GUERRA DA RESTAURAÇÃO EM MELGAÇO
moinho em lamas de mouro
PORTUGAL RESTAURADO
ANNO 1641. SUCESSOS DE ENTRE DOURO & MINHO DE Q HE GOVERNADOR DAS ARMAS D. GASTÃO COUTINHO.
… passaremos a referir os sucessos da Provincia de Entre Douro & Minho. Logo que El Rei se acclamou, elegeu por Governador das Armas desta Provincia a D. Gastão Coutinho, nomeando-o do seu Conselho de Guerra. Na de Africa se havia exercitado os primeyros annos; depoys, vindo para Lisboa, se embarcou em alguas Armadas, & tinha conseguido, em todas as occasiões q se offerecéram, opinião de muyto valeroso. Nos primeyros dias de Janeyro partiu de Lisboa, chegou ao Porto, passou logo a Braga, onde se deteve alguns dias, & desta Cidade partiu para Viana, Villa a mays occidental da fronteyra de Galiza, & hu dos mays deleytosos lugares de todo o Reyno, banhando-a o Mar Oceano & o Rio Minho. Os seus moradores já não ignoravam os exercicios militares, nem os assombrava o estrondo da artilharia, ganhando valerosamente aquella fortaleza a os Castelhanos, como fica referido. Logo q D. Gastão chegou à fronteyra, a correu toda de Viana atè Melgaço: hua das attenções mays precisas q deve observar hu Governador das Armas, porque sem grande conhecimento da Provincia q governa, he quasi impossivel acertar as disposições necessarias nas occasiões que se lhe offerecem. Nesta jornada fez Dom Gastão alistar toda a gente de Entre Douro & Minho: achou muyta & valerosa com poucas armas & menos disciplina. Elegeu os officiaes mays praticos q pode descobrir, levantou trincheyras a Caminha, Villa Nova de Cerveyra, & Valença. Assistindo à fortificação da ultima, o rodeáram alguas balas de artilharia de Tuy, Praça de Armas dos Galegos, q divide de Valença o Rio Minho com pouca distancia de hua a outra parte. Os moradores de Salvaterra deram principio a o rompimento: quizeram impedir huns barcos, q hiam para Monção; os moradores desta Villa os defendéram, conduzindo-os a ella, & estimulados deste excesso levantáram hua plataforma junto ao Rio, & pondo nella tres peças de artilharia, as disparáram com prejuizo das casas de Salvaterra, situação da outra parte do Rio, como em seu lugar diremos. Nestes dias andando em Melgaço rondando as sintinelas junto do Rio o Capitão de Infantaria Francisco de Gouvea Ferraz, estimulado de ouvir da outra parte do Rio a hu soldado Galego alguas palavras contra o decoro del Rei, se lançou impetuosamente a o Rio, & passando-o a nado, se achou da outra parte sem opposição porq o Galego medroso do seu valor se retirou, antes q elle chegasse, podendo facilmente tomar vingança da sua ousadia: tornou da mesma sorte a voltar para Melgaço, & logrou o merecido aplauso da sua resolução. De Janeyro até Julho se passou de hua & outra parte sem mays empresa, que estes primeyros ameaços de guerra. Em Julho quando se rompeu a guerra em Alentejo, conhecendo El Rey q menear as armas só para a defensa era multiplicar o perigo, & que a paz q desejava, se havia de conseguir fazendo guerra, ordenou aos Governadores das Armas de todas as Provincias, q entrassem em Castella. Não dilatou D. Gastão a obediencia, deu logo ordem a frey Luis Coelho da Silva Cavalleyro da Ordem de S. João, q com a gente de Viana, embarcada em hua galeota, duas lanchas, & alguns barcos, passasse a queymar a Villa da Guarda, situada junto do Mar defronte de Caminha. Mandou a D. João de Sousa Capitão Mór de Melgaço, q entrasse no mesmo tempo pela ponte das Varzeas, Antonio Gonçalves de Olivença pelo Porto dos Cavalleiros, por Lindolfo Manoel de Sousa de Abreu, & pela Portella de Homem Vasco de Azevedo Coutinho. Todas estas entradas se executáram em lugares muyto distantes huns dos outros, & toda esta gente não levava mays disposição q a do seu valor: porèm ignorar os perigos q buscava, a fazia mays resoluta, achando fortuna favoravel, que costuma porse da parte dos temerarios.
HISTORIA DE PORTUGAL RESTAURADO
D, Luis de Menezes, Conde da Ericeyra
Anno de M. DC. LXXIX