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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

ROTAS COMERCIAIS

melgaçodomonteàribeira, 30.10.21

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 montes laboreiro

RELAÇÕES FRONTEIRIÇAS LUSO-CASTELHANAS, NOS SÉCULOS XIV – XV

 

Rotas Comerciais

Independentemente de algumas alusões concretas as mercadorias que saíam para a Galiza por certas vias e portos da fronteira norte, não ignoramos as rotas da almocrevaria medieval, rumo aos portos frnteiriços com Castela, que não esgotando esta temática, constituem pontos de referência a ter em conta.

Concretizando certos aspectos podemos adiantar que as rotas comerciais do Norte de Portugal com Castela tinham alguns rios como pontos de referência, sendo possível falar de uma articulação ou mesmo complementaridade entre vias fluviais e terrestres, sendo os casos mais conhecidos os dos vales do Minho, do Lima e do Douro.

Quanto ao Minho, está bem documentada a chegada de mercadorias por via fluvial até ao amplo porto de Valença, especialmente, pescado e sal, que seguiam, depois, tanto para as regiões galegas, a partir da cidade de Tui, como para as regiões do Alto Minho, sitas na margem esquerda deste rio, e para as zonas do sul da Galiza, para onde atravessavam, tanto pelo conhecido Porto dos Asnos, junto do lugar de Alcobaça, meeiro de Lamas de Mouro e de Fiães, como pela raia seca, nos limites de Castro Laboreiro. Embora não pretendendo demorar-nos sobre as vicissitudes do percurso de Valença até à entrada em território galego, não podemos deixar de esclarecer que os mercadores e almocreves, pouco depois da conhecida Ponte do Mouro, abandonavam a estrada de Monção a Melgaço e inflectiam para a direita, subindo pelos montes de S. Tomé, passando, depois, por Pomares, Cubalhão e Lamas de Mouro, onde optavam, conforme o seu destino, pela saída pelo Porto dos Asnos ou pelos montes de Castro Laboreiro. Não se tratava, apenas, de seguir o percurso mais directo, mas era a melhor forma de evitar a aproximação à praça e vila de Melgaço, cujo alcaide não se dispensava de cobrar a portagem, criada por D. Pedro I, em 28 de Maio de 1361, obrigando os mercadores e almocreves a abandonarem o referido caminho da Ponte de Mouro – Porto dos Asnos/ Castro Laboreiro, para passarem por Melgaço.

 

José Marques

Prof. Catedrático da Faculdade de Letras do Porto (ap.).

CEPESE

Ibéria: Quatrocentos/Quinhentos

p.133

UMA MEDALHA DE MÉRITO

melgaçodomonteàribeira, 23.10.21

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ATA NÚMERO 105/09-13 DA REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DA CÂMARA MUNICIPAL DE CAMINHA REALIZADA NO DIA VINTE E QUATRO DE JULHO DO ANO DE DOIS MIL E TREZE

 

ATRIBUIÇÃO DE MEDALHA HONORÍFICA A MARIA ESTEVES

MEDALHA DE MÉRITO DOURADA

 

No seguimento das propostas apresentadas pela Sra. Presidente e Senhores Vereadores, foi elaborado e analisado, pela Comissão de Recompensas para Concessão de Medalhas e Títulos Honoríficos e em conformidade com o previsto no respetivo regulamento, o processo de atribuição de medalha honorífica a Maria Esteves.

Após a análise efetuada pela comissão de recompensas, passa-se a transcrever a fundamentação:

“Maria Esteves é natural de Castro Laboreiro, Melgaço, onde nasceu em 12 de Julho de 1960.

Licenciou-se em Geografia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1982 e iniciou a sua vida docente na Escola Secundária de Arcozelo (Barcelos) no mesmo ano. Entre 1983-1985 leciona na Escola Preparatória de Amares (Braga) e no ano letivo de 1985-1986 na Escola Secundária Antero de Quental (Ponta Delgada – Açores).

De regresso ao continente vai lecionar, entre 1986-1987 na Escola Secundária de Monserrate, Viana do Castelo, seguindo daí, para o ano de 1987-1988 para a Escola Secundária de Olhão.

Vai fixar-se finalmente na Escola C+S de Caminha a partir do ano de 1988-1989.

Ao longo da sua carreira docente exerceu diversos cargos de responsabilidade no contexto escolar e na relação da escola com a comunidade envolvente, dos quais se destacam o desempenho de funções de diretora de turma (1988-1989), Representante do Grupo Disciplinar de Geografia (1989-1990), Delegada do Grupo Disciplinar de Geografia (1990-1991), Vice-presidente do Conselho Diretivo (1991-1995), Presidente do Conselho Diretivo (1995-2000), Presidente do Conselho Pedagógico (desde 1995), Presidente do Conselho Administrativo (desde 1995), Presidente do Conselho Executivo (desde 2000) e Presidente da Comissão Executiva Instaladora do Agrupamento Vertical de Escolas de Caminha (Vales do Coura e Minho).

De destacar ainda as funções exercidas como membro da Comissão Pedagógica do Centro de Formação de Escolas de Caminha e de Vila Nova de Cerveira (1995-1996 e 2007-2008), membro da Comissão Pedagógica do Centro de Formação do Vale do Minho (2008-2009), membro do Grupo de Educação da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Caminha (desde Janeiro de 2004), representante dos Docentes do Ensino Público do Concelho de Caminha no Conselho Municipal de Educação (2006-2007) e representante dos Docentes do Ensino Secundário no Conselho Municipal de Educação.

Atualmente é Presidente da Comissão Administrativa Provisória do Agrupamento de Escolas Sidónio Pais.

Por uma vida dedicada ao ensino e formação dos jovens, pela sua dedicação ao ensino e formação através das funções desempenhadas com abnegação, profissionalismo e de forma brilhante ao longo dos últimos 25 anos considera esta comissão adequada a atribuição de Medalha de Mérito Dourada a Maria Esteves.”

Assim, propõe-se que a Câmara delibere a atribuição da Medalha de Mérito Dourada a Maria Esteves.

 

A presente proposta foi aprovada com 4 votos a favor do Senhor Presidente em Exercício Flamiano Martins e dos Senhores Vereadores, Mário Patrício, Paulo Pereira, Jorge Miranda, 0 votos contra e 0 abstenções.

 

Paços do Município de Caminha, 24 de Julho de 2013

O ÚLTIMO FRADE

melgaçodomonteàribeira, 16.10.21

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 igreja de rouças

 

O ÚLTIMO FRADE EGRESSO DE MELGAÇO

(ÓBITO EM 9 DE JULHO DE 1898)

 

Depois de me ter jubilado, venho dedicando parte do tempo a ler jornais da minha região – o Alto Minho -, nomeadamente os que marcam a passagem do século XIX para o século XX, por serem aqueles onde chega a minha memória, poe força do convívio que fui tendo com familiares ao longo dos 66 anos que já levo de vida.

Foi nessas leituras que na edição nº 634, de 17 de Julho de 1898, do jornal de Monção O Independente, cujo director era o Padre Simão d’Abreu e Mello, descobri uma notícia relacionada com Melgaço, cujo conhecimento me parece interessante para os leitores deste jornal.

Vem noticiado o seguinte:

“Dizem de Melgaço

Depois de prolongado sofrimento, faleceu no dia 9 do corrente (leia-se: mês de Julho de 1898), pelas 7 horas da manhã, na sua casa de Crasto, freguesia de Rouças, deste concelho, o Reverendo António Joaquim de Neiva, último frade que existia por estes sítios.

Nasceu em 14 de Julho de 1813, contando por isso a bonita idade de oitenta e cinco anos.

Principiou os seus estudos no Convento de Santo António, desta vila, passando como noviço da Ordem para o Convento de Caminha, onde mais tarde professou.

Em 1834, sendo expulsos os frades, dirigiu-se este e outros a Lisboa, tomando, perante o Patriarca ordens de subdiácono e diácono com missa em 1838.

Pela vocação que tinha para o canto-chão e como pedinte, foi admitido na Ordem de Santo António e depois que regressou à casa paterna deu-se à execução de música de capela, instruindo com as suas lições muitos indivíduos do seu tempo.

Teve sempre exemplar comportamento, quer como padre quer como frade, sendo além disso protector exímio de seus irmãos, sobrinhos e demais parentes, a quem deu também conselhos paternais.

E há vinte e tantos anos que padecia, quase como mártir, duma chaga que se lhe abriu numa perna, a qual, fechando-se há meses, originou pouco depois um insulto qualquer que lhe pôs termo à vida no dia já indicado”. Em apenas sete parágrafos vêm relatados factos que marcaram uma época de contornos até então inimagináveis para a Igreja e para a cultura do nosso país.

Temos, pois, uma notícia do dealbar do século XIX, que recorda tempos difíceis, que foram os que se seguiram às Invasões Francesas e às ideias liberais que então proliferaram pela Europa, com muito de positivo e alguns resquícios negativos.

Deparámos, então, com os estudos dum noviço de Roussas no Convento de Santo António. O seu posterior professar numa ordem religiosa, que o levou ao concelho de Caminha, junto à foz do Rio Minho. A expulsão dos frades e o seu regresso como egresso à casa paterna. A sua readaptação ao quotidiano familiar e, no caso, a subsequente martirização até ao finar dos seus dias, numa vida que durou 85 anos.

Tenho dúvidas quanto à localização do referido Convento de Santo António. Será em Melgaço ou em Monção? A notícia, proveniente de Melgaço, mas publicada num jornal de Monção diz expressamente “Convento de Santo António, desta Vila”. Em Melgaço desconheço a existência de um Convento de Santo António. Em Monção o Convento dos Capuchos chama-se de S. Francisco, mas também é referido como de Santo António.

Nunca me tinha interessado particularmente pela vida dos egressos, até que, algum tempo atrás, fiquei a saber que dois meus antepassados – os franciscanos Frei Manuel e Frei José -, tinham sido acolhidos na Casa e Quinta do Mosteiro de S. João de Longos Vales, concelho de Monção, propriedade dos meus trisavôs maternos, advogado e juiz substituto Dr. José António Pereira d’Antas Guerreiro e sua mulher D. Maria Rita Monteiro, na sequência de uma convenção antenupcial por eles lavrada, no ano de 1852.

Procurei informação sobre o fim das ordens religiosas, da qual tinha vago conhecimento e pude apurar o que passo a cantar, com todas as insuficiências de que um leigo se pode fazer acompanhar.

A extinção das ordens religiosas em Portugal começou a ser praticada no reinado de José I de Portugal e governação do Marquês de Pombal.

Na sequência de um atentado de que foi alvo, o Rei, por Alvará de 3 de Setembro de 1759 decretou a expulsão dos Jesuítas do País e mandou confiscar os seus bens, que passaram a incorporar a Fazenda Nacional.

Decorridos alguns anos, essa decisão, de expulsão da Companhia de Jesus, foi confirmada pelo Príncipe-Regente D. João, por Alvará de 1 de Abril de 1815.

No contexto da Guerra Civil Portuguesa – 1828-1834 - , liberais e absolutistas assumiram atitudes diferentes quanto a essa questão religiosa, em função da instabilidade reinante e do permanente conflito de forças.

Em Portugal Continental, D. Miguel I autorizou no ano de 1829 o retorno dos religiosos da Companhia de Jesus, que foram instalar-se no Colégio das Artes, em Coimbra em 1832.

Nos Açores, D. Pedro, 16º duque de Bragança, aboliu as ordens religiosas no arquipélago por Decreto de 17 de Maio de 1832.

Com o fim do conflito e a vitória dos Liberais, a partir de 1834, foi confirmada a expulsão dos Jesuítas e das demais ordens religiosas.

No contexto que se seguiu à assinatura da Convenção de Évora Monte, o então Ministro da Justiça, Joaquim António de Aguiar, redigiu o texto do Decreto de extinção das ordens religiosas que, assinado por Pedro IV de Portugal, embora apresente a data de 28 de Maio, só veio a ser publicado em 30 de Maio de 1834.

Por esse diploma, foram declarados extintos todos os conventos, mosteiros, colégios, hospícios, e quaisquer outras casas das ordens religiosas regulares (artº 1º), sendo os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional (artº 2º), à excepção dos vasos sagrados e paramentos que seriam entregues aos ordinários das dioceses (artº 3º). O diploma afirma ainda que seria concedida uma pensão anual aos religiosos que não obtivessem benefício ou emprego público (artº 3º), o que entretanto permaneceu letra morta. Esta lei valeu a Joaquim António de Aguiar a alcunha de “Mata Frades”.

Porém, este processo levou apenas à extinção imediata das ordens religiosas masculinas. As ordens religiosas femininas mantiveram-se, não podendo contudo admitir noviças.

A extinção final das ordens religiosas femininas só foi regulada em 1862, ficando então assente que o convento ou mosteiro seria extinto por óbito da última religiosa, sendo os bens da instituição incorporados na Fazenda Nacional.

Foi assim que a maior parte dos frades e freiras das ordens extintas regressaram às suas terras e casas de família, ficando conhecidos por egressos.

A título de exemplo e a propósito da extinção das ordens religiosas femininas, junto a capa da revista bracarense Ilustração Catholica, nº 194, de 17 de Março de 1917, que nos mostra “D. Roza de Jesus, última noviça das religiosas carmelitas do extincto convento das Therezinhas, em cujo edifício ainda vive, o qual hoje é propriedade do Azylo de S. José”.

Portanto, esta freira, que já devia ter uma avançada idade em 1917, foi a última noviça que viveu no extincto Convento das Teresinhas de Braga, que ainda hoje continua a existir com o nome de Asilo de S. José, funcionando como lar de terceira idade.

 

José António Barreto Nunes

Braga, 13 de Abril de 2015

 

Publicado em A Voz de Melgaço

Maio de 2015

 

LENDAS DO VALE DO MINHO - MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 09.10.21

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CAMINHANDO PELO MUNDO DO FANTÁSTICO

NO VALE DO MINHO

 

OS SETE FILHOS PÁSSAROS

 

‘’Uma mãe tinha sete filhos que tinham uma «fada»: transformavam-se em pássaros. Dizem que é de serem sete rapazes que leva a ter essa fada; outros transformam-se em lobisomem.

A mãe queria tirar a fada a esses filhos, mas não sabia como. Ela passava dias, semanas e até meses sem ver os pobres dos filhos, pois eles andavam pelos ares, astros, como os pássaros! A mãe sabia que eles se transformavam em pássaros, que tinham aquela fada, pois… sei lá, talvez viessem bater com o bico nos vidros das janelas…

Um dia foi a uma senhora entendida, contou-lhe, e perguntou-lhe como é que podia tirar essa fada aos filhos. E dizia: Eu queria quebrar esta fada aos meus filhos... Eles sofrem tanto e estão desgraçados! Ela disse-lhe: Olha! Para quebrares a fada aos teus filhos tens de fazer grandes sacrifícios. Tu cortas junco (vais aos regatos, aos rios), muito junco, e trazes para casa. Depois secas esse junco e fazes sete croças (…). A mãe tinha que fazer sete croças para os sete filhos que tinha. Mas tens que fazer essas sete croças sem falar, comer ou dormir! Agulha sobre agulha, trabalho sobre trabalho, tu não podes fazer mais nada até acabares as sete croças.

E ela pôs-se a fazer as sete croças, a tricotá-las. E não falava… só tricotava… só tricotava… As pessoas passavam e perguntavam sobre o que ela estava a fazer. Mas ela não podia responder, para não falar e assim respeitar o mando da bruxa. Até que, depois de muito tricotar, quando tinha a última croça quase pronta, as pessoas continuavam a falar para ela… (sabe que na aldeia é assim!). E já suspeitosas de tanto silêncio queriam condená-la à morte, que era o que faziam naquele tempo às bruxas. Foram contar ao rei: Assim... Assim…, há aqui na aldeia uma mulher que tricota, tricota, mas não fala… Pois não podia ser coisa deste mundo todo aquele trabalhar, trabalhar, sem falar e sem comer… O rei queria mandar matar a mulher!

Estava a pobre da mãe a acabar de tricotar as croças quando chegou o rei, com as suas autoridades, para a mandar matar. Só lhe faltavam sete malhas para acabar a última croça. Mas os filhos viram o que se estava a passar, e começaram a vir ter com a mãe. Ela viu os filhos a começar a vir; apanhou as croças e começou a metê-las naqueles pássaros. E assim que metia as croças eles ficavam homens! Quando chegou à última, à que faltavam sete malhas, meteu-a no filho, mas ele ficou com sete penas no ombro… que eram as sete malhas que faltavam.

O rei viu que era uma penitência e desistiu da sentença, pois a mãe ia dizendo, no fim: Eu não podia falar porque queria salvar os meus filhos com esta penitência!”.

 

Informante: Melgaço, Conceição 62 anos.

 

Álvaro Campelo

Revista Antropológicas nº 6, 2002

Projectos do Centro de Estudos de Antropologia Aplicada – CEAA

 

Encontrei o mesmo tema da lenda na Trilogia de Sevenwaters de Juliet Marillier, romance que recorda o passado Celta da Irlanda, publicada em Portugal pela Livraria Bertrand em Fevereiro de 2004.

Como não acredito em coincidências, a recolha efectuada pelo professor Álvaro Campelo vem confirmar a nossa ascendência: somos Celtas.

Ilídio Sousa

CAPELA DE NOSSA SENHORA DE MONSERRATE II

melgaçodomonteàribeira, 02.10.21

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 coriscadas  castro laboreiro

(continuação)

 

Esta seria a versão que associa esta família à origem do culto da Senhora de Monserrate neste recanto serrano. A outra refere-se a uma mãe que foi confrontada com a infelicidade de dar vida a dois filhos surdos de nascença. Primeiro um, depois outro, os meninos iam-se desenvolvendo com toda a normalidade, fortes, bonitos como estrelas, sem o menor sinal que apontasse para um qualquer problema ou defeito. Quando o segundo nasceu, já o mais velho corria pela casa e pelo pátio ou a eira onde a avó tomava dele enquanto a mãe tratava dos seus muitos afazeres. Começaram a estranhar o facto de o menino não falar, já a voz do povo se ouvia para lamentar a sorte do rapazinho. A dúvida e o temor de terem um mudinho em casa tomaram a mãe e a avó mas nem uma nem outra ousavam dizer em voz alta o que lhes entristecia a alma. Continuaram a esperar, de um dia para o outro a criança ia desatar a língua e começava a falar, garantia a tia Lomba, entendida em casos de beta, espinhela caída e outras maleitas daqueles tempos. Só quando o segundo menino reproduziu o padrão do mais velho é que a evidência se impos à mãe pela voz do doutor: eram surdos e porque eram surdos eram mudos e a ciência ao seu alcance não podia nada por eles, tinha de ter paciência, pior seria se nascessem sem um braço ou uma perna.

A mãe não se rendeu à impotência do médico: a ciência não a podia ajudar, Nossa Senhora, que também era mãe, intercederia por ela junto de Deus. Era tão grande a sua fé que começou logo a diligenciar para arranjar trabalho na ramboia para juntar o dinheiro necessário para pagar a promessa: se os seus filhinhos ouvissem e fossem capazes de falar, mandaria levantar uma capela em honra de Nossa Senhora. Não chega até hoje eco de que houvesse dois mudos por aquelas bandas, por isso é de crer que as crianças se aventuraram na comunicação verbal fora de tempo. Também não se sabe se essa capacidade tardia se deveu à interferência da Mãe de Deus para adoçar a vida da mãe dos meninos ou se estes eram dotados simplesmente de um ritmo próprio fora do comum.

Foi esta mãe ou pai que mandaram edificar a capela? Escolhido o local, seguiu-se o apelo ao pároco da terra para diligenciar no sentido da aquisição da imagem de culto. Porque os contactos com a Galiza eram mais fáceis e habituais, parece que a busca da imagem se terá realizado no país vizinho, em Ourense ou Santiago ou lá para Madrid ou mais longe até. Porque foi adquirida a efígie da Senhora de Monserrate e não qualquer outra ultrapassa o entendimento do narrador e dos interlocutores que levantaram este véu. É claro, isso sim, que enquanto a obra da capelinha decorria, ficou a santa ao cuidado do pároco, em sua casa, aguardando a cerimónia pública da sua bênção e a entrega à que ficaria a ser a sua casa. Também se conta que a santinha esteve escondida, pois chegou a Portugal clandestinamente e temia-se que fosse feita prisioneira como se de um refugiado se tratasse. A capela foi construída em terreno baldio, perto da aldeia, e a sua diminuta dimensão tem a ver com a singularidade da sua origem: obra de uma família de fracos recursos. De fracos recursos e de muita fé e, em guisa de conclusão vem-nos à memória um provérbio muitas vezes ouvido: o pouco com Deus é muito, o muito sem Deus é nada.

 

                                                                        Olinda Carvalho

 

Publicado em A Voz de Melgaço

Junho de 2015