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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

SARAMAGO 2

melgaçodomonteàribeira, 30.11.19

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As meninas de Castro Laboreiro II

 

Vai agora o viajante iniciar a grande subida para Castro Laboreiro. Melgaço está a uns trezentos metros de altitude. Castro Laboreiro anda pelos mil e cem. Vence-se este desnível em cerca de trinta quilómetros: não é íngreme a ascensão. Mas é inesquecível. Esta serra da Peneda não abunda em florestas. Há maciços de árvores, aqui, além, sobretudo próximo dos lugares habitados, mas na sua maior extensão é penedia extreme, mato de tojo e carrasqueira. Não faltam, claro está, nas terras ainda baixas, grandes espaços de cultivo, e nestes dias de fim de Outono a paisagem trabalhada pelos homens tem uma doçura que se diria feminina, em contraste com a serra ao fundo que vai encavalando montes sobre montes, qual mais áspero e bruto. Mas esta terra tem uma coisa numca vista que por muitos quilómetros intrigou o viajante, pouco experiente de andanças viajeiras, como logo se verá. Estava o Sol de maneira que batendo nas encostas distantes despedia brilhos, grandes placas luminosas, ofuscantes, e o viajante moía o juízo para saber o que aquilo era, se preciosos minérios assim revelados, se apenas o polido de lascas xistosas, ou se, imaginações fáceis, seriam as divindades da Terra a fazer sinais umas às outras para se esconderem dos olhares indiscretos.

Afinal, a resposta estava à beira da estrada por onde seguia. Pelas fendas das rochas ressumbrava água que, embora não correndo em fio ou em toalha, mantinha húmidas certas pedras, onde, dando o sol de jeito, se acendia um espelho. Nunca tal o viajante vira, e tendo decifrado o mistério foi gozando pelo caminho o atear das luzes, que depois se apagavam e ressurgiam à medida que a estrada fazia e desfazia curvas e portanto se alterava o ângulo de reflexão do Sol. Esta é uma terra grande e descampada, separam os montes grandes vales, aqui não podem os pastores gritar recados de encosta para encosta.

Castro Laboreiro chega sem avisar, numa volta da estrada. Há ali umas casas novas, e depois a vila com o seu trajo escuro de pedra velha. Bons de ver são os botaréus que amparam as paredes da igreja, restos românicos da antiga construção, e o castelo, nesta sua grande altura, com a única porta que lhe ficou, a do Sapo, alguma coisa daria o viajante, para saber a origem deste nome. Não requer grandes demoras a vila, ou requere-as enormes a quem tiver ambições de descoberta, ir, por exemplo, àquelas altas pedras, gigantes em ajuntamento, que ao longe se levantam. No céu, de puríssimo azul, atravessa um rasto branco de avião, recto e delgado: nada se ouve, apenas os olhos vão acompanhando o lento passar, enquanto, obstinadamente, as pedras se apertam mais umas contra as outras.

Está quase a despedir-se, veio por causa do caminho, da grande serrania, destes altos pitões, e correndo agora em redor os olhos, já distraídos, dá com duas meninas que o miram, com sério rosto, suspendendo as atenções que davam a uma boneca de comprido vestido branco. São duas meninas como nunca se viram: estão em Castro Laboreiro e brincam à sombra de uma árvore, a mais nova tem o cabelo comprido e solto, a outra usa tranças com uns lacinhos vermelhos, e ambas fitam gravemente. Não sorriem quando olham a máquina fotgráfica, quando assim se mostra o rosto tão aberto, não é preciso sorrir. O viajante louva, em pensamento, as maravilhas da técnica: a memária, infiel, poderá renovar-se neste rectângulo colorido, reconstituir o mometo, saber que era de tecido escocês a saia, crespas as tranças, e as meias de lã, e o risco do cabelo ao meio, e, descoberta inesperada, que uma outra bonequita havia caído lá para trás, acenando com a mão, com pena de não ficar de corpo inteiro na fotografia. O destino nem sempre ordena mal as coisas. Para ver a Igreja da Nossa Senhora da Orada e as meninas de Castro Laboreiro, teve o viajante de andar cem quilómetros, números redondos: tenha agora coragem de protestar quem achar que não valeu a pena. E tome lá, como acrescento e contrapeso, os gigantes de pedra, o macaco de Melgaço, o avião no ar, os espelhos de água, e esta pequena ponte de pedra solta, só para gente pedestre e gado miúdo.

 

VIAGEM A PORTUGAL

José Saramago

Editorial Caminho

1995

pp. 83-85

 

 

Publicado por: https://edoc.site/viagem-a-portugal-pdf-free.html

SARAMAGO 1

melgaçodomonteàribeira, 23.11.19

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AS MENINAS DE CASTRO LABOREIRO I

 

Até Melgaço desfruta-se de uma paisagem agradável, mas que não sobressai particularmente sobre o que é comum encontrar no Minho. Qualquer destas bouças faria figura de preciosidade paisagística em terras menos avantajadas de mimos, mas aqui os olhos tornam-se exigentes, nem tudo os contenta. Melgaço é vila pequena e antiga, tem castelo, mais um para o catálogo do viajante, e a torre de menagem é coisa de tomo, avulta sobre o casario como o pai de todos. A torre está aberta, há uma escada de ferro, e lá dentro a escuridão é de respeito. Vai o viajante pé aqui, pé acolá, à espera que uma tábua se parta ou salte rato. Estes medos são naturais, nunca o viajante quis passar por herói, mas as tábuas são sólidas, e os ratos nada encontrariam aqui para trincar. Do alto da torre, o viajante percebe melhor a pequenez do castelo, decerto havia pouca gente na paisagem em aqueles antigos tempos. As ruas da parte velha da vila são estreitas e sonoras. Há um grande sossego. A igreja é bonita por fora, mas por dentro banalíssima: salve-se uma Santa Bárbara de boa estampa. O padre abriu a porta e foi-se às obras da sacristia. Cá fora, um sapateiro convidou o viajante a ver o macaco da porta lateral norte. O macaco não é um macaco, é um daqueles compósitos animais medievos, há quem veja nele um lobo, mas o sapateiro tem muito orgulho no bicho, é seu vizinho.

Logo adiante de Melgaço está Nossa Senhora da Orada. Fica aà beira do caminho, num plano ligeiramente elevado, e se o viajante vai depressa e desatento passa por ela, e ai munha Nossa Senhora, onde estás tu? Esta igreja esta aqui desde 1245, estão feitos, e já muito ultrapassados, setecentos anos. O viajante tem o dever de medir as palavras. Não lhe fica bem desmandar-se em adjectivos, que são a peste do estilo, muito mais quando substantivo se quer, como neste caso. Mas a igreja de Nossa Senhora da Orada, pequena construção românica decentemente restaurada, é tal obra-prima de escultura que as palavras são desgraçadamente de menos. Aqui perdem-se olhos, registos fotográficos que acompanhem o jogo da luz, a câmara de cinema, e também o tacto, os dedos sobre estes relevos para ensinar o que aos olhos falta. Dizer palavras é dizer capitéis, acantos, volutas, é dizer modilhões, tímpano, aduelas, e isto está sem dúvida certo, tão certo como declarar que o homem tem cabeça, tronco e membros, e ficar sem saber coisa nenhuma do que o homem é. O viajante pergunta aos ares onde estão os álbuns de arte que mostrem a quem vive longe esta Senhora da Orada e todas as Oradas que por esse país fora ainda resistem aos séculos e aos maus tratos da ignorância ou, pior ainda, ao gosto de destruir. O viajante vai mais longe: certos monumentos deveriam ser retirados do lugar onde se encontram e onde vão morrendo, e transportados pedra por pedra para grandes museus, edifícios dentro de edifícios, longe do sol natural e do vento, do frio e dos líquenes que corroem, mas preservados. Dir-lhe-ão que assim se embalsamariam as formas; responderá que assim se conservariam. Tantos cuidados de restauro com a fragilidade da pintura, e tão poucos com a debilidade da pedra.

De Nossa Senhora da Orada, o viajante só escreverá mais isto: viram-na os seus olhos. Como viram, do outro lado da estrada, um rústico cruzeiro, com um Cristo cabeçudo, homenzinho crucificado sem nada de divino, que apetece ajudar naquele injusto transe.

 

VIAGEM A PORTUGAL

José Saramago

Editorial Caminho

1995

pp. 82, 83

 

Publicado por: https://edoc.site/viagem-a-portugal-pdf-free.html

 

MELGAÇO E CELANOVA NUM ABRAÇO A PEPE VELO

melgaçodomonteàribeira, 16.11.19

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HOMENAXE A PEPE VELO

 

O PROFESSOR AMÉRICO RODRIGUEZ É O AUTOR DUNHA COLABORACIÓN PUBLICADA NO BOLETIM CULTURAL DE MELGAÇO TITULADO “ REFUGIADOS E GUERRILHEIROS ANTIFRANQUISTAS EM CASTRO LABOREIRO (1936-1943)”, NA QUE DEBULLA MIGALLEIRAMENTE AS VICISITUDES DE MOITOS GALEGOS QUE FUXIRON DO TERROR DO FASCISMO NO ANO DE 1936.

 

POR XOSÉ GLEZ.|REDONDELA|28/10/2019

 

O Ribeiro, Alagoa, Portos, Eiras ou na Seara, branda do Bico, foron algunhas das aldeas e lugares de Castro Laboreiro foron escenarios escollidos para residiren temporalmente mentres non procuraban unha saida cara o exilio.

Por Crecente, nunha batela, pasou a Melgaço tamén Pepe Velo, despois de estar choído durante moitos meses nun agocho en Moreiras, Celanova. As vicisitudes que tivo de pasar ata chegar ao Peço, onde atopou o amparo dun amigo no hotel Vila de Ranhada, son recreadas por Anton Piñeiro nun relato de próxima publicación co título “As augas do mañá” no que conta esas peripecias ata chegar a Lisboa.

Na capital portuguesa foi detido pola PIDE e safouse de ser entregue ás autoridades franquistas grazas á intervención do novelista venezolano Rómulo Gallegos, amigo seu, que por aquel entón era presidente do pais. Por esa mediación o Consulado venezolano en Lisboa expedíulle un Pasaporte de Emerxencia (núm. 67/48) ”de acordo coas instrucións recibidas do Ministerio de Relacións Exteriores de Venezuela”. Así foi como Pepe Velo puido chegar ao porto de Guarya semanas despois, onde vivíu deica xaneiro de 1961.

Na capital venezolana Pepe Velo dedicouse ao ensino e desempeñou cargos relevantes na colectividade galega, ao tempo que desenvoveu unha frenética actividade política que coroou coa creación do DRIL (Directorio Revolucionário Ibérico de Liberación), que o 21 de xaneiro de 1961 protagonizou a gran xesta heróica do secuestro do buque “Santa María” da “Compañia Colonial de Navegación” portugues. El foi o que deseñou a estratexia e dirixíu o secuestro, como recoñece a prensa internacional daqueles días.

Cómpre dicir que Pepe Velo fora militante das Mocidades Galeguistas en Celanova. Pero a súa radicalización política levouno a colaborar con instancias próximas ao Partido Comunista, concretamente na coordinación da guerrilla no sur de Galicia. Por mor deste compromiso foi deito, torturado e confinado ao cárcere de A Coruña. Aproveitando unha liberdade condicional foxe e refúxiase, como dixemos, en Moreiras…

Pepe Velo era un coñecido da miña casa familiar. Nas sobremesas falábase del. Meu pai construíulle o mobiliario para a academia que tivo, primeiro no barrio das Travesas e logo na rúa Carral, de Vigo. Pero amais diso, entregáballe periodicamente a súa avinza para a loita clandestina.

Pasados os anos, cando me iniciei na militancia nacionalista, o exemplo de Pepe Velo tíveno sempre presente. Perguntáballes aos vellos galeguistas e comunistas sobre el, e non atopei máis ca viscelaridade nas súas respostas. Para eles Pepe Velo era un tolo e un terrorista. En desacordo com tales despropósitos escribínlle ao seu curmán e amigo meu, Carlos Velo, o nosso gran cineasta que vivía no exilio mexicano que me facilitase información sobre el. A resposta foi inmediata (16 de decembro de 1985): “Amigo Pepe: Ei che mando algúns papeis do gran Pepe Velo e o teléfono de seu fillo, Victor Velo, que vive en Sao Paulo. Chámao da miña parte”. Dito e feito. Ao pouco Victor envioume unha morea de documentos inéditos de seu pai. Con eles publicamos un suplemento de catro páxinas no Faro de Vigo, reconstruíndo o vizoso perfil dun republicano galego que foi capaz de poñer en solfa ás ditaduras española e portuguesa durante os días que durou e secuestro do Santa María.

Pepe Velo profíaba no ideal dunha Iberia unida. A sua vída dedicáraa a soñar maneiras novidosas e decisivas para a consecución dos seus obxectivos, que non puido ver realizados porque morreu no exilio en 1972 aos 54 anos.

Agora chegoulle o tempo dos recoñecementos. Xa hai dous anos colocamos unha placa conmemorativa no edificio onde vivira en Vigo. O dia 6 de decembro, en Melgaço, descubrirase un monolito dedicado a súa memoria. En xaneiro, no parque das trigueirizas de Celanova, colucaremos o seu busto en bronce. Dúas homenaxes promividas pola Fundación L. Peña Novo e a Asociaçión de Amigos do Couto Mixto coas colaboracións dos concellos de Celanova e Melgaço, e tamén da Secretaría Xeral de Política Linguística.

 

Enlace á noticia:http://www.galiciaconfidencial.com/noticia/107666-homenaxe-pepe-velo

 

Este texto foi enviado ao blog pelo seu autor, Xosé Glez.

 

 

A CRUZ DE PENAGACHE - VERSÃO 3

melgaçodomonteàribeira, 09.11.19

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(continuação)

 

3

 

As gentes do Louriçal, outro lugar também raiano mas um pouco mais distante, têm a sua própria versão da cruz e também esta é relatada como fruto da mais pura verdade, embora ninguém a possa confirmar. Aconteceu em pleno inverno, já mais noite do que dia, quando um grupo de contrabandistas foi surpreendido por uma trovoada inesperada, mas temível, até porque naquela parte do planalto não há árvores e as pessoas temem atrair os raios. Chovia copiosamente água e neve à mistura e os relâmpagos sucediam-se ininterruptamente, o ribombar dos trovões mesmo por cima deles. Os três companheiros conheciam a lapa nos cotos de Penagache e apressaram-se a acolher-se no local, embora não muito confiantes, podia ser reduto de alguma fera. Também não sabiam exatamente onde ficava a entrada da gruta, mas, nem de propósito, o clarão de um relâmpago guiou-os para lá. Continuou a tempestade e eles deixaram-se ficar, mas o frio tomava-lhes conta do corpo e da alma, ensopados que estavam e sem possibilidade de acender uma simples fogueira para se aquecerem e espantarem o desconforto e a escuridão. Fome não tinham nem teriam, até porque um deles tinha o bornal cheio de pastas de chocolate encomendadas pela tendeira. O cansaço foi mais forte do que o frio e acabaram por adormecer. Devem ter passado algumas horas e quando já estavam todos acordados estranharam a falta de luz, já devia ser dia. Procuraram adaptação ao espaço e ao tempo, mas a desorientação era total, acabando por descobrir que a entrada da gruta estava completamente tapada por neve, por isso lhes não chegava a luz do dia. Estavam enregelados, um tremia como varas verdes, ardia em febre, os outros dois mal conseguiam mexer os dedos das mãos e dos pés. Não servia de nada gritar por socorro, este nunca lhes chegaria, mesmo que dessem o alerta da sua falta e os fossem procurar ao monte, jamais os encontrariam naquele buraco. Perderam a noção do tempo e acabaram por desistir de alcançar a saída, sem forças para lutar pela vida. Acabaram por ser encontrados pelos cães de caça que participaram nas buscas alguns dias mais tarde: uma cadela muito boa que servia de pisteira e conhecia as tocas todas do planalto não saiu da entrada da gruta enquanto os homens não abriram uma entrada. Um dos rapazes estava morto, os outros dois completamente gelados e perto de perder a vida, os dedos das mãos negros e inertes. A um tiveram de lhe cortar três da mão direita e o outro perdeu um bocado do nariz. Salvaram-se por pouco. A cruz será, pois, a homenagem ao que não resistiu.

 

                                                                                           Olinda Carvalho

 

Publicado em A Voz de Melgaço

Março 2015

 

A CRUZ DE PENAGACHE - VERSÃO 2

melgaçodomonteàribeira, 02.11.19

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monte de penagache por teresalaloba

 

(continuação)

 

2

 

Outra versão que corre lá pelo mesmo pueblo raiano e que já devia ter história bem antes da existência da cruz, por isso será do domínio da fantasia, acha o narrador, tem a ver com a existência de uma gruta debaixo dos cotos de Penagache. Todos os avós contavam que ali, como noutros lugares semelhantes, se encontrava escondido um grande tesouro. As moedas de ouro e prata, as pedras preciosas e as joias eram tantas que uma pessoa sozinha não seria capaz de os tirar de lá, por isso a procura do tesouro seria uma tarefa de equipa. Uma noite, saíram três amigos que se davam como irmãos para tentarem a sua sorte na gruta. Não lhes faltava ousadia, mas a noite sempre arrefece o ânimo, tanta coisa pode sair das sombras, tantas almas penadas escolhem os lugares mais recônditos para cobrarem pelos seus pecados, o melhor era manterem-se bem juntos, até porque a lanterna alumiava pouco e a fraca luz faz fraca a forte gente.

Ter-se-ão introduzido na gruta de que conheciam a entrada e os perigos associados ao seu interior, o que terão encontrado ninguém o sabe ao certo, mas o que foi do domínio público foi a desavença ocorrida lá mesmo, nas entranhas da terra, debaixo dos cotos de Penagache. Dois dos pesquisadores do tesouro agarraram-se ao mesmo cordão, cada um puxando para seu lado no fito de levar a melhor sobre o outro. Uma rajada de vento, surgida sem se perceber como, apagou a lanterna e deixou-os na maior escuridão. Enquanto os dois que se gladiavam pela corrente de ouro continuavam a sua peleja, o terceiro, borrado de medo, conseguiu alcançar a entrada da gruta e saiu à procura do céu estrelado e do luar. Respirando a plenos pulmões, aproveitou para exortar os outros a pararem, mas não deu conta de mais nada, não via, não ouvia, ninguém dava qualquer sinal. A solidão era tão pesada como o medo do escuro que o fizera abandonar a cova, pelo que meteu os pés ao caminho e correu para casa, tropeçando aqui, caindo, levantando-se, retomando o regresso ao convívio dos seus. No dia seguinte foi à procura dos amigos, mas não estavam em casa. E no outro também não. Só quando a ausência se tornou intrigante é que teve coragem de contar a façanha em que se tinham metido. Meia dúzia de homens empreenderam a caminhada até aos cotos de Penagache, o rapaz com eles para os orientar na entrada da lapa. Deram com os dois caídos no chão, um com uma navalha espetada na garganta, o outro com a cabeça empapada em sangue, parecia ter batido numa pedra e ali ficara. O primeiro estava morto, o segundo moribundo, quase inaudíveis as palavras que conseguia balbuciar.

Do tesouro não havia sinal e não fora a dor verdadeira que emanava do sobrevivente daquela aventura ninguém acreditaria nele. Ainda houve quem quisesse culpá-lo da morte dos dois amigos, mas o estado de catatonia em que ficou, incapaz de dizer coisa com coisa, autoflagelando-se e sem sentido de orientação livraram-no da justiça. A família dos finados para dignificar o lugar de partida de almas arrancadas ao corpo contrariando a lei natural da vida.

 

(continua)