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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

QUANDO MELGAÇO TINHA GENTE

melgaçodomonteàribeira, 16.06.18

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UM LUGAR ONDE NADA ACONTECIA

 

Os moços da terra, rapazes e raparigas, viviam uma situação de expectativa. Consideravam monótona e sem graça a vida que lhes apresentavam. Bailes uma vez por outra, as festas em honra dos santos padroeiros, nas freguesias, e os desafios de futebol. Liam os jornais no café que lhes noticiavam as maravilhas do após guerra, o programa da ciência, e uma vez por semana absorviam avidamente o estilo de vida capitalista, regalada, que subjectivamente os musicais do cinema americano lhes enfiavam pelos olhos.

Os desafios de futebol durante certa época eram quem mais distraía a população e entretinha a juventude. Naqueles anos era acirrado o despique entre os três grupos que se haviam organizado, o Rápido, o Unido e o Comercial. Nunca houvera tanta rapaziada junta naquela localidade. A última geração fora obrigada a permanecer na terra. Desde sempre, naqueles lugares de natureza e paisagens luxuriantes mas paupérrimas em perspectivas de vida desafogada, a única alternativa para quem desejasse um futuro melhor era emigrar. Quem ficava, resignava-se u uma vida humilde, labutando na agricultura de subsistência ou no contrabando. Os ofícios tradicionais estavam super explorados não havendo clientes para tantos profissionais. A Espanha ali ao lado, antes da sua guerra civil e da guerra mundial, era país rico onde os portugueses da fronteira buscavam trabalho com a facilidade de estar em casa periodicamente. Outros países da Europa não ofereciam grandes condições naquele tempo; o sonho de quem desejava progredir era o Brasil. Ah! O Brasil, donde se voltava “brasileiro”, sinónimo de prosperidade, donde se voltava rico. Pouco acontecia, mesmo assim as fortunas que se conheciam e os palacetes que existiam foram ganhos no Brasil.

Nos anos quarenta ninguém saiu de Melgaço. A guerra provocara aquela situação: não deixou sair ninguém e não levou ninguém. Portugal não entrou naquela catástrofe e dela se beneficiou. Foi assim que aquela pequena terra ficou cheia de mocidade a ponto de organizar três clubes de futebol que disputavam e brigavam entre si. Montaram sedes com secção recreativa e onde se reuniam à noite. O campo do jogo é que era o mesmo inerente a todos, o Monte de Prado, distante da Vila e com difícil acesso, daí que durante a semana a rapaziada mais nova jogava bola na avenida ou na praça da República, para desespero do António Reis, zelador municipal, que tinha de correr atrás deles ou fazer vista grossa se algum parente seu ou filho de pessoa grada estava no meio.

O contrabando era a principal fonte de receita daquele pessoal. Região fronteiriça com a Galiza, separada pelo rio Minho desde que este entrava em Portugal na povoação de São Gregório, mais ao norte, pelo rio Trancoso e para oeste raia seca, era propícia ao comércio ilegal. A guarda-fiscal do lado português e a guarda civil do lado espanhol, eram as forças legais que deveriam zelar pelo cumprimento da lei, na prática mancomunavam-se com os contraventores auferindo sua parte nos lucros. Os governos dos dois países deviam tirar algum proveito desse estado de coisas. As potências beligerantes não aceitariam a exportação legal de determinados produtos que iriam beneficiar o inimigo. Pressupunha-se que tais mercadorias seriam encaminhadas para a Alemanha e tal desagradaria à Inglaterra e aos Estados Unidos da América.

Entre os anos de 1936 a 1939 a Espanha vivera o tormento da guerra civil. Carente de géneros alimentícios, recebia de Portugal, na forma de contrabando tudo que era possível receber. Melgaço, e outras zonas do Alto Minho, fronteiriças, eram paupérrimas. Não tinham produção que pudesse ser contrabandeada a não ser milho. Eram, entretanto, pontos de passagem e por ali, vindos de outros lugares, passavam camiões carregados de galinhas, ovos, chocolate, etc. Estourou a segunda guerra mundial em 1939, o governo nacionalista espanhol que vencera a sua guerra interna com o auxílio da Alemanha, viu-se obrigado a colaborar com aquela nação. Então o contrabando diversificou-se: o volfrâmio, mineral usado na manufactura de armamento era encontrado quase à flor do solo nas montanhas de Melgaço. Foi febril a extracção dessas pedras pretas. O sabão teve preponderância, tripa seca, pedras de isqueiro, café, cigarros e tudo o que servisse para material bélico, era repassado à Espanha. O pagamento era em prata, ouro ou pedras preciosas. O dinheiro em papel ou moedas nada valia. Vez por outra os guardas-fiscais não concordavam com as percentagens que lhes davam e apreendiam as mercadorias. Os pequenos contraventores eram os profissionais das várias profissões que, para engrossarem os seus proventos, de noite, levavam até à margem do rio uma caixa de barras de sabão ou outro elemento que pudesse ser transportado às costas. Eram estes os mais visados pelos agentes da lei que, por pouca mercadoria, nada recebiam.

A guerra no centro da Europa desenrolava-se feroz.

Os jornais noticiavam com destaque as batalhas navais onde o afundamento de navios ganhava as manchetes, quando a França se rendeu aos alemães e a sua marinha resolveu afundar toda a frota naval para não servir ao inimigo, repercutiu. No imaginário dos contrabandistas o termo “frota” passou a ser usado como sinónimo de contrabando. Quando os guardas-fiscais tomavam as mercadorias diziam que a frota afundara. Os contrabandistas passaram a ser conhecidos como “frotistas”.

 

(continua)