Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

UMA FORÇA DE FÉ

melgaçodomonteàribeira, 11.08.18

7 - igrejas 2017.jpg

pastoriza por manuel igrejas 2017

 

 

UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA…

 

VI

 

O julgamento do Lili do Teodorico aguardava data. Ele continuava em sua actividade e era assunto das conversas.

Naquele fim de verão, um ano depois do Amílcar ter-se recuperado, numa tarde cálida, quando as pessoas andavam de roupas leves e os homens, na sua maioria em mangas de camisa, a notícia caiu como um raio que a todos fulminou: o Zéca do Aurélio caíra de cama com uma meningite.

Era o José de Araújo Azevedo, conhecido como o Zéca do Aurélio, um distinto rapaz. Filho do senhor Aurélio, abastado comerciante, gozava de estima geral. Alto, bem apessoado, primava pela fidalguia e boa educação. Estudara na cidade do Porto o que lhe dava certa superioridade sobre os demais rapazes. Devia ter nessa altura por volta dos 25 anos.

A consternação inicial que a todos tomara transformou-se de súbito numa força de fé. Numa roda de rapazes e raparigas que se formara no canto da praça, próximo da casa do senhor Aurélio, alguém sugeriu que se fizessem orações. Uma novena seria forte apelo a Deus por intermédio de Nossa Senhora. Resultado. O senhor Pe. Justino perfilhou a ideia e, a partir do dia seguinte, ao fim da tarde, a juventude reunia-se na igreja matriz onde rezavam o terço, liam trechos do Evangelho, faziam reflexões, recitavam a ladainha e entoavam cânticos, intercedendo ao Criador pelo restabelecimento do amigo enfermo, e terminavam o culto com louvação e adoração do Santíssimo Sacramento. Nove dias repetiu-se aquela devoção. O procedimento médico foi o que se tornara usual. Accionada a delegacia distrital de saúde que encaminhou ao órgão competente na capital.

- Se a penicilina chegar a tempo vai ficar bom. Olha o Amílcar que passa o tempo jogando bilhar!

 - Dizem que o caso do Zéca é mais grave, comentavam os rapazes no café!

 

 

VII

 

O doutor Esteves foi chamado para atender a uma rapariga da família que estava muito mal. Informado sobre os sintomas e o que teria causado a enfermidade, negou-se a atender. Que fossem chamar o doutor Sá que era o médico oficial do município! Ele não atendia a desmanchos!

A irmã da rapariga doente desfazia-se em apelos. Ele, doutor Suiça, era o mais entendido em doenças de mulheres. A pleiteante, irmã da enferma era abastada comerciante na vizinha vila de Monção, podia pagar o que ele pedisse. Não e não! Abominava, o doutor Esteves, a prática do aborto! Não admitia que se fizesse tal, fosse a propósito do que fosse! Muito menos por ter emprenhado do namorado. Esta posição do médico era bastante contraditória com a sua filosofia materialista. Considerava crime abortar uma futura pessoa. Mesmo quando o aborto era espontâneo, ele se revoltava.

Aconteceu isso anos depois, quando uma sua criada engravidou dele mesmo. Pensando ser recriminada demitiu-se ao sentir a gravidez. Com poucas semanas abortou e aí, sim, ele enfureceu-se ao saber do caso. Devia ter-lhe confessado; ele a cuidaria uma vez que conhecia o malogro dum caso anterior com um namorado, proclamava o médico a quem lhe falava no assunto.

Aquela comerciante ofereceu vultosa quantia para o médico ir cuidar-lhe da irmã. Ou pelos reiterados apelos ou pelo dinheiro, ele foi, tratou da rapariga e ela curou-se.

 

   Manuel Igrejas

 

 

Publicado em A Voz de Melgaço