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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

TOMÁS JOAQUIM CODEÇO I

melgaçodomonteàribeira, 06.11.21

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 s. paio

ENTRE O CRIME E A CADEIA: VIOLÊNCIA E MARGINALIDADE NO ALTO MINHO (1732-1870)

 

Alexandra Esteves

Tese de Douturamento em História

Instituto de Ciências Sociais

Universidade do Minho

 

OS CHEFES DAS QUADRILHAS

 

O chefe da quadrilha que maior impacto causou no Alto Minho foi  Tomás das Quingostas. A sua relevância prendia-se com as várias particularidades que o aproximam do “bandido social” traçado por Hobsbawn, e fizeram do seu bando não uma mera associação de malfeitores, mas antes um movimento de guerrilha anti-liberal, de pendor miguelista. Rapidamente nos apercebemos de que a base de apoio de Quuingostas e dos seus sequazes extravasava as classes populares, pois incluía  personalidades tidas como miguelistas e figuras políticas ligadas ao regime liberal, que lhes davam cobertura e ao avisavam das movimentações das autoridades. Esta aproximação da quadrilha ao poder político pode ser considerada como um dos factores que contribui para a sua longevidade. A existência desses apoios não era segredo e serviu de pertexto para o lançamento de suspeitas sobre alguns sectores do poder administrativo, judicial e militar. As acusações de conluio e cumplicidade não se limitaram aos extractos mais baixos da hierarquia administrativa e militar, mas atingiram membros de categorias mais elevadas das duas instâncias do poder.

Tomás das Quingostas, vulgo de Tomás Joaquim Codeço, nasceu na aldeia de S. Paio, concelho de Melgaço, tendo sido baptizado, em 15 de Agosto de 1808, com nome de Tomás de Aquina, Nasceu no seio de uma família relativamente abastada de agricultores, tendo frequentado a escola. Esteve detido na cadeia da Relação do Porto até à entrada das tropas comandadas por D. Pedro naquela cidade, sendo conhecido já na década de vinte do século XIX como bandido e membro de um bando que atacava na região de Melgaço. Posteriormente, regressou à sua aldeia natal onde se dedicou ao crime. Em 1834, evaduiu-se das cadeias de Lamego, instalando-se novamente no concelho de Melgaço, circulando entre este e o de Valadares, no qual permanenecia a maior parte do tempo, alternando com temporadas na Galiza, onde se dedicava ao bandoleirismo, cometendo roubos, agressões e assassinatos.

As primeiras alusões a Tomás das Quingostas, que encontrámos  na documentação produzida pelas autoridades administrativas, datam de 1834. Embora se trate de uma referência indirecta,, o seu nome surgia associado ao de Luís José Caldas, de quem se dizia ser parceiro. Luís José Caldas, conhecido guerrilheiro, estava na altura preso na cadeia de Valadares. Considerando-se que aquele estabelecimento prisional não reunia condições para albergar um preso de taõ elevada perigosidade, determinou-se a sua transferência para Valença. Todavia, o detido foi fuzilado pela escolta militar que o acompanhava, A morte de Luís Castro Caldas não foi bem recebida pelas instâncias suuperiores, que tentaram atribuir ao provedor de Melgaço, responsável pela sua captura, a culpa do sucedido. De facto, os constantes fuzilamentos praticados pelas escoltas militares estavam a contribuir para a descredibilização do regime recém-implantado, numa região que revelava fortes resistências ao liberalismo, parecendo haver uma intenção mais teórica do que prática de demarcação “entre o governo legítimo e o da usurpação”. Por isso, era nacessário acabar com as execuções sumárias de presos e com as represálias que os vencedores da guerra civil estavam a praticar sobre os vencidos.

Maria de Fátima de Sá e Melo Ferreira inclui Luis Castro Caldas entre os perseguidos, no concelho de Melgaço, no período compreendido entre Abril e Maio de 1834, por guerrearem contra a causa liberal. Outro dos procurados como chefes da guerrilha eram Caetano da Ponte, o chamado “Vasconcelos”, Pitta Bezerra e, finalmente, Tomás das Quingostas.

O ano de 1834 foi marcado pela detenção de salteadores e guerrilheiros, sobretudo no concelho de Melgaço, devido à acção enérgica encetada pelo provedor daquele concelho contra o banditismo. Assim,  em Dezembro de 1834, foram presos mais dois salteadores de renome: Manuel José Rodrigues, alcunhado “o Forno”, e Manuel António Gonçalves, conhecido como sócio número um da extinta quadrilha liderada por Manuel Veloso e sócio número dois de Tomas das Quingostas. Por esta altura, Quingostas vagueava com os seus seguidores pela Galiza, onde praticavam todo o tipo de depredações. Quando passava a Portugal, reunia-se com os seus apaniguados no lugar de São Gregório, em Melgaço, e em diversos locais do concelho de Valadares, nomeadamente nas freguesias de Penso, São Martinho e Paderne. Em 1834, ainda não estava claramente definida a veia política desta organização criminosa, sendo encarada como mais uma quadrilha de ladrões, na linha das que já existiam no sistema político anterior. Este raciocínio pode depreender-se das palavras do sub-prefeito de Monção ao tentar caracterizar a sua actividade na Galiza, afirmando que

“(…) Não he de estranhar que aquella quadrilha pratique semelhantes attentados na Galiza quando muitos dos seus capatazes estão no costume de hirem as villas ameaçar as authoridades, quando dabem que elas querem proceder contra elles, o que acontecia frequentemente nesta comarca no tempo do Usurpador, e que já mesmo que depois de Aclamado o Legitimo Governo teve lugar.”

Estas palavras são reveladoras de um equilíbrio político muito frágil nos concelhos raianos do distrito de Viana do Castelo, submetidos à pressão de criminosos, mas para o qual também contribuía uma conjuntura que permitia a sua insubmissão.