar destas contrariedades, Quingostas continuava a movimentar-se impunemente por algumas freguesias dos concelhos de Melgaço e Valadares, dando-se ao luxo de arrancar os editais com mensagens contra si, substituindo-os por outros, da sua lavra, nos quais apregoava não só a sua invencibilidade, como a sua luta contra as autoridades locais. Um deles apresentava o seguinte conteúdo:

“(…) Como as reais ordens são dadas por desavergonhados hé o motivo porque se rasgão e se fossem dadas pelo governo se aceitarião benignamente e portanto o que foi causa deste edital foi a de me roubar  o quanto eu tinha em minha casa porque só em comedeiras se podem sustentar cai nas mesmas penas que me recolher também cai no mesmo tempo que este tirar, eu se bem o digo melhor o faço as minhas casas são debaixo das estrelas sou firme contra os meus inimigos.”

Em Março de 1836, as autoridades espanholas davam conta da presença de Quingostas na Galiza.

“(…) Por la Peroja y Caldela estan invadiendo esta Província los facciosos segun las partes que acabo de recibir, es pues preciso que V. immediatamente tome todas as medias convenientes para faborecer los pueblos atacados sem perder de vista esos puntos, y avisando a lo momento a las Authoridades Portuguesas para que se sirban tener pronta su tropa para ausiliarmos en caso necessário.”

Era evidente a união de esforços da quadrilha miguelista e da guerrilha carlista, comandada por Lopez. Quingostas e os seus companheiros eram os responsáveis por um sistema de angariação de desertores portugueses para as fileiras daquela guerrilha. O apoio logístico prestado à guerrilha carlista por parte do bando de Quingostas era evidente para as autoridades espanholas.