CAPELA DA NOSSA SENHORA DA ORADA
A IGREJA DE NOSSA SENHORA DA ORADA
(NOTÍCIA HISTÓRICA)
Nos derradeiros anos do século XI, quando percorria em longas jornadas de instrução e de posse as terras do seu condado de Portugal, D. Henrique de Borgonha, o mais antigo obreiro da nossa nacionalidade, encontrou êrma e quási totalmente arrasada a povoação que depois devia renascer com o nome de Melgaço. Expulsos os moiros – que o ímpeto irresistível dos sucessores de Plágio continuamente rechaçava para o sul da Província – nenhum novo núcleo de população ali criara raízes; e até o castelo comarcão, que se dizia ter sido construído pelos invasores árabes sôbre os alicerces de um castro romano, apenas negrejava no seu morro como ruína quási informe.
Necessitando de concentrar tôda a atenção e tôda a actividade em emprêsas de maior vulto, o Conde D. Henrique não curou de repovoar aquêles sítios agrestes, que então podia julgar livres de qualquer perigo ou ameaça grave; ordenou apenas que a decrépita fortaleza mourisca fôsse benificiada com as necessárias obras de consolidação, a-fim-de assegurar, como cumpria, a defesa da terra, no caso de lá chegar, em dias futuros, alguma das temerosas contendas que desde os primeiros tempos da Reconquista perturbavam de quando em quando a vida política da Espanha cristã.
Assim esquecido, senão inteiramente abandonado, jazeu ali, durante muitos anos ainda, o alto e áspero chão onde hoje se vê a vila de Melgaço. Depois do falecimento de seu marido, a raínha D, Tareja – sempre atormentada, como êle, por grandes trabalhos de ambição – nada fêz também para remediar ou minorar tam imprudente desamparo; por isso, nem o castelo, a-pesar dos “repairos” com que o Conde D. Henrique firmara as suas muralhas centenárias, logrou afrontar sem renovados danos a incessante e traiçoeira guerra do tempo. Por seu turno, D. Afonso Henriques, só ao cabo de 30 anos de reinado, em 1170, atentou na conveniência de prover de boa e basta gente aquêle recanto da terra hereditária, destinado a converter-se, pela sua situação, em um dos mais úteis baluartes de defesa do novo reino; mas, pronto em remediar o mal que tam tarde havia reconhecido, logo remiu com decisão e acêrto êsse pecado de imprevidência. Pouco depois, os primeiros colonos para ali enviados por ordem régia davam princípio à sua obscura obra de progresso nacional e social. Ao mesmo tempo, para lhes incutir maior fé na própria segurança e na segurança das suas searas, outras providências foram tomadas; e em breve, na terra extrema que ao norte sobranceava o rio, a possante fortaleza sarracena, ampliada e robustecida, reocupava firmemente o seu lugar de sentinela raiana. A póvoa portuguesa de Melgaço tinha finalmente nascido.
Diminuindo de certo modo a importância de alguns dêstes factos, uma versão corrente, abonada por certas memórias monásticas, persuade entretanto que já em tam remota era se erguia a curta distância do castelo, entre outras construções de grande antiguidade, a Igreja da Nossa Senhora da Orada. Ignorava-se a data da sua fundação e o nome do fundador. Edificada no tempo em que a moral cristã começava a moderar os costumes bárbaros dos visigodos, havia resistido como que por milagre (dizia-se) aos maus tratos da natureza e dos homens, durante o período da dominação árabe – acrescentando-se ainda que depois disso, no reinado de D. Ramiro II de Leão, fôra anexada a um pequeno mosteiro de monges bentos mais ou menos sujeitos à grande casa conventual que anteriormente obtivera para a mesma Ordem a doação de tôda a vizinha terra de Fiãis.
Segundo a tradição que guarda lembrança de tais sucessos, aquêle mosteiro-vassalo, secularizado por motivos que se desconhecem nos longínquos anos do gôverno de D. Tareja, convertera-se afinal (juntamente com a cêrca e outras terras contíguas) em uma simples propriedade particular – que, adquirida pouco depois pelos Templários, dêles recebera o nome de Quinta dos Cavaleiros que lhe é conferido nos documentos do século XII. Se com efeito assim aconteceu, pode afirmar-se que foi da aguerrida milícia do Templo, visto que, volvidos alguns lustros, já a chamada Quinta dos Cavaleiros pertencia in totum a uma dama de grandes haveres, a Condessa D. Frolhe, que no ano de 1166, por meio de uma escritura de doação, a entregou de novo, e com outro nome – o de Quinta da Orada – aos monges negros de Fiãis.
Porque não foi incluída a Igreja nessa doação, a que se podem atribuir em verdade intuitos idênticos aos de um vulgar legado pio? Por não ter existido de-facto, o suposto Convento da Orada? Por se haver estabelecido qualquer distinção entre êste e o templo da Virgem, através de tantas alternativas de posse? Finalmente, por se achar em completa ruína (e, portanto, sem valor) a vélha casa de oração? Ignora-se. Cumpre notar, em todo o caso, que D. Afonso Henriques, ordenando pouco depois, em 1170, a reconstrução do desmembrado edifício, sancionou implìcitamente a inclusão do edifício no rol dos bens da Coroa.
BOLETIM DA DIRECÇÃO GERAL DOS EDIFÍCIOS E MONUMENTOS NACIONAIS
A IGREJA DE NOSSA SENHORA DA ORADA
Nº 19
Março de 1940
pp. 5-8