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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGACENSES MEDALHADOS POR D. LUÍS I

melgaçodomonteàribeira, 25.01.20

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O INCÊNDIO DO 2º CARTÓRIO

Muitas vezes contava meu saudoso avô Florêncio Soares, ou Florêncio Soares Pinto, ou ainda Florêncio Soares da Costa Pinto que com todos estes apelidos anda ele em numerosos papéis oficiais apelidos que, aliás, embora por ter nascido, na Vila, em 1847, dos amores de Maria Angélica Soares (Pata) com Manuel Ventura da Costa Pinto, que viveu e morreu na casa fronteira ao Hospital, hoje pertencente ao sr. Ezequiel Augusto do Vale, por a ter comprado a António Luís Fernandes ou a seus herdeiros, mas dizia eu que muitas vezes contava meu saudoso avô que o incêndio do 2º Cartório, ocorrido ao cair da tarde de 10 de Fevereiro de 1874, foi uma coisa pavorosa.

Este prédio, que era construção recente e, então, um dos melhores da Vila, ficava situado, extra-muros, ali na Rua do Rio do Porto que ainda assim se não chamava contíguo ao de José Cândido Gomes de Abreu e em cujo primeiro piso estava instalado o 2º Cartório e parece que também o Registo Criminal, a cargo do escrivão Vieira: João augusto Novais Vieira. Pois foi aqui que, do meio da papelada, súbita e violentamente, o fogo irrompeu devorando num ápice livros, registos, processos, etc., etc., e entre estes últimos o processo de partilhas dos herdeiros da Quinta da Cordeira, que correra pelo Cartório do escrivão Fonseca: Gaspar Eduardo Lopes da Fonseca.

No rés-do-chão do prédio sinistrado, estava a «Loja dos Pinheiros», dos irmãos Luís Manuel, de Prado, e de Manuel Joaquim Pinheiro, de Paços, que, auxiliados por numerosos populares, ainda conseguiram salvar muitas mercadorias sendo certo que muitas outras se perderam. Ao lado, na loja de José Cândido, passava-se a mesma coisa: ia-se pondo tudo na rua…

Quem sabia contar isto na ponta da unha, era o filho daquele negociante Manuel Luís Pinheiro, o saudoso João Luís Pinheiro; mas quem o contava melhor e com mais riqueza de pormenor, era o referido meu avô o que de resto não era favor nenhum, porquanto foi um dos bravos destemidos que, com desprezo pela própria vida, temerariamente treparam para o telhado da casa de Gomes de Abreu e aqui, indiferentes às chamas que lhes lambiam os rostos e lhes crestavam as barbas, a golpes de serra e machado saparam e de tal modo se houveram que conseguiram que o fogo se não propagasse ao prédio que com tanto denodo defendiam; o que lhes valeu boa recompensa daquele generoso proprietário e, dias depois, serem agraciados por D. Luís I com medalha de prata. Além de meu avô, um destes bravos foi José Dias, de ao pé da Igreja, nascido em Arganil, em 1840, Já viúvo de Maria Florinda Teixeira, e talvez ainda não pensasse contrair segundas núpcias com Maria Joaquina de Sousa, filha do sacristão da igreja da Vila, Caetano Celestino de Sousa e de sua mulher Francisca Luísa Gonçalves, como de facto veio a contrair, em 27-7-1884.

Deste pavoroso incêndio, ficaram apenas as paredes de pé, calcinadas e bastante abaladas, procedendo-se em seguida a um inquérito para averiguar as causas do sinistro e concluindo-se que o mesmo foi casual.

Pois seria casual, seria… mas se é certo que estes incêndios de repartições uma que outra vez são obra do acaso, também não é menos certo que na maior parte das vezes são obra de… «ajuste de contas». A dúvida fica…

P. Júlio Vaz Apresenta Mário

P. Júlio Vaz

Edição do autor

1996

pp. 34, 35

 

UM LENÇOL NO CASTELO DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 18.01.20

24 b2 - castanheiro castro.JPG

 

LUGAR DAS CHEDAS

O lugar das Chedas fica situado na freguesia de Cristóval, na encosta da serra da Aguieira, entre o monte baldio das terças e os cotos da Atabaia, limitado pelo antigo caminho que fazia ligação entre as Lamas da Aveleira e Fiães. Uma zona com bastante arvoredo, onde predomina o carvalho, o vido e a giesta, e existem ainda alguns anelhos de feno.

Desde criança sempre ouvi dizer que naquele local tinha morado gente.

Segundo me contou o sr. António Marques, conhecido pelo Tónio “Trinta”, ao lado da sua propriedade existem ainda as paredes de uma casa paupérrima.

Como conheço o local, no dia 9 de Julho de 2001, pus os pés ao caminho, fui ver umas propriedades pertenças da família nas Terças e na Ameixeira. Andei mais um pouco e desloquei-me ao local indicado pelo Tónio “Trinta”.

Com bastante dificuldade, devido à densa vegetação, mas lá consegui encontrar o local da dita casa, para tirar algumas fotografias que confirmam e testemunham a existência das paredes de uma casa bastante antiga.

As paredes da dita casa encontram-se do lado direito da carrelheira de acesso ao anelho de feno do Tónio “Trinta”, numa tapada que pertence à família do falecido José do Val, conhecido por Zé “Palhaço”.

Pelo que o avô do Tónio “Trinta” lhe contava, essa casa foi utilizada pelo salteador Tomaz das Quingostas, Capitão da quadrilha do Alto Minho.

Dado se tratar de um local isolado e afastado das populações, era o local ideal para o dito Capitão reunir com a sua quadrilha e planear os assaltos a fazer naquelas redondezas.

Contou-me ainda que um dia o Tomaz Codeço de seu verdadeiro nome foi à casa do avô do Tónio “Trinta” para lhe comprar uma junta de bois. O velho homem disse que não vendia, claro, sabia que não lhos ia pagar.

Mas de nada lhe valeu, o Tomaz disse: «Compre outros que estes são meus» e lá lhe levou os bois, contra a força não há resistência, ninguém se opunha ao poderoso Capitão da Quadrilha de Salteadores.

Passados uns dias, Tomaz Codeço foi a casa do dito senhor, levar-lhe o dinheiro dos bois.

O senhor olha para o dinheiro, viu-o cheio de zebro e disse: “este dinheiro é falso”. O Capitão disse-lhe: “Há seu burro, passe-o pelo cabelo da cabeça, limpe e verá que é verdadeiro”. O senhor fez o que o capitão lhe ordenou. Na verdade, o dinheiro era verdadeiro.

O capitão Tomaz diz ao senhor: “Não precisa dizer-me que é verdadeiro, esses pesos são de prata e ainda ontem à noite estavam na casa do padre de Monte Redondo”.

O dinheiro com que o Tomaz Quingostas tinha pago os bois era proveniente do último assalto praticado pela quadrilha do capitão.

Dado tratar-se de quem era, o avô do Tónio “Trinta” tinha pensado: “lá se vão os meus boizinhos, não vou receber dinheiro nenhum”. Mas não, o capitão cumpriu a palavra: “compre outros bois que estes são meus”. O pobre do homem só Deus sabe quanto sofreu, enquanto não recebeu o dinheiro.

Os ladrões por vezes também têm boas acções, e esta foi uma delas.

Como digo, em princípio, as pessoas antigas vão rareando e os mais novos pouco ou nada ligam, e estas coisas vão-se perdendo com o tempo.

Isto é verdade, passou-se comigo, há cerca de 40 anos ouvi várias histórias sobre o Tomaz das Quingostas e não passei cartuxo, como se costuma dizer. Hoje não penso assim, acho que devemos preservar e ouvir com atenção aquilo que os mais velhos nos dizem.

Estava a conversar com um senhor de Alvaredo, chamado Joaquim Basteiro e conhecido por Joaquim “Torno”, à porta da sua casa no Maninho em Alvaredo e passou uma rapariga e ele disse: “Aquela se fosse no tempo do Tomaz das Quingostas o pai tinha que levar-lha a casa, dele”. Não liguei ao que o sr. Joaquim “Torno” queria dizer com aquilo.

Quando há tempos conversei com o António “Trinta” sobre o Tomaz das Quingostas, depois de me ter contado as histórias que já contei, disse-me: “Olha Zé, além do que já te disse sobre esse homem, vou-te dizer uma coisa que não te havia de dizer. Se tinhas uma filha boa, se ta mandasse levar a casa, tinhas que levar-lha, ou senão eras linchado, também ouvi isto ao meu avô”.

Pensei um pouco, olhei para ele e disse-lhe: “Já não és o primeiro a dizer-me isto”. De repente, veio-me à minha mente aquilo que o Joaquim “Torno” me queria dizer há cerca de 40 anos atrás e eu não prestei a devida atenção.

Sobre este testemunho aos leitores não é difícil adivinhar qual a intenção do Tomaz das Quingostas. Sem comentários, não tenho palavras para comentar este acto deste salteador.

Não posso confirmar nem desmentir, pelo que ouvi e li, este homem monstruoso trazia o povo do Alto Minho aterrorizado.

No entanto, havia quem dizia que roubava aos ricos para dar aos pobres. Isto passou-se entre finais do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX. Será que nessa altura já era financiado algum grupo político ou terrorista?

Uma coisa é certa, segundo afirmam, quando saía a tropa para o prender, alguém subia ao castelo de Melgaço e dependurava um lençol, de maneira a ser visto das Quingostas. Era sinal para ele fugir que as forças da ordem o iam prender.

Certamente que havia algum agente infiltrado nas forças da ordem, que protegia o capitão da quadrilha de malfeitores do Alto Minho.

Acerca deste assunto, os leitores que o desejarem, podem encontrar na Casa da Cultura literatura escrita pelo Dr. Augusto Esteves, com mais pormenores, sobre o referido capitão de quadrilha do Alto Minho “Tomaz Codeço”.

 

Melgaço, Minha Terra – Minha Gente

Histórias de um Marinheiro

José Joaquim da Ribeira

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

             José Joaquim da Ribeira

2006

pp.73-75

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ANTIFRANQUISTAS EM CASTRO LABOREIRO E MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 11.01.20

P1090625 Américo Rodrigues e unha testemuña da v

    américo rodrigues e uma testemunha da vida arraiana em melgaço na época das ditaduras

 

REFUGIADOS E GUERRILHEIROS ANTIFRANQUISTAS EM CASTRO LABOREIRO (1936 – 1943)

 

 Américo Rodrigues (1)

Castro Laboreiro, 25.05.2017

 

A freguesia montanhosa é rodeada a norte, nascente e sudeste pela Galiza – várias comarcas – perfazendo a raia seca entre Minho e Lima, traçada desde o marco 2 ao 53. No sul da freguesia, a fronteira é riscada pelo rio Laboreiro, desde Mareco ao sul do Ribeiro de Baixo. Pela sua situação geográfica, nos anos trinta, o contrabando era a principal indústria local. Em 1936 existiam três postos de Guarda Fiscal (GF): Portelinha (saída da freguesia em direcção a Melgaço), Vila (central) e Ameijoeira, junto ao marco 52 e 53. Fora da freguesia, bem perto, o posto de Alcobaça.

Nos anos 70, nas inverneiras, os caminhos eram empedrados e a luz era de candeia. À época, minha avó materna tinha teto de colmo. Era normal os vizinhos juntarem-se à troula (2) para matar o tempo invernal nas noites mais longas. Depois da ceia castreja (3), os contos nos escanos, junto ao lume, eram para todos os gostos. Ocupavam o palco brilhantes narradoras, nascidas nos primórdios do século XX. O guião histórico e cultural era sempre riquíssimo. É verdade, nestas terras altas, discorrendo sobre assuntos do terrunho, as mulheres sempre foram mais sábias que os homens, condenados desde tenra idade às agruras da emigração. A guerra civil de Espanha (1936-1939) por vezes vinha à baila. Os “roxos” (4), sem saber na verdade quem eram, os falangistas ou Francisco Franco, que tinha o nome do meu avô paterno – Francisco Rodrigues falecido numa pedreira de Paris em 1933 -, começaram a fazer parte do meu léxico.

Os dois esconderijos de refugiados mais próximos do lugar do Barreiro, a Gruta dos Refugiados do Piorneiro (na verdade dois sítios), e a Lapa da Ponte Cimeira, em frente ao monte da Fraga, eram referências obrigatórias. Alguns vizinhos, principalmente rapazes novos, tinham levado comida aos galegos que estiveram nesses locais. No Piorneiro estiveram homens fortemente armados. Chegaram a fazer um carro de vacas para particular. Quem não faltava também, nesses passos nostálgicos, eram os escapados que acolheu a vizinha da minha criação, Isabel Domingues, a tia Carvalha, também Valenciana, no Barreiro e em Queimadelo, lugar onde a tia Monteira também os recebia. Estes desesperados muitas vezes ajudavam na economia do lar, com víveres ou dinheiro. Contribuir com trabalho braçal era raro pela excessiva mão de obra (5) existente naquele período e pela pobreza dos sítios.

Eu imaginava a gabada beleza da professora Eudosia Lorenzo Diz, “a Maestra”, denunciada de forma covarde e aprisionada a 17 de maio de 1938, juntamente com os seus progenitores, pelo chefe da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, de 1933 a 1945) do Peso, acompanhado de guardas do Posto de Portelinha, no lugar do Rodeiro, onde  ensinara as primeiras letras às crianças que a procuraram, na casa de António Domingos Rendeiro.

Salvou-se milagrosamente e rumou a Marrocos, via Lisboa, em 10 de agosto de 1938. Tinha chegado a Castro Laboreiro em 20 de julho de 1936.

Rosaura Rodriguez Rodriguez, refugiada, apesar da jovialidade, já tinha quase 80 anos, morava numa casinha feita pelos vizinhos no lugar de Açureira, a 200 metros da minha escola primária de inverno. Era de Bouzadrago, aldeia galega que dista poucos quilómetros. Optara por ficar para sempre no lado português. Desaparecida a loja permanente do tio Bernardo no lugar, quando os vizinhos subiam às Brandas esta mulher, aparentemente singela, ficava sozinha, rodeada de carvalheiras durante muitos meses. Sem medo algum, dava que cismar aos mais novos, era uma vida de mistério e coragem.

Fascinou-me sempre o episódio da morte violenta do guarda fiscal na taberna da Macheta, Vila de Castro Laboreiro. É verdade que fui educado a desconfiar de guardas mas, seria correcto os contadores da tragédia não condenarem o crime de forma inequívoca? O atirador teve poiso em Várzea Travessa, Barreiro (casa da tia Carvalha) e Ribeiro de Cima, suspeitava-se que era um oficial importante da aviação, apresentava-se de forma impecável, fato e gabardina, muito educado, tinha escola, diziam os castrejos que com ele privaram. Era conhecido por Manolo, o Dente de Ouro. Depois do trágico acidente foi confrontado pelas autoridades no Ribeiro de Cima. O perfil, desaparecer sem deixar rasto, e o acontecimento brutal e decisivo que colocou as autoridades definitivamente no encalço dos refugiados, ficou para sempre na memória da freguesia.

Os galegos que prenderam no Bago de Baixo foram fuzilados. A guarda cercou o lugar e foram encontrados na côrte das vacas na casa dos Negritos. Estavam na moreia do estrume (6), roçado no monte e destinado à cama dos animais. Usaram estacas de ferro para os procurar e fazê-los sair.

Júlio Medela, refugiado da Lobeira casou no lugar de Formarigo, os filhos frequentaram a escola e os bailes casadoiros com os nossos pais.

Contavam-se fatias de assaltos violentos a lojas galegas nos anos 40, realizados por alguns escapados. Os atracadores usavam armas de guerra. O Rizo e Enrique, o Médico, eram nomes famosos.

Na minha criação, estas e outras referências a nomes, profissões, locais e episódios, ainda abundavam por toda a freguesia.

A Guerra Civil de Espanha de alguma maneira fez parte da minha meninice. Há muito que o tema me fascina, anda na minha cabeça, algumas vezes pensei em escrever sobre o assunto, mas tinha algum receio, porque me faltavam dados e, principalmente não valorava convenientemente a temática.

 

(1) Docente de informática. Administrador de Sistemas Informáticos.

Áreas de formação (Universidade do Minho): Informática, Matemática e Educação.

Co-Fundador do Núcleo de Estudos e Pesquisa Montes Laboreiro.

(2) Serão nocturno de convívio.

(3) Jantar.

(4) Alguém politicamente das esquerdas.

(5) Centenas de homens que emigravam normalmente para Espanha e França estavam junto à família.

(6) Em Castro, mato constituído de tojos, carqueijas, etc.

 

BOLETIM CULTURAL DE MELGAÇO

Nº 10

2018

pp. 168-172

 

HOMENAGEM A PEPE VELO EM MELGAÇO

 

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 apresentação do evento

 

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 descerrar do monolito

 

P1090632 Representante Deputación de Pontevedra.J

 representante deputación de pontevedra

 

P1090634 Representante Cámara de Melgaço.JPG

 representante câmara municipal de melgaço

 

P1090621 Xosé González Martínez (Asociación Lo

 xosé gonzález martínez - asociación lois peña novo

 

P1090627 Antonio Piñeiro,  estudoso de Pepe Velo

 antonio piñeiro estudoso de pepe velo e traballa na casa do concello de celanova

 

P1090649 Público en xeral o día da inauguración

fotos cedidas pelo senhor xosé garcia 

 

A PÁGINA ON-LINE DA CÂMARA MUNICIPAL DE MELGAÇO, PORTAL MUNICIPAL DE MELGAÇO, NÃO DEDICOU UMA ÚNICA LETRA A ESTE EVENTO QUE FOI PATROCINADO PELA PRÓPRIA CÂMARA.

RUA DOS REMÉDIOS

melgaçodomonteàribeira, 04.01.20

1 ac 2 25 abril 115 - política de 1974 em melgaç

De facto, o esconderijo era aceitável. Emitir a um nível inferior ao pavimento da rua sem grandes hipóteses de montar a antena no exterior podia não resultar em qualidade, mas valia a pena experimentar.

A comunicação com Ponta Delgada foi importante, tendo obtido a informação que iriam ser infiltrados dois agentes do SOE que falavam espanhol… um para o norte e outro para o sul do continente, que falavam colaborar estreitamente com ele no comando das operações e composição de células. As coordenadas do terreno onde iriam ser lançados de paraquedas foram dadas pelos serviços portugueses, sendo os agentes e respetivo equipamento apoiados a norte em Castro Laboreiro pelos “argentinos” e no sul por ex-membros da PVDE e da Legião já contactados pelo agente E. Os lançamentos eram efetuados por aviões vindos das Canárias e dos Açores, onde já se encontravam os operacionais. Dependendo das condições meteorológicas estudadas pelos respetivos departamentos militares, se fossem benéficas e coincidissem com noite de lua favorável ao voo à baixa altitude do qual eram lançados as missões eram realizadas. Na véspera do lançamento a BBC emitiria a senha Das Pampas Los ejes de mi carretera interpretado por Yupanqui.

Passaram vários dias, ouvindo a emissão da BBC em português. Relatos de manobras militares, do esforço dos homens e mulheres do Reino Unido em colaborar com as vitórias de Churchill e contrainformação negra sobre os países do Eixo. Alguma música… Nada sobre Yupanqui. Eduardo sabia a ansiedade que os dias de espera provocavam nos operacionais e nos que os iriam receber no solo. Tudo dependia das condições meteorológicas. Até que Fernando Pessa depois de descrever os últimos desenvolvimentos da guerra… e agora Das Pampas Los ejes de mi carretera interpretado por Yupanqui. Oiçam esta voz maravilhosa… Até amanhã.

Estava dada a ordem. Eduardo não sabia quem eram os “argentinos” nem o agente E, mas tinha a certeza de que amanhã seriam lançados reforços no norte e sul. Estávamos no final de abril e em 2 meses estava montado o embrião da guerrilha em Portugal continental.

Entretanto em abril o Terceiro Reich no dia 6 bombardeou a cidade de Belgrado que se rendeu 6 dias depois. No Norte de África na Líbia Italiana começou a Batalha de Tobruk entre as forças das Potências do Eixo contra os Aliados maioritariamente constituídos por tropas Australianas. Erwin Rommel começou a investida do Afrika Korps. O Estado Independente da Croácia foi proclamado em 10 de abril de 1941 e foi reconhecido de imediato pela Alemanha e Itália.

Em 13 de abril o Império do Japão e a União Soviética assinaram o Pacto de Não Agressão nipónico-soviético. Perante a invasão alemã da Grécia que começou em 6 de abril o Primeiro-ministro grego Alexandros Koryzis suicidou-se no dia 18 quando Atenas ia ser ocupada. Três dias depois 230.000 soldados gregos renderam-se. O exército alemão ocupou a capital Atenas, em 27 de abril, avançando para a costa sul da Grécia anexada no dia 30 de abril com a captura de 7000 soldados das forças do Reino Unido, da Austrália e Nova Zelândia. A Grécia foi ocupada por forças militares da Alemanha, Itália e Bulgária. O Governo grego refugiou-se em Creta com o apoio de Aliados e uma feroz resistência civil.

Eduardo mantinha contactos regulares com Ponta Delgada e Londres, fornecendo informações sobre as atividades no terreno e recebendo instruções. Já o fazia de casa. A próxima e arriscada missão era a realização de duas reuniões em separado com os dois agentes SOE recentemente introduzidos em Portugal, que se deslocaram a Lisboa, uma vinda de Vila Real de Santo António e um outro do Minho, concretamente de Castro Laboreiro. Qualquer falha nestas reuniões comprometia a implementação da Resistência portuguesa. O facto de ser uma agente que chefiava a região sul não preocupava Eduardo. Tinha feito a preparação do SOE com algumas mulheres que se mostravam bem aguerridas e competentes. As reuniões seriam em dias diferentes e individualmente com cada um deles. Os locais também diferentes.

pp.193-195

 

RUA DOS REMÉDIOS

Fernando dos Santos

Edições Vieira da Silva

1ª Edição

2019

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Melgaço, do monte à ribeira à conversa com o autor

Mmr – Num livro em que a história se mistura com a ficção onde podemos situar Castro Laboreiro?  Ficção ou história?

FdS – O papel das gentes de Castro Laboreiro no apoio aos refugiados da Guerra Civil de Espanha foi bem efectiva e nada ficcional. Exaustos e perseguidos encontram aqui (contra as ordens de Salazar) o bálsamo da sobrevivência. Alguém conseguiu para eles passaportes falsos da Argentina. Por isso eram conhecidos por “argentinos”.

Mnr – Qual o contributo da gente de Castro Laboreiro na Guerra Civil Espanhola?

FdS – O povo português ajuda sempre os necessitados. Seguramente havia em Castro Laboreiro quem não visse com bons olhos os republicanos espanhóis e em contraste quem os apoiasse à revelia do status salazarista. Mas já alguém viu um natural de Castro Laboreiro recusar alimento ou guarida a quem sofre?