UM LENÇOL NO CASTELO DE MELGAÇO
LUGAR DAS CHEDAS
O lugar das Chedas fica situado na freguesia de Cristóval, na encosta da serra da Aguieira, entre o monte baldio das terças e os cotos da Atabaia, limitado pelo antigo caminho que fazia ligação entre as Lamas da Aveleira e Fiães. Uma zona com bastante arvoredo, onde predomina o carvalho, o vido e a giesta, e existem ainda alguns anelhos de feno.
Desde criança sempre ouvi dizer que naquele local tinha morado gente.
Segundo me contou o sr. António Marques, conhecido pelo Tónio “Trinta”, ao lado da sua propriedade existem ainda as paredes de uma casa paupérrima.
Como conheço o local, no dia 9 de Julho de 2001, pus os pés ao caminho, fui ver umas propriedades pertenças da família nas Terças e na Ameixeira. Andei mais um pouco e desloquei-me ao local indicado pelo Tónio “Trinta”.
Com bastante dificuldade, devido à densa vegetação, mas lá consegui encontrar o local da dita casa, para tirar algumas fotografias que confirmam e testemunham a existência das paredes de uma casa bastante antiga.
As paredes da dita casa encontram-se do lado direito da carrelheira de acesso ao anelho de feno do Tónio “Trinta”, numa tapada que pertence à família do falecido José do Val, conhecido por Zé “Palhaço”.
Pelo que o avô do Tónio “Trinta” lhe contava, essa casa foi utilizada pelo salteador Tomaz das Quingostas, Capitão da quadrilha do Alto Minho.
Dado se tratar de um local isolado e afastado das populações, era o local ideal para o dito Capitão reunir com a sua quadrilha e planear os assaltos a fazer naquelas redondezas.
Contou-me ainda que um dia o Tomaz Codeço de seu verdadeiro nome foi à casa do avô do Tónio “Trinta” para lhe comprar uma junta de bois. O velho homem disse que não vendia, claro, sabia que não lhos ia pagar.
Mas de nada lhe valeu, o Tomaz disse: «Compre outros que estes são meus» e lá lhe levou os bois, contra a força não há resistência, ninguém se opunha ao poderoso Capitão da Quadrilha de Salteadores.
Passados uns dias, Tomaz Codeço foi a casa do dito senhor, levar-lhe o dinheiro dos bois.
O senhor olha para o dinheiro, viu-o cheio de zebro e disse: “este dinheiro é falso”. O Capitão disse-lhe: “Há seu burro, passe-o pelo cabelo da cabeça, limpe e verá que é verdadeiro”. O senhor fez o que o capitão lhe ordenou. Na verdade, o dinheiro era verdadeiro.
O capitão Tomaz diz ao senhor: “Não precisa dizer-me que é verdadeiro, esses pesos são de prata e ainda ontem à noite estavam na casa do padre de Monte Redondo”.
O dinheiro com que o Tomaz Quingostas tinha pago os bois era proveniente do último assalto praticado pela quadrilha do capitão.
Dado tratar-se de quem era, o avô do Tónio “Trinta” tinha pensado: “lá se vão os meus boizinhos, não vou receber dinheiro nenhum”. Mas não, o capitão cumpriu a palavra: “compre outros bois que estes são meus”. O pobre do homem só Deus sabe quanto sofreu, enquanto não recebeu o dinheiro.
Os ladrões por vezes também têm boas acções, e esta foi uma delas.
Como digo, em princípio, as pessoas antigas vão rareando e os mais novos pouco ou nada ligam, e estas coisas vão-se perdendo com o tempo.
Isto é verdade, passou-se comigo, há cerca de 40 anos ouvi várias histórias sobre o Tomaz das Quingostas e não passei cartuxo, como se costuma dizer. Hoje não penso assim, acho que devemos preservar e ouvir com atenção aquilo que os mais velhos nos dizem.
Estava a conversar com um senhor de Alvaredo, chamado Joaquim Basteiro e conhecido por Joaquim “Torno”, à porta da sua casa no Maninho em Alvaredo e passou uma rapariga e ele disse: “Aquela se fosse no tempo do Tomaz das Quingostas o pai tinha que levar-lha a casa, dele”. Não liguei ao que o sr. Joaquim “Torno” queria dizer com aquilo.
Quando há tempos conversei com o António “Trinta” sobre o Tomaz das Quingostas, depois de me ter contado as histórias que já contei, disse-me: “Olha Zé, além do que já te disse sobre esse homem, vou-te dizer uma coisa que não te havia de dizer. Se tinhas uma filha boa, se ta mandasse levar a casa, tinhas que levar-lha, ou senão eras linchado, também ouvi isto ao meu avô”.
Pensei um pouco, olhei para ele e disse-lhe: “Já não és o primeiro a dizer-me isto”. De repente, veio-me à minha mente aquilo que o Joaquim “Torno” me queria dizer há cerca de 40 anos atrás e eu não prestei a devida atenção.
Sobre este testemunho aos leitores não é difícil adivinhar qual a intenção do Tomaz das Quingostas. Sem comentários, não tenho palavras para comentar este acto deste salteador.
Não posso confirmar nem desmentir, pelo que ouvi e li, este homem monstruoso trazia o povo do Alto Minho aterrorizado.
No entanto, havia quem dizia que roubava aos ricos para dar aos pobres. Isto passou-se entre finais do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX. Será que nessa altura já era financiado algum grupo político ou terrorista?
Uma coisa é certa, segundo afirmam, quando saía a tropa para o prender, alguém subia ao castelo de Melgaço e dependurava um lençol, de maneira a ser visto das Quingostas. Era sinal para ele fugir que as forças da ordem o iam prender.
Certamente que havia algum agente infiltrado nas forças da ordem, que protegia o capitão da quadrilha de malfeitores do Alto Minho.
Acerca deste assunto, os leitores que o desejarem, podem encontrar na Casa da Cultura literatura escrita pelo Dr. Augusto Esteves, com mais pormenores, sobre o referido capitão de quadrilha do Alto Minho “Tomaz Codeço”.
Melgaço, Minha Terra – Minha Gente
Histórias de um Marinheiro
José Joaquim da Ribeira
Edição: Câmara Municipal de Melgaço
José Joaquim da Ribeira
2006
pp.73-75
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