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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

A CRUZ DE PENAGACHE - VERSÃO 1

melgaçodomonteàribeira, 26.10.19

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A CRUZ DE PENAGACHE

(uma história, três versões)

 

1

 

Os mais antigos falam dela como de algo quase imaterial, inacessível, mas com uma presença na memória que a passagem do tempo não diminui. Poucos a viram, mas o que testemunharam e sobretudo ouviram não dá para esquecer os arrepios que o desconhecido provoca quando algo inexplicável se nos impõe e lembra a fragilidade de que somos feitos, como a vida é um presente que nos dão mas também nos podem tirar, sem respeito nenhum pela condição de filhos de Deus, que a todos cria da mesma maneira, iguais. Os mais novos, desafiando a distância e os maus caminhos, singram, planalto fora, nas motas que o dinheiro e a vaidade de parecer, de ter o que os outros têm, e se possível ainda melhor (a inveja é um mal geral), chegam lá e detêm-se a espiolhar tudo, com um vagar que os anciãos não tinham. Não têm fardos à espera para fazer chegar a um qualquer destino, do lado de lá ou de cá da raia, os negócios que por ali ainda se fazem estão facilitados e têm subtilezas que afastam os que têm alguns escrúpulos. Também não têm afazeres no eido, o ócio é nos dias que correm a ocupação principal de uma juventude mais ou menos letrada que vive a expensas da família até terem cabelos brancos.

Pelo registo na pedra que a encima, 1911 ou 1912, o escriba fala de ouvido, não há ninguém para dar testemunho nem da sua construção nem do porquê da mesma. Os mais antigos do lugar mais próximo do lado espanhol contam, esvaziada a chávena do café e a copa da aguardente, que ali mataram um português, um ajuste de contas para lavar a honra de uma irmã iludida e enganada. Não era muito comum, mas acontecia portugueses e galegos conviverem nos montes quando guardavam o gado e os rapazes frequentarem os bailes e festarolas de um e outro lado da fronteira. Um rapaz do Souto e uma rapariga de Santo Amaro conheceram-se numa romaria e os encontros passaram de ocasionais a procurados. A moça tomou-se de amores, pensou que era correspondida e o que tinha de acontecer aconteceu. Algum tempo decorrido tornou-se o namoro evidente, a rapariga não conseguia esconder a proeminência progressiva do ventre. Instada pelos irmãos a denunciar o oportunista, quis ela remediar, avisando o namorado que urgia assumir a sua responsabilidade. Aparentemente, o amor não o consumia e não estava pronto para ser homem, perdida a honra da moça, perdia ele a sua, abandonando-a, não estava sozinha no mundo, tinha muitos irmãos para a ajudarem a criar o filho.

Os três irmãos uniram-se para cobrar a desfeita, até um garoto ainda menor de idade tomou parte no desforço. Observaram as idas e vindas do bandalho pelos caminhos da serra e uma noite surpreenderam-no nas pedras de Penagache. A probabilidade de encontrarem alguém era mais do que mínima e, sem testemunhas, fizeram-no pagar a sua dívida com o bem mais precioso que tinha: a vida. Deixaram o corpo exposto ao tempo, sem qualquer resquício de respeito, abandonado no lugar onde foi encontrado em adiantado estado de decomposição. Foi identificado pela roupa e pelo anel que usava no dedo mindinho da mão direita. A família, amargurada por uma vida ceifada tão antes de tempo, mandou fazer uma cruz no alto da pedra na base da qual o tinham encontrado. Das razões que o teriam levado àquele fim não queriam saber, ou sabiam e calavam-se para não dar mais força às vozes viperinas do povo.

 

O DEPUTADO DE MELGAÇO EM CAMILO CASTELO BRANCO

melgaçodomonteàribeira, 19.10.19

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O CARRASCO DE VICTOR HUGO JOSÉ ALVES

 

CAMILO CASTELLO BRANCO

 

Eram negros côr da noite

Uns olhos negros que eu vi…

 

O sujeito que assim fallava, dava ares de deputado do norte, papa-fina, calaceiro de damas sertanejas, gallo de aldêa vezado a cacarejar finezas; mas bem creado e de fama na sua comarca, e talvez mais adiante, como pessoa perigosa para senhoras frageis ao dom da palavra.

O outro, que vislumbrava esperteza e garbo de lisboeta, sorrindo desdenhoso á linguagem do amigo um tanto rançosa das galanices do Clarimundo, fallou d’esta arte:

- Esta menina, aqui onde a vês, tem, segundo consta, sangue real nas veias. Se eu fosse príncipe, fazia-lhe os meus cumprimentos, e pedia-lhe um osculo.

- E eu dois – ajuntou o deputado dos Arcos ou de Melgaço – (de Melgaço é que era, se bem me lembro); mas, prescindindo dos ósculos – continuou mais requebrado – limito as minhas ambiçoens a pedir-lhe que me tome medida do pescoço afim de saber-se quaes colleirinhos hei de comprar. Vou sentir o avelludado das suas allabastrinas, mãos de princeza…

  1. Maria José, durante as pungentes facécias dos mal-fadados, não erguêra do balcão os olhos carregados de lagrimas. Mal-fadados lhes chamei; porque Damião Ravasco, em quanto elles fallavam, trincava e comia a pedaços um charuto, ao mesmo tempo que, fervendo em ira, e agitando machinalmente os braços, parecia dar-lhes alôr para uma pega mortal.

E os dois faceiras decerto não attentaram nos olhos assanhados do mulato, nem dariam significação funesta áquelles tregeitos, se os vissem.

O deputado, entretanto, como a luveira não respondesse ao pedido, aliás honesto, de lhe medir o pescoço, insistiu abemolando a rogativa com um sorriso de ironica meiguice:

- Então o meu anjo não se humanisa até á humanidade de me tomar a medida do pescoço?

- Meço-lh’o eu – disse Ravasco, abarbando-se com o sujeito.

E, proferido o serviçal offerecimento, recurvou-lhe os dedos da mão direita na garganta, sacudiu-o de encontro á hombreira da porta, e d’ahi, tangido pelo impulso de uma valente pescoçada com um sonoro ponta-pé, tombou-o á rua. Consummado o feito, voltou-se para o outro, que se quedava immovel, fulminado, empedrenido talvez por sua justa indignação, e disse-lhe:

- Vossê tambem ha de ter o beijo que pediu.

E o mesmo foi convidal-o com trez tapa-olhos á mão tente, cascados de tal guisa que, ao terceiro, o sujeito mordia o macadam dos fortes colhidos de sobresalto, resvalando os dous degraus que o separavam do seu infausto amigo.

Cobriu-se de profunda amargura o aspeito de Damião Ravasco, ao ver que os dous freguezes de colleirinhos, depois de se escovarem reciprocamente com os lenços, e de trocarem entre si palavras mysteriosas, calcurriaram-se embora com apparencias de sãos e escorreitos.

 

O Carrasco de Victor Hugo José Alves

Camilo Castello Branco

Porto Livraria Chardron

de Lello&Irmão, editores

1902

 

Ler EBook:

 

http://www.gutenberg.org/files/30176/30176-h/30176-h.htm

 

OS NOSSOS MORTOS

melgaçodomonteàribeira, 12.10.19

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mãe do sr. amadeu abílio lopes e banda dos b.v.m

 

OS NOSSOS MORTOS

 

É sempre doloroso falar daqueles que partiram, mas as notícias que tem sido dadas nos jornais da terra acerca dos que morrem são por norma curtas, demasiado sucintas para aqueles que, como eu, gostam de saber mais alguma coisa sobre essas pessoas, nossos conterrâneos. Não se trata de curiosidade, de mera estatística, mas também de sentimento. Nós, os que saímos de Melgaço, nunca esquecemos o nosso berço, nem as suas gentes. Sentimos a sua falta, sua cumplicidade, por vezes até o seu mau feitio!

Em A Voz de Melgaço de Outubro findo (11/10/2013) falou-se de Amadeu Abílio Lopes, mais conhecido por “Bicho Fino”, alcunha que a sua própria mãe lhe pôs, por achar que era esperto, vivaço. Diz-se aí que morreu em Abril de 2013, com 99 anos de idade. Acontece que ele nasceu no lugar de Cortinhal, Chaviães, a 13/3/1913, pelo que se a minha máquina de calcular não me trai ele faleceu com 100 anos feitos e não com 99 anos. Outra coisa que se diz no jornal é que «cedeu a sua parte como accionista, mais de 70% à Câmara Municipal.» Se a memória não me falha, eu li na altura (1997) que eram 68,8/%. A diferença não é significativa, mas o seu a seu dono.

Amadeu Abílio Lopes era filho de Vitorino José Lopes, soldado da Guarda-Fiscal, e de Maria Rosa Cortes, lavradeira. Em 1927, com treze ou catorze anos de idade, no segundo ano da ditadura dos militares, emigrou para o Brasil, onde teve de trabalhar muito, e “no duro”, apesar da sua tenra idade. Depois de adulto entrou no mundo dos negócios, foi dono de uma ou duas padarias, conseguindo juntar algum cabedal.

Casou em 1942 com Ulysseia Pires, natural do Rio de Janeiro, a qual Não lhe deu filhos. Nunca se esqueceu da sua freguesia de nascimento, mandando ali construir uma vivenda, que baptizou de “Lar da Saudade”, onde passava férias quando vinha a Portugal.

Também se diz em A Voz de Melgaço que ele foi «um benfeitor» da Câmara Municipal de Melgaço. Quanto eu sei a doação não se traduziu, nos primeiros anos, num benefício para a Câmara, mas sim numa despesa, a juntar a outras. Na altura que o senhor Amadeu, juntamente com outros sócios, criou a sociedade anónima, tentava-se em Melgaço erguer uma Adega Cooperativa, a qual não foi avante por diversas razões, uma delas por falta de apoio financeiro. Há muita gente no concelho, e fora dele, que poderá falar nesse assunto melhor do que eu.

É certo que ele deu, ao longo da sua vida, algum dinheiro à Santa Casa da Misericórdia e aos Bombeiros Voluntários de Melgaço, sobretudo à sua banda de música; ninguém poderá negar isso, pois está registado na imprensa local. No entanto, ninguém pense que a entrega gratuita das acções da “Quintas de Melgaço – Agricultura e Turismo, SA” ao município foi um gesto altruísta, fundado no seu grande amor por Melgaço. Há quem afirme que teria feito bem melhor se as tivesse vendido por um preço justo a pequenos e médios produtores. Que vocação, que competência técnica e científica, tem uma Câmara Municipal para gerir uma sociedade anónima? As Câmaras Municipais que se saiba são organismos políticos, não são gestoras de empresas, sejam elas sociedades anónimas ou não. Sendo assim, perguntar-se-á: por que motivo o presidente da edilidade aceitou essa oferta? A resposta não é fácil, e até pode haver mais do que uma resposta. Quando eu era pequeno dizia-se em Melgaço que quando a esmola é grande o pobre desconfia. Pelos vistos ninguém desconfiou, e os autarcas aceitaram com agrado a dita prenda. Em troca, pois de uma permuta, e agradecidos, atribuíram à Praça José Cândido Gomes de Abreu o nome do senhor Amadeu Abílio Lopes, além da medalha de ouro do município. Tudo bem. José Cândido morrera em 1908, já estava esquecido. Quem se lembra que foi graças à sua iniciativa que se criou o hospital? No entanto, vão ficando no esquecimento, espécie de limbo, alguns melgacenses que contribuíram imenso para o prestígio do nosso concelho; mas não doaram acções de empresas, mesmo que as mesmas não valham fortunas.

Nada me move contra o senhor Amadeu Abílio Lopes, não o conheci pessoalmente, na velhice quis ser útil ao seu concelho, interveio no seu desenvolvimento, mas daí a subir ao pódio… E se a moda pega? Isto é, se no fim da sua vida qualquer empresário doa ao município a sua empresa? Talvez eu esteja a dar relevo a coisas que em si não tem grande importância, mas de facto gostaria que aqueles que foram eleitos tivessem mais em conta a opinião do povo quando se atribui o nome de uma praça, avenida, rua, a figuras mais ou menos conhecidas.

Na citada notícia de A Voz de Melgaço fala-se de Rosa, casada com Maximino Reinales: «Amadeu Abílio Lopes não tinha filhos. Criou, como se fosse sua filha, Rosa Esteves…» Fiquei admirado, pois o senhor Amadeu e esposa residiam no Brasil e a esposa do meu amigo Maximino morava e mora em Melgaço. É provável que a tenha apoiado financeiramente, que a estimasse, a tenha convidado para ir passar uns tempos com ele e a esposa ao Brasil, mas criá-la, no verdadeiro sentido da palavra, julgo que não. No entanto, se alguém souber mais do que eu sobre este assunto faça favor de me esclarecer.

Gostaria de mencionar outros conterrâneos que faleceram recentemente: uma senhora de Castro Laboreiro, que já tinha 104 ou 105 anos de idade, uma bonita idade; Manuel José da Silva, da Vila de Melgaço, cuja morte e de sua filha, Maria de Fátima, nos comoveu a todos; de Leonardo Carvalho, mas não posso roubar mais espaço ao jornal, pelo que falarei deles noutra oportunidade.

Desejo a todos os melgacenses um bom Natal e que 2014 nos traga mais justiça e já agora mais algum dinheiro.

 

                                                            Joaquim Rocha

 

   NR.: Agradecemos ao Dr. Joaquim Rocha as achegas à notícia da morte do Sr. Amadeu Abílio Lopes.

   Fizemos as diligências mais que suficientes para obter mais dados, e até pedimos que escrevessem sobre ele, pois com ele, pois com ele tinham convivido bastante.

   Estranhamos o silêncio dos responsáveis da Adega de Melgaço cuja maioria das acções ele ofereceu à câmara. Pedimos que nos fornecessem uma foto do Sr. Amadeu. Insistimos no pedido, mas ficámos sem resposta.

   Da nossa parte, tudo fizemos para que, no momento da verdade, que é o da morte, primássemos pelo acolhimento e pelo sanador e retemperador perdão, eventualmente o Sr. Amadeu precisasse por parte de quem não se sentiu tão correspondido como julgava merecer.

 

                                                                                                 Carlos Nuno

 

Em, A Voz de Melgaço

MANJAR DOS REIS DO MOSTEIRO DE FIÃES

melgaçodomonteàribeira, 05.10.19

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MANJAR DOS REIS DO MOSTEIRO DE FIÃES

 

Este doce conventual, tipicamente natalício, foi criado pelos monges cistercienses do antigo Mosteiro de Fiães, situado no concelho de Melgaço, no extremo norte de Portugal.

Sendo um doce de origem conventual, não podiam faltar as gemas em abundância e a amêndoa. Trata-se de uma receita simples, que permite fazer o aproveitamento de arroz cozido, resultando num doce que é um verdadeiro manjar.

 

Ingredientes:

 

12 gemas

125 g de amêndoas moídas

125 g de arroz cozido

300 ml de água

500 g de açúcar

Raspa de limão q. b.

 

Confecção:

 

Leve o açúcar ao lume com a água e deixe ferver durante 2 minutos, até formar ponto de pasta (introduzindo uma colher, a calda corre facilmente, mas há uma pequena camada que adere).

Retire do lume e junte a amêndoa, o arroz escorrido e as gemas. Mexa bem.

Leve novamente ao lume para engrossar, mexendo sempre para não queimar.

Sirva o doce em taças ou numa travessa.

 

Se fizer esta receita, mande-nos a sua foto para o email docesregionais.mail@gmail.com e nós faremos a divulgação com a indicação da sua autoria.

 

 www.docesregionais.com/manjar-dos-reis-do.mosteiro-de-fiães/#more-7404