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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

PORRA

melgaçodomonteàribeira, 31.03.20

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UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA

XVII

Finalmente o caso do Lili do Teodorico ia definir-se. Tinha-se esgotado a inquirição das testemunhas, nenhuma a favor do rapaz. O médico, Dr. Esteves, também fora dado a entender que o Lili seria um inconsequente. O doutor Durães, o farmacêutico, estoriou a conduta quase ingénua do rapaz quando seu funcionário. Ninguém se empenhou em incriminar o Teodorico, mesmo porque não tinha cometido crime algum, apenas ingenuamente denunciara que outros haviam infringido as normas da economia nacional. Baseado nos testemunhos, o Juiz declarou inocente o Lili, com uma restrição: devido ao que foi dito sobre sua capacidade mental, ficava proibido de administrar a sua farmácia.

O Marmita apresentou queixa no tribunal ao Delegado contra o Farpas, que lhe tinha deflorado a filha de 14 anos.

Constou que numa tarde pegou a rapariga sozinha no cortelho onde guardava utensílios da lavoura e fez-lhe mal. Ele já era casado e tinha dois

filhos. Tinha uma vida bastante turbulenta. De família de agricultores vivia mais do contrabando e de furtos.

Metido a valentão era considerado à boca pequena um bandoleiro. Contavam mil diabruras a respeito do Farpas, alcunha porque era conhecido. Um dia, contavam, os carabineiros a quem ele havia vigarizado numa negociata de contrabando, prenderam-no. No meio de dois desses guardas-civis espanhóis, seguro pelos braços ia sendo levado para o posto. Pararam ao chegar à linha férrea para deixar passar o comboio que se aproximava. Num inesperado puxão desenvencilhou-se e pulou para o outro lado da linha a poucos metros do comboio. Quando a composição acabou de passar os carabineiros não mais viram o prisioneiro que jogava no rio e já estava do outro lado, em Portugal. Motivo de comentários também tinha sido o namoro com a mulher com quem casara. A Maricota, rapariga que fora para Lisboa trabalhar como empregada de servir, deu-se bem com os patrões que arranjou. Diplomatas, foram servir num país no centro da Europa e levaram a empregada. Passados anos, um belo dia a Maricota apareceu na terra visitando a família. Causou admiração aquela figura de mulher, bem trajada, com requintes de fidalguia e modos elegantes. Foi como uma alucinação para os rapazes casadouros. Vários se insinuaram mas o que teve receptividade foi o João do Louro. Rapaz de boa família, comportado, também envolvido no contrabando de maneira “honesta”.  Uma reviravolta inesperada aconteceu! O Farpas interpôs-se, a Maricota desmanchou o compromisso e aceitou casar-se com o novo pretendente, de improviso. Coitada! Os maus tratos passaram a ser a rotina daquele casal e quando o caso da filha do Marmita aconteceu, ela, a Maricota, a bem posta e afidalgada, estava transformada num trapo e envelhecida. O João do Louro, para não se dar achado, passou a namorar a Perfeita, a filha do Zé da Carminda e em poucos meses casaram.

O Marmita na inocência da sua ignorância contava o acontecimento a sua filha e como para se justificar, dizia: “se fosse com a minha mulher não me arreliava tanto…”

Foi mais um caso de estupro que durante algum tempo distraiu aquela gente. O Delegado mandou que a rapariguinha fosse submetida a exame médico que comprovou a perda da virgindade.

O Farpas foi absolvido! Mesmo comprovada a perda da virgindade, como não houve testemunhas, a palavra da rapariga não foi suficiente.

 

                                                                        Manuel Félix Igrejas

 

Publicado em: A Voz de Melgaço

FICA EM CASA PORRA, FICA EM CASA

 

 

 

GUERRILHEIROS ANTIFRANQUISTAS EM CASTRO LABOREIRO

melgaçodomonteàribeira, 28.03.20

 

REFUGIADOS E GUERRILHEIROS ANTIFRANQUISTAS EM CASTRO LABOREIRO (1936 – 1943)

 

Américo Rodrigues

Castro Laboreiro, 25.05.2017

 

ASSALTO A PORTO QUINTELA AO COMÉRCIO DOS PARADA

 

No dia 4 ou 5 de setembro de 1940, Gabriel, Saturnino e José do Quarto estavam no Bago, na casa de Maria Negrita. Juntaram-se Manolo, Francisco de Lobeira e o Rizo que propuseram o atraco de Porto Quintela. Manolo argumentava, “que era uma vergonha que estivessem tão inativos os elementos roxos fugidos que existiam em Portugal, que, para mostrar o seu amor à República, era preciso cometer algum atraco em povos da província de Ourense próximos a Portugal.” (Róman, 2016:143).

No dia 10 de setembro de 1940 à noite, reunidos em monte próximo de Várzea Travessa, estão Gabriel, Saturnino, Francisco, José do Quarto, Rizo e mais uns quantos. Guiados por José do Quarto, seguem em direção ao lugar da Fraga pelas Motas (antas ou dólmenes), continuam por cima do povo de Santa Cristina, baixando pelo monte da Coroa em direção a Porto Quintela. Tinham um cúmplice em Lobeira, Gumersindo, amigo de José do Quarto. Chegam à capela de San Isidro de madrugada. Fazem à volta de dezassete quilómetros. Permanecem ali ocultos até ao à tardinha desse dia 11, pelas 19:30. O assalto correu mal devido à resistência bélica dos irmãos proprietários. Morreram duas pessoas, no comércio, e dois assaltantes foram baleados de morte. Regressam com os dois feridos e as autoridades alertadas. Por segurança e escuro, possivelmente, fizeram quase o mesmo trajeto. De volta à fronteira, quase sempre a subir, o esforço é enorme. No monte, enterram os dois mortos, que tinham sido feridos, o Joven e Valentin (Róman, 2016:159).

Luisinho, que não participou no assalto, diz que os sepultaram à beira de uma corga, perto da fronteira. Refere que a vinda das chuvas e crescidas, a água destapou os pés dos cadáveres. Os que estavam no lugar do Bago, na casa de Maria Negrita, entregam roupas com sangue para lavar, justificando com a matança de uns frangos na casa de familiares de José do Quarto, em Lobeira. Obviamente, ajudaram a carregar os feridos.

A notícia espalha-se depressa. De 14 a 20 de setembro a documentação é basta, o comandante de Castro Laboreiro, contacta co o comandante do batalhão nº 3 de Valença. Há contactos com Melgaço e PVDE do Peso, com o objectivo de prender os refugiados no Ribeiro e do alvoroço das populações castrejas, em virtude do assalto à mão armada. Há tropas espanholas na raia. Apesar da perseguição, os guerrilheiros não têm receio. No mês de novembro de 1940, assalto em Padrenda, Lobios, ao comércio de Celso González.

No dia 5 de janeiro de 1941, são presos, no Bago de Baixo, na casa da Negrita, Saturnino Darriba, Gabriel Hernandéz e José do Quarto.

Algo curioso é o confiscado aos presos no relatório da PVDE. Relógio de Ouro roubado em Porto Quintela, várias pistolas, uma Astra do nove largo, carregadores de balas, granadas, bombas, documentos, fotos de família, selos, dinheiro, preservativos, etc.

Volto ao Rizo. Em julho de 1941 já está preso em Portugal. Na prisão de Ourense terá a companhia de um preso famoso, Bailarin, já referido, que atuava na zona transmontana. Aponta Valentin, Guilhermo, Gerardo, Coella, Serin e o Joven, como amigos de Manolo o Dente de Ouro. Identifica como assaltantes ao comércio de Rio Caldo, Guilhermo, Gerardo, Coella, Serin e a Arcádio. Nega a participação no assalto de Paderne de Alariz. Seria Arcádio o guerrilheiro do segundo grupo que saiu de Trás-dos-Montes em direção ao Minho depois de Joven e Valentin?

Nesses tempos, sem conseguir precisar ano e mês, os castrejos José Augusto Fernandes e Rosa Monteiro, andando na ladeira de M. Martins com o gado foram surpreendidos por muita chuva, e para se abrigar, foram para a Mina dos Refugiados e, “descobriram um cadáver de um galego”. Não podemos precisar, se foi dentro ou fora da mesma. Considerando que a corga fica à beira da mina, com algum espaço, o enterramento deve ter sido fora. Havia dois cadáveres? Não encontrei resposta.

A mina fica na zona do itinerário calcorreado pelo grupo e coincide com o dizer de Luisinho, quando refere a corga junto à raia. A zona é a primeira segura para quem traz feridos, numa estafa de quilómetros. Naquele espaço, da serra do Laboreiro, não existem fragas que possam servir de abrigo. A dita “Mina” foi escavada próximo da corga, aproveitando o declive da ladeira e a barroca macia. Outro testemunho, recolhido há quinze anos, referia que ao cadáver já faltava cabelo por causa da corrente da água, que o destapara, o que vai de encontro às palavras do Luisinho. Não consegui apurar o que aconteceu ao cadáver encontrado.

Considerando o terreno e os dados conhecidos, na nossa modesta opinião, a Mina dos Refugiados deve ser lugar a considerar no enterramento de Joven e/ou do amigo Valentin. É verdade que também tenho conhecimento de sepulturas em Poços de Telo e Toleiros (um cadáver foi levantado), de possibilidade mais remota, atendendo à localização. Apareçam mais dados.

No dia 9 de setembro de 1941, sentença pelo assalto de Porto Quintela. Condenação à morte de Gabriel, Saturnino, José do Quarto, Francisco e Gumersino. São executados em 22 de dezembro de 1942 (Róman, 2016:233).

A 24 de maio de 1943, novo assalto a Torneiros, Lobios, sete companheiros capitaneados por José Rodriguez Páramo, Pepe, o Dente de Ouro, que vai ser baleado de morte num braço. Aguenta vários quilómetros e morre no lugar de Pereira, já próximo da raia, onde ainda fala com vizinhos do lugar. Para trás ficou outro guerrilheiro desconhecido que foi identificado em assaltos de 1940. Os dois foram fotografados para a posteridade. Pepe foi autopsiado e sepultado em Entrimo.

Neste espaço temporal de dois-três anos, outros assaltos sucederam, como o do comércio de Rio Caldo. O grupo era bastante activo. É difícil dizer quantos homens tiveram o(s) grupo(s) e os seus nomes.

Para outras calendas vão ficar nomes como Emilio, o Capitan, também Mala Pinta ou Emilio Aguado, que continuava a monte em setembro de 1943 (Róman, 2016:274).

Pelo menos num assalto participam castrejos do Ribeiro. Estamos numa época difícil. Os primeiros assaltos doutrinados por Manolo Dente de Ouro eram ideológicos, visavam castigar simpatizantes da direita e provocar alguma agitação na fronteira. Como distinguir banditismo de luta ideológica?

 

*Docente de Informática. Administrador de Sistemas Informáticos.

  Áreas de formação (Universidade do Minho): Informática, Matemática e Educação.

  Co-Fundador do Núcleo de Estudos e Pesquisa Montes Laboreiro.

 

Boletim Cultural de Melgaço

Nº 10

2018

pp. 200 - 204

 

 No Alto de Acebo (limite de Galiza e Astúrias) dezasseis combatentes republicanos foram fuzilados pelas tropas falangistas e atirados para uma vala comum. Eis a história da descoberta do local:

"Eles dous (aínda que non só foron eles dous) foron obrigados a cabar unha zanxa para enterrar aos cadavres no ano de 1937. A idade que eles tiñan por aquel entón sería sobre os 14 anos e recordábano perfectamente, pois supoño que son cousas difíciles de esquecer, e máis ainda tendo 14 anos. O certo é que un deles sabía perfectamente os pasos que había que dar desde un carvallo ou desde calqueroutra árbore ou desde unhas rochas. Foi por eles que durante algún tempo que só eran testemuñas silenciosas do avance das máquinhas que unha vez falaron, de seguida encontraron os restos."

Xosé Garcia

E um dos corpos exumados era o do Comandante Moreno, anarquista, integrado no Batallón Galicia

E PARA HONRAR O COMANDANTE MORENO FICAMOS EM CASA

 

26/03/2020  13:25 por LUSA

CERCO SANITÁRIO MOSTRA A PARADA DO MONTE QUE NEM O "CANTINHO" ESTÁ SALVO.

O cerco sanitário em torno da aldeia de Parada do Monte despertou os 370 habitantes para uma "realidade" que não imaginavam ser possível, por viverem num "cantinho" do concelho de Melgaço que julgavam "guardado" da covid-19.

O "pesadelo" começou na segunda-feira, com a confirmação de um casal de idosos infetados com o vírus de covid-19 e transformou-se "numa coisa do outro mundo" com o terceiro caso e a consequente imposição do cerco sanitário decidido na quarta-feira pela Câmara de Melgaço, no distrito de Viana do Castelo, para conter a propagação da doença.

"Ninguém imaginava uma coisa destas. Isto é uma coisa do outro mundo. E no concelho de Melgaço, infelizmente somos nós os primeiros", desabafa Helena Barreiros.

Aos 48 anos, dona de uma mercearia da aldeia", "nunca" imaginou "estar a viver um pesadelo" que sempre pensou ser impensável em Parada do Monte.

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 branda de fitoiro - parada do monte

 

TERÇA-FEIRA, 31 DE MARÇO, MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA PUBLICA UM NOVO POST

 

VAMOS TODOS FICAR EM CASA

 

 

 

 

TEMPOS MODERNOS

melgaçodomonteàribeira, 24.03.20

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TEMPOS MODERNOS

 

Gigantes de papel, cópias balofas,

Olhai, gente bondosa, não toqueis!

 

As sombras dos heróis de falsa guerra,

Maltratam o saber dos cultos mestres,

Não toqueis!

Há perigo no tocar, tende cuidado!

Os gigantes de papel, estátuas balofas,

Trazem nódoa maculada… verborreia…

Figurinos do saber… e nada sabem…

Mui famintos do poder… e tudo podem.

 

DO SUBLIME AO GROTESCO

                  POESIAS

João Vilas

ANCORENSIS

2000

p.76

 

FRAGMENTOS DE VIDAS RAIANAS 4

melgaçodomonteàribeira, 21.03.20

 

Uma vez chegado ao fim da ponte, fez uma curta pausa e resfolegou com ansiedade. Meio aquietado, consultou o velho Longines de pulso. Havia uns minutos que as sete e meia tinham ficado para trás, mas o Manel guiava-se sempre pela velha. Deu uma olhadela medrosa à casa situada no limite da ponte, o café-loja do Manolo.

Depois da meia hora da carreira, embora descendente, e daquela eternidade de transe e de quebranto psíquico, estava lavado da hora revigorante saboreada na tienda do Perfecto. Umas tigelas eram incontornáveis para se restabelecer.

Tanto no café como na loja, a iluminação ainda não fora extinta. Tinha horários, mas encerrava quando lhe dava na gana. Atendendo à hora incerta e tardia a que habitualmente saía da ponte, a ideia de deparar com o café fechado angustiava-o, espavoria-o. O café do Manolo era o mais chegado à sua casa e o único da Frieira da província de Ourense.

Quando se aproximou, reparou que o carrinho de mão e o moinho eléctrico – modelos que o Manolo expunha todos os dias para promover a venda – ainda estavam colados à parede do edifício. «Hoje está atrasado», pensou. Sossegado, esboçou um sorriso furtivo. Tinha tempo de se refazer sucintamente a fim de voltar à casa com serenidade. Gostava de acabar o dia assim, com remanso.

Desceu o pequeno acidente entre a estrada e o espaço cimentado existente diante do do modesto prédio, e arrimou a enxada contra o banco de madeira azul, disposto do lado esquerdo da porta do café. Várias vezes consertado, aquele assento fazia parte dos raros objectos que tinham subsistido aos trespasses regulares do estabelecimento.

Com assiduidade, aos sábados de tarde, desde que aquela casa fora estruturada, as comadres da aldeia sucediam-se nele: mexericavam e perscrutavam os vizinhos portugueses que ali se deslocavam para fazer compras. Uns palmos acima do banco, uma grande vidraça deixava transparecer o interior do café.

Na sala, a uma das mesas – três, como na tienda do Perfecto, mas bastante maiores – com armadura férrea e tampo de fórmica avermelhada, estava sentada a Maribel, esposa do Manolo. Não havia mais ninguém.

Como era sua usança familiar, cumprimentou a patroa com um canoro «Muito boa tarde, minha senhora!» A mulher não respondeu nem desviou os grandes olhos pretos da astronómica televisão, instalada à direita da porta. Não estava ali. De cabeça erguida, devorava abstractamente o ecrã que expelia uma imagem alterada e estremecida.

Para captar a melhor imagem fazível – a Frieira ficava numa aba –, tiveram de posicionar o televisor no ângulo de duas paredes, colado ao forro, o que, inicialmente, suscitou uns consequentes problemas de adaptação às cervicais dos mirones mais fervorosos.

A Maribel estava imersa na segunda telenovela do dia, o refúgio idílico das donas-de-casa ociosas, insatisfeitas. Nas mãos, um saquinho de pipas – sementes de girassol – que ia decorticando e mastigando como um autómato, atirando descaradamente com as cascas para o chão.

Mesmo num meio conformista como aquele, as telenovelas subornavam e colonizavam os espíritos femininos mais pueris e romanescos. Algumas mulheres, as mais sortudas financeiramente, tinham um televisor, apesar de a imagem não ser fenomenal. Durante as longas horas de claustro caseiro em que tinham que fazer avalanchas de tarefas enfadonhas, valiam-ses destes folhetins sentimentais – nos quais umas se urdiam bucolicamente e outras, em parte, até se identificavam – como um subterfúgio analéptico.

Indolente, o Manel dirigiu-se para o balcão, pouco mais curto do que o comprimento do bar.

— Mais um dia, não, Manel? – saudou-o alegremente o dono do café.

Surgira de trás da cortina que fazia ofício de porta entre o café e uma pequena cozinha, a partir da qual – e do mesmo jeito – podia alcançar a loja, de onde viera. A irrupção de uma pessoa, como qualquer outro facto circundante, não escapava aos seus sentidos atentivos, estivesse num ou noutro lado. 

O Manel, cordial, sorriu-lhe, descalçando os dentes denegridos. Lerdamente, apoiou o cotovelo esquerdo por cima do balcão, afectando interessar-se pelo que o titânico televisor difundia.

A animosidade que enfrentava ao passar sobre o rio amputava-lhe qualquer desejo de cavaquear durante uns quantos minutos. Era-lhe primordial revivificar-se. O Manolo não estranhava e havia muito que deixara de puxar conversa. Conhecia-o bem e cedia a seu bel-prazer ao particularismo do Manel.

Não teve de pedir. Como de costume, encheu-lhe a tigela de tinto e sumiu-se por de trás da cortina.

Molhou o bico, e as papilas, como por magia, horripilaram-se intuitivamente. Ainda que não houvesse mais clientes no bar, como pessoa atenciosa que se orgulhava de ser, fez, com recato, um ignóbil trejeito. O vinho que o Manolo vendia havia umas semanas deixava um intenso sabor avinagrado no gasganete. «É criminal», lamuriou-se sub-repticiamente pela centésima vez. Portanto, tinha muitos adeptos, e ele sabia por quê: era uma pinga capitosa como poucas vezes bebera, da qual meia dúzia de tigelas punham qualquer homem cargado – ébrio – durante umas horas. Por isso, todos lhe perdoavam o agressivo paladar.

Não se podia comparar minimamente com o vinho da tienda do Perfecto que, indubitável ambrosia, quanto mais bebia, mais o corpo adjurava que lhe desse. Para ele, essa é que era a boa pinga. Por muito que ingerisse – e só Deus se inteirava dos seus excessos –, tinha a impressão de permanecer sóbrio.

Interpelado pelos vivos protestos de uma voz feminina, alteou o olhar para a televisão, mas foi incapaz de distinguir o que quer que fosse. Habitava-o uma antipatia paroxísmica por este chisme – objecto inútil.

Nunca se comovera com estas incrédulas absurdidades, nem se sentia concernido pelas figurações idiotas, ridículas, sofisticadas e irreais que ali faziam desfilar todos os dias. Era um mundo tão discordante, tão esparso e afastado do seu e do da gente com a qual convivia! O pouco que, de modo estocástico, fora vendo naquele ecrã apenas concorrera para o confortar nas suas predilecções.

«Aplicam-se a meter-nos os dedos nos olhos. E há quem caia nela. A história é sempre a mesma. Tolices!», sentenciava.

 

Continua.

 

A PARTIR DE HOJE PASSAMOS A 2 POST POR SEMANA, TERÇAS E SÁBADOS.

TEMOS QUE FICAR EM CASA

FORÇA MELGAÇO

FORÇA PORTUGAL

 

 

 

ARCHIVO HISTORICO DE PORTUGAL III

melgaçodomonteàribeira, 14.03.20

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azulejo de manuel igrejas

 

Durante a guerra da invasão napoleónica, não menos digna foi a attitude de Melgaço.

Esta foi a primeira praça de armas que saccudiu o jugo do odioso Attila moderno. Foi d’ali que partiu o primeiro grito da libertação, e de lá também se levantou a famosa plêiade de valentes, que pondo à sua frente o general Sepúlveda, tão nobremente contribuíram para o resultado da lucta.

Cabe a esta villa também a honra de ter sahido da família dos Castros de Melgaço o laureado ministro da nossa marinha, Martinho de Mello e Castro, nome altamente sympático e bemquisto da nação.

Nasceu o illustre varão a 11 de novembro de 1716.

Seguiu a carreira eclesiástica e em 1739 foi nomeado cónego da sé patriachal. Seguiu depois a carreira diplomática, e estava ministro em Londres, quando rebentou a guerra entre a nação dos piratas, a Hespanha e a França.

O patriótico ministro prestou então valorosos serviços ao paiz, já enviando armas e munições de guerra, já envidando todos os meios para dar lustre ao nome portuguez. Coube-lhe a elle assignar a paz em Paris, o que realisou, salvaguardando a honra e os interesses nacionais como um verdadeiro portuguez.

José I nomeou-o ministro e secretário de estado dos negócios da marinha, em 1777.

Martinho de Mello tomou o mais vivo interesse no desenvolvimento da marinha de guerra portugueza, e esteve sempre ao lado do grande marquez de Pombal, em todos os commettimentos de utilidade pátria. Comquanto não fosse affeiçoado ao severo ministro, que tanta influência teve no reinado de D. José, coadjuvou-o sempre que se tratava do engrandecimento e prosperidade nacional. Depois da queda de Sebastião José de Carvalho e Mello, continuou a dirigir a pasta da marinha com a mais evidente intelligência e sollicitude.

A este hábil ministro se deveu a magnífica esquadra que então houvemos. Ainda quando D. João VI fugiu covarde e criminozamente para o Brazil, deixando a pátria nas garras do inimigo bonapartista e do pirateiro aliado, se compunha a esquadra de guerra portugueza de doze fragatas, e doze naus de linha, afora muitas outras embarcações de menor importância.

Isto em 29 de novembro de 1807…

Hoje temos o Pimpão e meia dúzia de chavecos, incapazes de aguentarem os embates do oceano em revoltas de borrasca.

Ah! Mas é que já não existem homens como o marquez de Pombal e Martinho de Mello, à frente da administração pública!

O digno estadista conservou a pasta da marinha até à data do seu falecimento, em 24 de março de 1795. Possuía inalteravelmente a mais clara inteligência, e foi activo no desempenho da sua nobre missão até que a morte o prostou, velho nos annos, sempre novo na pujança do espírito, e no discernimento da acção.

Em Loanda conhecemos ainda um transporte de guerra com o nome do illustre ministro. Há annos desarmou esse vaso da nossa marinha, e ainda não houve quem se lembrasse de dar o nome de Martinho de Mello a outra qualquer embarcação de guerra.

Em troca há-os que teem nomes que nada significam, a não ser a máxima insignificância.

Tem Melgaço um templo digno de menção, edificado sobre uma elevação sobranceira ao rio Minho, o qual, como se sabe, separa esta villa do reino vizinho. O átrio d’este santuário é atravessado por uma estrada, que vindo da povoação parte para a Galliza.

Perde-se nos dédalos do tempo a história d’este templo, sabendo-se, porém, que já estava construído na época dos godos.

Em 1170 estava quasi totalmente arruinado, e D. Affonso Henriques mandou-o reconstruir, conforme consta de uma escriptura de doação feita por D. Sancho I, em Santarém, em setembro de 1207, e assignado pelo rei, todos os seus filhos e prelados do reino. Até 1834 conservou-se esta escriptura no Livro das Datas, depois foi inglesada com tudo mais quanto serviu de repasto à voracidade anonyma.

O templo, da invocação da Nossa Senhora da Orada, é construído de boa cantaria e foi até 1834 da jurisdicção dos monges do convento de Santa Maria de Fiães, por doação de D. Sancho, que o havia herdado de seu pae.

Desde a egreja à povoação é a estrada ladeada de formosas hortas, pomares, fontes abundantes de magníficas águas, vistosos campos e casas, o que dá o mais alegre e grato aspecto ao sítio.

Do dia da Ascenção até ao domingo do Espírito Santo era outr’ora muito concorrida a estrada pelos romeiros do concelho de Melgaço, Valladares e Monção, os quaes iam offerecer à Virgem da Orada o resíduo paschal, levando cada freguezia os seus parochos, e ao menos uma pessoa de cada família.

Tinham estas romagens por motivo um voto que os povos das mencionadas freguesias fizeram durante uma terrível epidemia de peste, que, tendo assolado e deixando desertas innumeras povoações, àquellas não havia causado o mínimo damno.

Hoje, comquanto ainda tenha devotos, não é a egreja procurada como d’antes. A civilização fazendo pouco a pouco luz no espírito humano tem-lhe ensinado que o verdadeiro templo é a consciência própria, que todos devem honrar e respeitar como um santuário que Deus nos collocou dentro do peito.

Finalmente: não é a villa de Melgaço rica de pergaminhos artísticos, de que tantas outras povoações se envaidecem, porém, a sua carreira histórica dá-lhe foros de illustre.

E o castelhano que com ella defrontar hade comprehender que ali naquelle pedaço de terreno frigidíssimo, rude, mal agradecido aos labores do proletário; que ali, sob aquelle céu ora de um azul espelhado e frio como uma lâmina de aço polido, ora nevoento e opaco como uma desgraça latente, há corações que abrigam o fogo sagrado dos mais nobilitantes sentimentos.

E poderá pensar que nas veias dos filhos de Melgaço corre um sangue tão puramente portuguez como aquelle que gravou na lusitana história, n’aquelle dia solemne de Aljubarrota, o verbo sagrado – Independência!

Quando uma povoação tem tão heroicos antecedentes, pode com altivez medir-se em glórias com a mais opulentada cidade.

 

FREGUEZIAS D’ESTE CONCELHO DIGNAS DE MENÇÃO

 

CASTRO LABOREIRO – Esta povoação foi conquistada aos mouros, em 1136, por D. Affonso Henriques, que mandou circumdar de muralhas o castello que já ali existia desde remotos tempos. D. Affonso III concedeu-lhe foral em Lisboa, a 15 de janeiro de 1372, e a elevou à cathegoria de villa com o nome de Laboreiro. Foi reedificada por D. Dinis, pelos annos de 1290, assim como o castello, que havia sido completamente arrazado no princípio do século XIV, em consequência de um raio lhe ter incendiado o paiol da pólvora.

Este venerando baluarte, hoje completamente arruinado, fica ao sul da villa, sobre um elevadíssimo pico que terá de altura uns 400 e tantos metros, e ergue-se sobre uma base de modesta circumferência, o que o torna espantosamente aprumado. Teve quartéis em recuadas eras e um poço de água nativa, o que se torna admirável n’aquella espantosa altura.

Gosou esta povoação o privilégio, concedido por vários monarcas e confirmado por D. João V, de não dar mancebos para o exército.

D. Manuel concedeu-lhe foral em Lisboa, a 20 de novembro de 1513, e n’elle é citada villa pelo nome de Castro Laboreiro.

Há anos, e não sabemos se ainda hoje, emigravam de Castro Laboreiro para o Douro, Tráz-os-Montes, Beira Alta e outras terras, desde que entrava o mez de setembro, bastantes indivíduos do sexo masculino de oito annos para cima até à idade mais provecta, não recolhendo senão na Paschoa.

Dava isto em resultado ficar a villa tão despovoada de homens que os defuntos eram conduzidos para a egreja por mulheres, havendo antes d’esse acto, em casa dos doridos um banquete para todas as pessoas que quizessem assistir a elle, o que grande número d’ellas aproveitava.

Adiante do féretro ia uma comitiva de mulheres, conduzindo à cabeça broas de milho, açafates com bacalhau e outros comestíveis, que na egreja entregavam ao paracho.

Ao enterramento assistiam com uma vela na mão, arrancando gemidos, e soluços e manifestando hypocritamente com os trejeitos ridículos que faziam, dor e mágoa profundas!

 

LAMAS DE MOURO – No anno 812, no sítio chamado Valle do Mouro, d’esta freguezia, teve logar uma grande batalha, dada pelo bravo Bernardo del Carpio, parente e vassalo de D. Affonso, o Casto, de Leão, contra Ali-Aton, rei de Córdova, que ficou derrotado e perdeu grande número de soldados. Ali-Aton havia tomado muitas terras aos luzitanos, que, em consequência d’este desastre, tornou a perder.

Dizem alguns chronistas que por esta povoação entrou, em 1129, D. Affonso VII de Castella, que foi derrotado na Veiga da Matança, junto aos Arcos de Val-de-Vez, por seu filho D. Affonso Henriques, primeiro rei de Portugal. Também por ali entrou para ir atacar Valença, em 1657, o general castelhano D. Vicente Gonzaga.

 

PADERNE – Na doação que D. Affonso Henriques, em 1141, fez do couto de Paderne a D. Elvira, prioreza do convento das cónegas de Santo Agostinho, fundado n’esta povoação em 1130, pela condessa D. Paterna, viúva de D. Hermenegildo, conde de Tuy, diz o monarca que lh’a fizera pelos bons serviços que as freiras lhe haviam prestado quando elle estava sitiando Castro Laboreiro, mandando-lhe mantimentos e alguns cavallos, sendo um d’elles magnífico e ricamente ajaezado, para el-rei montar.

Durante a guerra da restauração, o Prior de Paderne, D. Simão da Paixão, commetteu actos de bravura como guerreiro e como capitão-mor do seu couto.

 

ARCHIVO HISTORICO DE PORTUGAL

Narrativa da Fundação das Cidades e Villas do Reino, seus Brazões D’Armas, etc.

2ª Série

Numº 43

Anno de 1890

 

FRAGMENTOS DE VIDAS RAIANAS 3

melgaçodomonteàribeira, 07.03.20

 

 

Com a pesada enxada ao ombro, o passo abúlico e o olhar fixado em permanência na outra margem, como se estisesse a auto-hipnotizar-se, decidiu, mais uma vez, fazer face à dramática travessia da extensa ponte pelo centro, o modo menos aflitivo para ele. Como mais alguns, não se servia dos passeios laterais, protegidos por barreiras metálicas, como justamente recomendava o bom senso.

Uma quinzena de metros abaixo da ponte, a água do rio fronteira golpeava com fragor tudo o que se empenhava em dirimir o seu galope. Esporeado pela brutalidade da água que duas comportas liberavam constantemente, evadia-se da omnipotência da represa. Numa luta perpétua, assediava os escolhos abundantes e os calhaus que o flanqueavam. Estes infindáveis blocos pétreos dimanavam das explosões impostas pelas fundações do açude. Passado este bulício, as águas do rio perseguiam o seu caminho murmurando.

O vácuo assustador entre a ponte e o dilúvio de água, assim como a barulheira retumbante, provocavam-lhe vágados abomináveis. As tigelas de vinho deglutidas frequentemente depois do trabalho acentuavam-lhe rudemente o terrível sentimento de pânico.

Quando, por causas laborais, era obrigado a mudar de margem, só assentia por mérito do lavrador ou se não tivesse outra alternativa.

Este suplício era escamoteado com a mais peremptória cupidez por ele. Ninguém, rigorosamente ninguém, estava ao corrente da sua incapacitante fobia. Era um problema de amor-próprio, de ufania. Não queria, de modo nenhum, ser a risada dos outros. Fazia parte dos inconfessáveis segredos que o laceravam.

Embora não fosse com desopilante prazer, havia quatros dias que trabalhava para um casal de lavradores do Freixo. A primeira vez fora há meia dúzia de anos, quando as rugas os tolhera de assegurar a lida dos terrenos e das cepas. Os três herdeiros da parelha viviam na Suiça e esperavam regressar um dia. Entretanto...

O Freixo era um lugar próspero e gracioso da margem direita, arrimado por cima da Frieira, a meio do monte cuja falda o Manel descera. As habitações – decalque das dos países onde os mais jovens ganhavam a vida –, ressuscitadas ou construídas com os haveres vindos de fora, espelhavam o prestígio dos seus donos. As parreiras seguiam os contornos dos campos, hortados com subtileza, que gozavam de uma exposição solar privilegiada. Esta prerrogativa fazia com que as suas vides produzissem uma uva cujo néctar dava vida a uns vinhos – branco e tinto – inqualificáveis, mas de uma qualidade extra. Apadrinhavam maravilhosamente os peixes nobres do rio e o fumeiro local. Estes produtos, cuja reputação excedera os confins do concelho, faziam a vanidade dos seus habitantes.

O Manel só tinha boas razões para anuir ao trabalho dos idosos lavradores. Com amenidade, preparavam-lhe uma alimentação a seu gosto, sápida e em quantidade mais do que correcta. No entanto, como o conheciam e eram pessoas de incontestável sensatez, acautelavam-se delicadamente na bebida, a fim de prevenir repercussões que se fariam, talvez, reverberar na actividade ou, mesmo, quem sabe, nas relações pessoais.

Por sorte, depois de terminado o dia de labor, tinha, à mão, onde afogar a sua sofreguidão cíclica. No coração do lugar, o Perfecto, um viúvo de oitenta e dois anos, proprietário da única tienda – loja – da aldeia, ostentava uma pinga caseira de prodigiosa categoria no andar térreo da sua casa. Três mesas quadradas, cheias de laivos de vinho tinto e de queimadelas de pitillos – cigarros –, doze cadeiras e um balcão obsoleto – tudo de madeira avelhantada –, mobilavam o negócio. Havia muito que o Perfecto apenas vendia produtos vitais, de última hora, para a alimentação; o pouco que os habitantes do Freixo compravam faziam-no num verdadeiro comércio. Mas, para o Perfecto, a tienda e ele faziam um.

As paredes do seu comércio estavam, quase na totalidade, revestidas de amplos programas anunciadores da festa de San Roque e da  Romaria do Cruceiro Quebrado, as duas manifestações festivas que, anualmente,  faziam trepidar o lugar. O mais antigo, como muitos outros, descorado e amarelecido como uma bola de unto rançoso, datava de mil novecentos e trinta e três e publicitava a Romaria do Cruceiro Quebrado, celebrada o primeiro domingo de Julho. Nesse ano, calhara o dia dois.

Naquela sala grotesca, reuniam-se quotidianamente os mais ancianos do lugar. Num ou noutro programa, todos eles viam e reviviam instantes folgazões, lascivos e imortais da sua vida. Era um passado que os cingia, que os acaparava e ao qual se agarravam jovialmente; um passado catequizado todos os dias num presente artificioso, que lhes ciciava, mudamente, que o futuro se ia reduzindo à medida que o tempo escoado se estirava.

Por turnos e com buliço, jogavam às cartas, o passatempo popular ao qual se consagrava a pluralidade dos galegos. Para eles, o jogo era um rito que veneravam. Para o Perfecto, que os exortava e se presumia numa arena, era o meio de dar vida ao dia, de testilhar a derrelicção.   

Os jogadores, fitando-se, acatavam fielmente o mutismo durante a partida, mas, uma vez perfeita, a tradicional algazarra de críticas e de regozijo empeçava. O folclore associado tinha muita mais importância para eles do que o jogo.

Para os esporádicos espectadores, como o Manel, esgotados pelo estafante trabalho da lavoura, este cenário equivalia a um depurativo revulsório. Encostado ao sumário balcão, sem que ninguém lhe prestasse atenção, seguia, religiosamente, aquela brincadeira com franca satisfação. Achava-lhes muita piada. Dizia que eram castiços, dicção que propalava as suas raízes forâneas. Enquanto ia esvaziando tigelas e mordiscando azeitonas saídas dum molho generosamente apimentado, contorcia pouco a pouco o músculo risório. Radioso, externava inocentemente uns dentes cheios de sarro e num estado avançado de apodrecimento.

Era um homem superficial que fazia tudo para evitar de se complicar a humilde vida. «Como não sabemos o que vamos descobrir mais tarde, acho que o melhor é não nos apoquentarmos com isto», gostava de filosofar.

Um dito insulso punha-o a rir até se mijar. Acomodava-se perfeitamente com coisas simplistas, como ele, como tudo o que tinha conseguido discernir até ali; com o dia-a-dia que, frivolamente, se tinha modelado e com o qual se contentava plenamente. O Manel era, à sua maneira, um homem feliz, um homem para quem um dia chuvoso era sempre ensolarado.