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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

FORNOS COMUNITÁRIOS EM CASTRO LABOREIRO E LAMAS DE MOURO

melgaçodomonteàribeira, 30.06.20

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forno comunitário em ameijoeira, castro laboreiro

 

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

 

As referências mais antigas ao cultivo do centeio, consumo de pão e sua função de pagamento, na região de Castro Laboreiro, até agora encontradas, encontram-se nos seguintes forais, que o Padre Manuel Pintor refere na sua Obra Histórica I:

Foral de D. Sancho I – “Quando fosse a Castro Laboreiro o rei recebia de cada casa 2 pães e a sua taleiga de cevada. Não satisfaziam impostos, a não ser 5 dinheiros de cada casa por cada um dos crimes nefandos.”

Foral de Afonso III (Segundo a reforma de D. Manuel I) – “Segundo se vê da reforma, não pagavam os 2 pães de centeio e a taleiga de cevada porque o Rei não ia lá, e só quando fosse em pessoa é que deviam pagar.”

Mais tarde, os Tombos de 1538, 1551 e 1565, reúnem várias referências ao centeio e ao pão, como pagamento à igreja e aos comendadores, pelas herdades, por exemplo – “E logo os ditos homens bons fizeram pergunta a Ines Fajão molher viúva que herdades trazia da dita Comenda e logo ella disse pelo juramento que lhe tinhão dado que não trazia outra cousa somente a herdade da Pereira que está à porta da igreja. E que pagava della quando tem pão huma fanega” – além de referências a moinhos, indicando talvez a existência de equipamentos de cozedura de grande dimensão que pudessem dar resposta às quantidades exigidas para pagamentos e para o consumo do povo.

Em 1758, é feito um inquérito aos párocos, respondendo o de Castro Laboreiro da seguinte forma: “Ao décimo quinto artigo respondo que os frutos que os moradores desta terra recolhem em cada hum ano com abundância hé somente centeio.” – demonstrando a continuidade da longa tradição do cultivo do centeio e da sua relevância para a alimentação, sendo esta terra difícil de arar e cultivar outros alimentos. O pároco nunca refere a existência de fornos, apenas de moinhos e outras estruturas.

Finalmente, a primeira referência encontrada nos livros de actas disponíveis no arquivo municipal de Melgaço, da ex-Câmara Municipal de Castro Laboreiro, sobre fornos comunitários, é sobre o forno do lugar das Cainheiras a propósito da nomeação de um “goarda rural daquele lugar fazendo cumprir por todos os moradores daquele lugar” “a vigilância e bom funcionamento” ”de todas as fontes, fornos, caminhos e mais obras públicas daquele lugar” – este excerto demonstra que todos os elementos nomeados são de uso comum, aliás, “público”, o que leva a concluir que no século XIX (pelo menos) já existia a noção de forno comunitário segundo os parâmetros que hoje se conhecem. Cem anos mais tarde encontra-se uma nova referência a um grande alargamento feito no lugar de Assureira, na Acta de 6 de Novembro de 1983. Todos os testemunhos orais recolhidos referem a causa da demolição desse forno por necessidade de alargamento da entrada deste lugar. Só aparece uma nova referência directa a fornos comunitários em 1993, na Acta de 6 de Junho do mesmo ano, a propósito da reparação do forno comunitário da Portelinha.

Após esta data aparecem várias referências a outros fornos no âmbito das duas freguesias, sendo que a última data de 1 de Junho de 2013.

 

FORNOS COMUNITÁRIOS DE CASTRO LABOREIRO E LAMAS DE MOURO (MELGAÇO)

Diana de Carvalho

Município de Alter do Chão

Maio, 2015

 

 

MELGAÇO, COLONIZADORES EM 1700 - 1800

melgaçodomonteàribeira, 27.06.20

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OS PRIMEIROS COLONIZADORES PORTUGUESES NO CEARÁ 1700 - 1800

 

Aqueles que se aventuraram na empresa do Ceará eram ao mesmo tempo conquistadores, povoadores e colonizadores. Alguns, aventureiros apenas, mas, a maior parte, indivíduos com uma meta, uma vontade de engrandecer a pátria portuguesa e reviver os heroísmos dos primeiros penetradores do solo brasileiro. Carregavam no sangue a herança dos velhos troncos avoengos, a par de uma fé ardente, tanto no fervor da prática religiosa como na crença de que estavam dando um testemunho de tenacidade e firmeza.

 

ALVES, António Manuel

Nasceu em Melgaço

Casou em Sobral, 1758

Entrelaçou com a família de Pires Chaves

 

MELGAÇO, José Rodrigues

Nasceu em Melgaço

Casou em Amontada

Fixou-se em Uruburetama

Entrelaçou com a família de Pereira de Azevedo

 

PONTES, Gregório Alves

Nasceu em Melgaço

Casou em segundas núpcias em Fortaleza, 1775

Entrelaçou de primeiras núpcias com a família Pires

 

 

Retirado de:

 

OS PRIMEIROS COLONIZADORES PORTUGUESES NO CEARÁ 1700 – 1800

 

http://www.angelfire.com/linux/genealogiacearense/index_povoadores.html

 

 

LEBOREIRO E LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 23.06.20

60 a2 - castro lab.JPG

MONTES DE LABOREIRO

 

Não pareça descabida neste estudo a descrição dos Montes de Laboreiro. Por eles presumo terem sido feitas as invasões, havendo indícios de um rota militar através destes montes.

Há várias opiniões sobre a etimologia da palavra Laboreiro. Querem alguns, como Santos Rosa de Viterbo, que Laboreiro signifique penhascoso e derive da palavra laporetum aparentada com lapis, palavra latina que significa pedra. Como razão apresentam a situação do castelo entre penhascos e numa região de muitos penedos. Querem outros que Laboreiro signifique laborioso ou trabalhoso, e seria portanto nos seus princípios Castrum Laborarium por causa do muito trabalho que se despendeu na construção da altaneira fortaleza. Repare-se que em latim a palavra trabalho se traduz por labor. Poderia, ainda, explicar-se a origem da palavra Laboreiro pelo facto de esta terra usar a cultura do centeio, principal cereal da freguesia, em lavores arroteados em sistema de cultura extensiva. Esta foi a minha opinião durante muito tempo.

Há, porém, a opinião de J. Leite de Vasconcelos que deve ser a verdadeira, embora o sábio filólogo não tenha talvez conhecido as fontes que me levam a perfilhá-la. Diz J. Leite de Vasconcelos que Laboreiro significa lebreiro, ou terra de lebres. Funda-se na forma antiga que era Leboreiro e que deve vir de leporarius, adjectivo derivado de lepus-leporis, palavra latina que significa lebre.

Razões documentárias temo-las nesta passagem que transcrevo de España Sagrada: «El insigne Monasterio de Celanova tiene su asiento ácia el Mediodia de Orense à tres , ò quatro leguas en el territorio Bubalo (como el de S. Esteban) debajo del monte Leporario, hoy Leboreiro, entre los rios Arnoya y Limia».

Entre ambas as edições deste estudo pude ter à mão fotocópias de muitos documentos do mosteiro de Celanova em que se descrevem inúmeras propriedades «sob o monte Leboreiro».

Documenta a mesma opinião uma escritura de Fiães do ano 1191 relativa a um quinhão de Parada do Monte, terra identificada «sub monte leporario».

Eis, portanto, documentos a confirmar com a fórmula latina, a opinião do insigne filologista. A versão portuguesa Leboreiro é corrente nos documentos dos primeiros séculos da nossa nacionalidade e vem ainda no foral de D. Manuel I concedido em 1513.

Qual seria, nos tempos antigos, a extensão dos Montes de Laboreiro?

Se aqueles que pretendem derivar Laboreiro de Lapedo alegassem o facto da serra da Peneda derivar também o nome de um sinónimo de lapis e ser a herdeira do espaço, ao menos em grande parte, ocupados pelos antigos Montes de Laboreiro, teriam uma carrada de razão.

Pela transcrição atrás feita vimos que Celanova, na Galiza, ficava «debaixo do Monte de Laboreiro». Parada do Monte, também ficava «sob o Monte Laboreiro», e até me está a parecer que o designativo «do Monte» seria para distinguir Parada do Monte da Laboreiro de outras várias terras que têm o nome de Parada.

Há um documento que anda mal interpretado e testemunha que os Montes Laboreiro ainda iam mais além. É a carta de foro concedida em 1271 por D. Afonso III ao lugar de Padrão que fica na margem esquerda do rio Vez, na freguesia de Sistelo, concelho de Arcos de Valdevez. Franklin no seu Índice de Forais indica-o sob os nomes Monte de Leboreiro e Padrão em Monte de Leboreiro, na relação III. Alexandre Herculano examinou este documento e só fala no aforamento do Monte de Leboreiro. O título do documento é «Karta de foro de Monte de Leboreiro que vocatur padron». No texto o rei faz doação daquele seu «monte ermo que fica no lugar chamado Padrão que é no monte que se diz Laboreiro». A povoação de Padrão, na freguesia de Sistelo, foi por mim identificada à face da carta de aforamento de D. Afonso III. Em sua volta existem ainda todos os nomes de referência na delimitação, um dos quais é o rio Vez. Do exposto ficamos a saber que os Montes de Laboreiro chegavam desde Celanova, que fica na Galiza a alguns quilómetros da fronteira, até Padrão de Sistelo pelo menos.

   Nas Inquirições de 1258 à freguesia de Grade ficou registado que os moradores desta freguesia tinham a obrigação de «correr monte com o rei ou rico-homem em Laboreiro ou na Fornia a sua vez por mês», donde nos é lícito concluir que a denominação de Laboreiro se estendia à maior parte da serra da Peneda.

O castelo de Laboreiro terá sido levantado para dominar estes montes. Os antigos monteiros de Soajo tiveram questões com o seu alcaide por causa, de certos tributos que lhe deviam satisfazer, donde se vê que também os montes do Soajo eram dependências de Laboreiro.

Os moradores de Riba de Mouro, ao tempo simplesmente S. Pedro de Mouro, nas Inquirições de 1258 «disseram que quando houver guerra hão de guardar as travessas do Monte de Laboreiro». Estas travessas, ou melhor, travessias, deveriam ser na região de Val-de-Poldros, limites da mesma freguesia, onde Paio Rodrigues de Araújo, alcaide-mor de Castro Laboreiro e de Lindoso, demarcou um couto, o que fez, naturalmente, por todos aqueles montes estarem na sua dependência.

Nesses recuados tempos os Montes de Laboreiro abrangiam a maior parte da serra da Peneda, e hoje a extensa freguesia de Castro Laboreiro é considerada como faldas da serra da Peneda. Como a denominação passou de Laboreiro para Peneda é que não sei explicar.

 

Obra Histórica

Padre Manuel António Bernardo Pintor

Edição do Rotary Club de Monção

2005

pp. 339-342

 

 

 

FRAGMENTOS DE VIDAS RAIANAS 10

melgaçodomonteàribeira, 20.06.20

 

O posicionamento canalizador acaparado pelo bar e a loja fazia do Manolo o promotor prepotente. Adjudicara-se as praxes, as manias e as comédias das criaturas com as quais convivia e que admirava ternamente. Augurava o que lhes agradava e forcejava-se por responder aos seus ardores antes de os exprimirem. Uma palavra, um gesto ou um olhar bastava para o guiar. Tinha, também, desenvolvido uma clarividência inabitual para detectar o marasmo e as falhas dos habitantes, avivando-os e manuseando-os, depois, com um talento brilhante.

Nesse dia, como nos outros, o Manolo descerrou as portas dos seus comércios depois de ingerir as imutáveis sopas de café com leite. Eram sete e meia passadas.

Andava meditativo, ansioso, pois estava prevista a chegada de mais uma camioneta com cinco toneladas de bananas. Ir-se-iam reunir a outras cinco ainda entravadas na garagem. Portanto, uma incógnita infrangível, para a qual os seus acólitos ainda não tinham solução, perdurava, mas uma vez o processo engrenado, era-lhes inimaginável bloqueá-lo.

Este contrabando de bananas – bastante recente – era extremamente lucrativo e revigorava gradualmente a sua conta bancária e a dos seus comparsas.

Por volta das dez, saiu da loja. Paulatinamente, aproximou-se da estrada e verificou o lado da ponte e o oposto, como o oficial que controla a vanguarda. Com um prazer desmarcado, inalou o ar moderadamente frio e humectante da manhã, no qual discerniu  uma fracção do fumo que algumas chaminés da aldeia evacuavam.

Apesar de a primavera estar perto, a fresquidão teimava em implantar- se de noite. Enquanto os primeiros raios de sol não dissipassem o nevoeiro resultante da insondável massa de água estagnada pela barragem, as manhãs demoravam friascas.

Do outro lado da estrada, vivia a Otília, uma sexagenária avançada, viúva acolhedora, mimoseada por todos e muito picaresca.

Havia muitos anos que o pai, o Laranjeira, um português dos Casais – freguesia de Paços –, casara com uma espanhola e lhe fizera duas filhas e um filho. No rés-do-chão da obsoleta casa, fundara a única padaria existente num raio de dois quilómetros. No forno rudimentar a lenha, começara a cozer, com amor e devoção, um pão saboroso, extraordinário.

Os anos consumiram-se e o homem sucumbiu. Com o tempo, a padaria amodernou-se, mas a receita seguiu sendo a mesma, e o forno, a lenha, perpetuava a cozedura dum apetitoso pão cuja excelência pouco ou nada invejava ao das fornadas iniciais. Os de Cevide e dos Casais, lugar próximo do primeiro, comiam bolas e cacetes galegos. Quando vinham às compras à Frieira, alguns portugueses nunca se esqueciam desse afamado pão pastoril e estranhamente requintado.

Nos dias de hoje, a padaria era gerida por uma filha da irmã – também viúva –  e pelo marido, o Fernando. Diariamente, com a ajuda de um rapaz, tirava mais de trezentos cacetes e cinquenta bolas em cinco fornadas, durante os dias úteis. Ao sábado, labutavam até ao fim da tarde, pois era pão para dois dias. A esposa, numa carrinha 4L, encarregava-se da distribuição pelas aldeias e lugares circundantes.

A Otília vivia com a mãe, acamada havia uns anos. As consequências mentais – subestimadas – das fases delicadas e embaraçosas atravessadas, fizeram dela uma mulher desataviada, crédula e pueril; era o mais seguro e rápido condutor de atoardas.

Tinha os dois filhos arrumados e, questão dinheiro, sentia-se à vontade. Com cerca de sessenta e sete anos de idade, recebia o aluguer da sua parte do forno e duas pensões correctas para o meio: uma por ela e outra pela mãe. Marcada pela abstrusidade, a felonia e a lazeira, era de uma sobriedade estarrecedora. Para ela, o dinheiro contribuía para granjear o estrito necessário e não para saciar prazeres que ela julgava fúteis. 

O Manolo, supostamente apático, avistou o Fernando. Deteve-se a examiná-lo com o zelo do contrabandista. À porta do telheiro – um magistral cangalho –, distante três ou quatro metros da padaria, o jovem escaqueirava ripas de pinheiro meio secas com um machado. De uma ruma, ia recolhendo as compridas e afiladas fasquias que cortava em vários pedaços, mais ou menos símiles, por cima de um mortificado cepo. Amanhava estritamente a porção que aqueceria o forno a madrugada seguinte. Volta e meia, um dos fragmentos decepados era projectado pela lámina amolada do machado e embatia contra o muro da padaria, a casa da Otília.

Havia pouco que esta, com uma ponta de sarcasmo, já fizera notar ao padeiro que podia evitar aquela tarefa quotidianamente. Sacrificando três ou quatro horas uma tarde qualquer, teria lenha mais do que suficiente para toda a semana. O sobrinho, cuja juvenilidade animava a precindir dos seus conselhos, retorquiu que era ele e a mulher que determinavam cientemente a gestão da padaria. Como é óbvio, foi uma resposta que a melindrou e pôs a ruminar.

Habituada a decretar, prezava muito pouco o feitio resmungão e sedicioso do marido da sobrinha. Ingenuamente, espalhara pela povoação a ideia contrafeita de que o jovem não tinha por ela qualquer acatamento. Mas o Fernando era impermeável a estas atitudes disparatadas. A pobre mulher tinha sérios inconvenientes em fazer a distinção entre mando e deferência.

— Trabalha, carambas, não faças de conta, que a Lucita – a mulher do Fernado – não te paga para passares o tempo, seu malandro! – gritou o Manolo ao panificador, deixando estalar uma das suas gargalhadas simbólicas.

O padeiro olhou para ele de soslaio e esboçou um sorriso brincalhão.

— Vê-se bem quem trabalha, gandulo.

E prosseguiu a corveia, desinteressado.

O Manolo deu meia-volta e dirigiu-se novamente para a loja. O seu rosto exuberava de gáudio. Tinha-o na mão. Descobrira matéria maliciosa para o endiabrar e passar uns momentos festivos

Seis dias por semana – isentando o domingo –, entre as dez e as onze, depois de inseridos no forno os cacetes e as bolas finais, limpado a amassadeira e aprontado a lenha, o Fernando e o efebo ajudante iam desjejuar ao bar do Manolo.

Escolhiam dois cacetes da derradeira fornada, ainda tépidos; bem crocante para um, não muito cozido para o outro. Em seguida, a Rosa, segundo a apetência do dia, preparava-lhes com esmero, dois tonificantes bocadillos – sandes – de presunto, sardinhas de conserva, queijo, atum, ou chouriço Revilla. Cupidamente, os dois jovens aspergiam o casse-croûte com cerveja San Miguel fresquinha – três para o Fernando. «A cerveja, alegava quando lhe faziam qualquer reflexão, favorece a expulsão das partículas de farinha absorvidas.»   

 

Continua.

 

 

ARTE ROMÂNICA EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 16.06.20

 

A ARTE ROMÂNICA NA ANTIGA DIOCESE DE TUI

Margarita Vásquez Corbal

Na arte românica da antiga diocese tudense, a arquitectura tem uma estreita relação de interdependência com a escultura. Embora seja considerada rural e mesmo pobre, devemos enfatizar a sua singularidade, especialmente quanto ao uso de decoração escultórica. As estruturas e motivos são o resultado de um importante processo de absorção das correntes artísticas europeias, feita através das catedrais de Tui, Compostela, Braga, Ourense e das igrejas cistercienses de finais do século XII, e da reutilização do passado como exemplo: a influência castreja que aparece no gosto pelas formas geométricas nas hexapétalas herdadas da decoração dos castros como o de Castro Laboreiro (Melgaço, Portugal) e Santa Tegra (A Guarda, Pontevedra), que se reflectem em exemplares românicos como o de Santa María de Castrelos (Vigo, Pontevedra). A herança pré-românica reflectida no uso do sogueado no capitel historeado de São Salvador de Paderne (Melgaço, Portugal) ou na decoração de uma arquivolta de S. Vicente de Barrantes (Tomiño, Pontevedra) que apresenta uns arquinhos similares aos da igreja de S. Pedro de Balsemão (Lamego, Portugal). Outro nexo comum destas relações artísticas Galaico-Minhotas está nas tradições e na cultura popular comum, como acontece com os motivos apotropaicos e de longa tradição popular, como o serpentiforme de San Fins de Friestas (Valença, Portugal) ou o canídeo ou leão de Santa Maria da Porta (Melgaço, Portugal), referindo a atitude de guarda e protecção que devem ter os que entram na igreja e no espaço sagrado, embora os animais da Capela da Nossa Senhora da Orada (Melgaço, Portugal) sejam parte do motivo da árvore da vida, que também aparecem na área galega da diocese no tímpano de S. Miguel de Pexegueiro (Tui, Pontevedra), que se relacionam com o grifo e o dragão em luta, representação da batalha entre o bem e o mal do tímpano norte de São Cristóvão de Rio Mau.

 

Retirado de:

www.ptdocz.com/doc/241321/a-arte-românica-na-antiga-diocese-de-tui

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porta lateral da igreja de santa maria da porta - igreja matriz

 

 

LENDAS DO ALTO MINHO - MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 13.06.20

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CAMINHANDO PELO MUNDO DO FANTÁSTICO

NO VALE DO MINHO

 

O BAPTIZADO NA BARRIGA

“A Ana, aqui nossa vizinha, teve três abortos. E depois, o médico disse para ela não engravidar outra vez, pois era muito fraca e poderia apanhar qualquer coisa…, ou até a criança nascer defeituosa.

Um dia, numa esfolhada, eu disse-lhe: Ó Ana, e se tu fosses baptizar a criança, ainda na barriga, debaixo da ponte de S. Lourenço? É uma ponte aqui próxima, neste regato. Disse ela: Você vai comigo? – Vou! – Então eu vou pensar nisso...

Engravidou outra vez! Andava ela grávida de três meses, e uma noite viemos para cima da ponte (eu, ela e o marido). Esperamos em cima da ponte enquanto o marido foi debaixo da ponte buscar água. Depois, ficamos os três em cima da ponte à espera da primeira pessoa que ali passasse depois da meia-noite. Mas não podia passar nem cão nem gato, senão aquela noite já não servia, e tínhamos que vir noutra.

Veio o primeiro carro e eu fiz-lhe «auto». Mas ele não parou. Veio o segundo e eu voltei a fazer «auto» e ele parou. Mas a pessoa negou-se… e eu até o conhecia… Eu disse-lhe: É para baptizar uma criança… assim, assim…, mas ele negou-se. Veio o terceiro. Parou e aceitou. E disse: Ai que bom que me aconteceu! Já ouvira falar dessa história, mas nunca esperei que me acontecesse tal coisa. Era do Registo Civil.

Estava o pai com a água. O que é que eu tenho de fazer?, perguntou o homem. Eu disse-lhe: Você pega na água e diz: “Eu te baptizo, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Não diga Amém, senão fecha o Baptismo à criança! Ele conhecia a rapariga e disse-lhe: Levanta bem a blusa, que eu quero regar-te bem! E passado o tempo nasceu uma rapariga linda! Hoje tem três anos.”

 

Informante: (Irmã da gravada…), 52 anos, Melgaço.

 

Álvaro Campelo

Revista Antropológicas nº 6, 2002

Projectos do Centro de Estudos de Antropologia Aplicada - CEAA

 

 

 

O CAN DE CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 09.06.20

(…)

A vista de páxaro do meu lugar de orixe – A Limia, en Ourense – vese o Larouco. Tamén se ven desde esse meu lugar os cúmios de Fonte-Fría e, situándose no medio da Antela, tan ruínmente expropriada, abesúllanse os montes de Castro Laboreiro. O topónimo leboreiro, anterior a laboreiro, repítese nas terras de Ourense passado o Rodicio, quere decir que había lugares inzadas de lebres?

Os que opinan que o can de Castro Laboreiro é un can hiperpuro, sen aportacións espúreas, manteñen que o lugar de Castro Laboreiro estivo illado durante séculos. Mais consta que o Castro Laboreiro estivo moi comunicado noutros tempos, aínda que a permeabilización debeu ser moi lenta. Pomos por caso que os de Celanova ían andando á Virxe de Peneda. Todos estes lugares caen dentro do Parque Nacional Peneda Xurés, primeiro parque nacional Portugués, que inclúe xentes e aldeamentos, cousa que no momento da criación (alá por mil novecentos setenta e un), éralles concepción vanguardista da naturaleza. Foi nesse recanto de protección administrativa máxima onde se formou unha raza única de can da que se conservaban moi poucos exemplares nos anos oitenta. Se pasaban de un cento, éralles milagre. A quen mais lle debemos a práctica salvación foi a Escola de Fusileiros que os utilizou de can policía ou de garda. E ó ineflable Padre Aníbal Rodrigues, oriundo do Mareco, cura da freguesia durante máis de cincuenta anos.

Os fuzileiros proporcionaron a mor parte de exemplares rexistados ós novos criadores que conformaron o núcleo fundador do C. C. C. L., Clube do Can de Castro Laboreiro. Pero agora os novos criadores dan o cú dende Lisboa á xente que mais vive os cans: os labregos de Castro. Algúns labregos aplicando as súas teses tradicionais estragaron a raza na orixe ó deixaren que as cadelas inzaran libremente co macho máis poderoso. Cecais lles era útil antes dos 90, mais desde a consolidación e apertura de novas estradas e o retorno dos emigrantes o can máis poderoso vén sendo calquera bastardo señorito. Onde antes só había unha raza, agromaron agora un feixe de modas.

 

Retirado de: ANAMAN-Cinofilia

Ler mais em:

www.anaman.org/cinofilia.html

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FRAGMENTOS DE VIDAS RAIANAS 9

melgaçodomonteàribeira, 06.06.20

 

Com pouco mais de dezoito anos, a desditosa rapariga, oriunda de um lugar da freguesia de Roussas, furtara-se à bestialidade do pai alcoólico, à miséria da casa e ao défice de vicissitudes ao labor desumano do campo.        

O abandono da terra, do país, o medo do incerto, que desmoronava qualquer um, fez com que fosse pouco além da fronteira. Ficou na Notária, onde conseguiu o primeiro emprego num café. Aguentou um par de meses, apesar do ambiente autoritário e famélico que o casal proprietário lhe impunha. Por ser um trabalho menos cáustico que o do campo, conciliara-se com a perversidade.

Um jovem que acusava uma dilecção indecorosa por ela direccionou-a para o estabelecimento do Manolo.

Criada, cozinheira e empregada de bar podia dizer-se que fazia de tudo, inclusive o que o patrão de mais profundo lhe pedisse, segundo as más-línguas.

Os taxistas da zona, quando livres, eram os primeiros clientes do bar. Todas as manhãs, uma hora antes da entrada na estação dos dois ferrobuses – automotoras – procedentes de Vigo e de Monforte de Lemos, que, normalmente, ali se cruzavam – a linha era de via única – já estavam acotovelados ao balcão, tomando o café e a copa matinais. Conversavam e parafraseavam desordenadamente as últimas informações ouvidas no auto-rádio.

Muitos trabalhadores rurais e da construção civil, de um e outro lado do rio, sustavam-se ali uns minutos para matar o bicho. Os mais descuidados tinham a possibilidade de se procurar algumas ninharias de primeira necessidade, tanto para o campo como para as obras.

Havia também aquelas pessoas, entre as quais portugueses, que, por volta das nove, se acercavam da estação de caminho-de-ferro. Algumas, as que iam comerciar, apenas bebiam um café, mas outras, que iam de visita, lembravam-se do presente que tinham em vista ou obliterado à última hora.

O movimento matutino fazia parte dos momentos favoritos do Manolo. O ar da alvorada, frio ou morno, fortalecia-o. Porém, tinha um apego particular pelas manhãs dos dias 10 e 25 de cada mês, dias da feira de Ribadavia, a mais popular da região. A avidez dos campónios à ida – para os quais a feira era como um dia de festa – e a satisfação da volta, carregados de utensílios, mantimentos e produtos eclécticos para o campo, regalava-o. 

Conhecia grande parte das pessoas que por ali transitavam e com as quais adorava ter um diálogo caloroso, apesar de sucinto. Eram ocasiões propícias, preponderantes. Para ele, que desabrochara numa casa mesquinha das proximidades e tivera de sujeitar-se mais do que alguma vez pensara tão longe dela, estas ocasiões eram-lhe angelicais.

A privação daquela aldeia e dos seus odores peculiares, daquele rio imponente e do regato insignificante; a falta daquele sol abrasador, mas inerente; a falta daquelas glebas verdes em escaleira; a falta do cheiro da terra tórrida quando era refrescada pela chuva; a falta daquela gente simplória vestida de preto, que desafiava as agruras do meio com um sorriso clemente; a indigência daqueles montes e da sua vegetação ubiquista, fizeram-no tergiversar, desalentar, chorar, padecer...

Ainda o moço trabalhava como aprendiz de carpinteiro numa oficina da Notária, trazendo ao fim do mês uns escassos duros para a casa, quando o pai pereceu. A partir daí, esses irrelevantes vinténs eram imprescindíveis. Pouco a pouco, tentou preencher o lugar insubstituível que ficara desguarnecido. A mãe, a Lucinda, via-se obrigada a lutar em duas frentes: os afazeres das magras terras e o desvelo ao irmão primogénito do rapaz, o Chíchio, que sofria de desequilíbrio psíquico.

Foi na Notária que conheceu e namorou com a que seria mais tarde a sua esposa. Mas o seu destino e o da rapariga, como o de um elevado número de outros jovens, fora previamente decretado pela letargia, pela míngua e pelo ostracismo a que a política totalitária do Caudillo submetera o país.

Casaram e renunciaram ao berço, à terra por onde tinham repartido os seus marcos e emigraram para França em busca de perspectivas mais entusiasmantes.

A destreza que o Manolo tinha para a carpintaria facilitou-lhe uma presta progressão no ramo. Ao cabo de um ano, tinha um salário equivalente a vários meses de actividade na sua terra. A Maribel, sem qualquer contrariedade, logrou um lugar de preparadora de sandes e de saladas numa célebre cervejaria da praça da Ópera. Empregada cuidadosa, ali se manteve até resolverem retornar. Deram vida a um filho e passaram perto de quatorze anos contritos num país cujos fundamentos lhes eram absolutamente impenetráveis.

Com enorme penibilidade, assimilaram o vocabulário elementar que o trabalho e a vida de todos os dias lhes reclamava. O clima e o modo de vida adverso foram outras barreiras às quais tiveram de obtemperar, visto não poderem rectificá-los.

A mãe e o Manolo tinham uma vocação ingénita para o humor e o chiste. À mãe, estes traços linimentavam parcialmente os fortes desassossegos quotidianos da escarpada vida; ao filho e à esposa, travestia-lhes e esquivava-lhes, na medida do possível, a tristeza e a angústia com que a ausência forçada da terra os gangrenava.

Durante quatorze anos pungentes, poucas vezes vieram à terra, mas, quando se dava o caso, ficavam mais de um mês. Em dois dias restauravam o alento moral e anímico. Contudo, à medida que os anos se sucediam, a amargura do retorno à capital francesa crescia. Por esta razão, quando pressupuseram que o contexto era oportuno para uma vinda definitiva, não balbucionaram. Tinham medo de se deixar inflectir por considerandos e, mais tarde, arrependerem-se. As economias e uma modesta reparação (10 000F per capita) com que o governo gaulês – depois do choque petrolífero de 1973 – encorajava os trabalhadores estrangeiros a partir, ajudaram-nos a converter-se nos donos daquela tienda. Esta formalidade vedare-lhes, para sempre, a probabilidade de trabalhar de novo em França.

Havia cerca de dois anos que, despreocupados e felizes, ali se tinham instalado. Portanto, ainda hoje faziam tudo para compensar o desprovimento e desafogar a intensa gula soterrada que o desterro ateara neles.

O Manolo idealizava e confeccionava quadros benígnos para se divertir mofando. De uma coisa banal, e aparentemente inconsistente, extraía assunto ou móbil capaz de espairecer toda a gente durante dias. Despistava, com um tacto maravilhoso, as disparidades, os tiques, as fraquezas, as manias... tudo o que o inspirasse e fosse passível. As suas travessuras compraziam a todos e era a maneira mais cordial de lutar contra a perdurável acinesia mental dos conterrâneos. Nos lugares escabrosos e ingratos como aquele, as casualidades de entretenimento eram fictícias, para não dizer nulas.

 

Continua.

 

 

 

AINDA O JULGAMENTO DO LILI

melgaçodomonteàribeira, 02.06.20

14 b - Câmara - trinual à esquerda r-c.jpg

tribunal no r/c esquerdo. no topo o antigo escudo de melgaço

UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA

XIV

A venda da penicilina sem autorização já não era mais crime contra a economia nacional, mas continuava controlada. Outros medicamentos mais evoluídos já tinham aparecido.

A Estreptomicina era agora o antibiótico mais usado para combater a tuberculose pulmonar. Mas o processo criminal contra o Lili perdurava, pois tratou-se de denúncia sobre contrabando. Nova sessão foi marcada para inquirição de testemunhas.

Oito horas da noite ia iniciar-se a sessão. As janelas que davam para a Feira Nova foram abertas de par em par, mesmo assim o calor era sufocante. Havia excesso de gente no plenário, tinham colocado bancos suplementares mas não chegaram, tinha gente em pé. O fim do verão tornava insuportável o ambiente no salão de audiências. O burburinho cessou quando o Juiz tomou o seu lugar. O Lili, metido na sua roupa nova como se fosse para uma festa, estava em pé, com um sorriso apalermado, intimamente vaidoso por ser o alvo das atenções. Era vaidoso a esse ponto.

Foi chamado para depor o José Félix. Nada sabia sobre a penicilina, disse, mas podia dar informações sobre procedimentos do indiciado. Contou que em determinado dia o Lili entrou no café Melgacense, sua propriedade, e dirigindo-se ao balcão vitrina pediu que lhe mostrassem alguns tipos de queijo. Das três qualidades que lhe exibiram fez questão de provar, um deles ainda por encetar. O funcionário, julgando que fosse comprar grande quantidade deu-lhe as provas. Com aquele seu jeito afectado, meticuloso, saboreou com calma as provas e após reflectir decidiu: “deste aqui, pese-me cem gramas”. Houve riso geral no plenário. A rapaziada que estava assistindo ficou perplexa. Entreolhavam-se e faziam gestos de espanto, por não entenderem o que se estava passando ali. O que estava sendo dito nada tinha a ver com o assunto do julgamento, que de resto era de domínio público aquela maneira de ser do Lili, que passara a incorporar-se no folclore da terra.

Outra testemunha informou, no depoimento, que na sua farmácia, o Lili adicionava goma-arábica em algumas fórmulas que manipulava. Novo assomo de perplexidade tomou conta da assistência, era sabido que tal adição de goma fazia parte de determinadas fórmulas.

Começou a tornar-se nítido na cabeça das pessoas que a única finalidade daquele julgamento era desmoralizar o Lili. Procurar saber se alguém vendia penicilina no contrabando, não interessava. Convinha preservar os figurões.

 

Publicado em A Voz de Melgaço

 

                                                               Manuel Igrejas