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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

ALTO MINHO E GALIZA. ESTUDOS HISTÓRICOS

melgaçodomonteàribeira, 24.02.18

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O REITOR DA UNIVERSIDADE DO MINHO

 

O Professor Doutor José Marques é um académico de referência que desenvolveu a sua carreira na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, com extensa obra publicada, reconhecido pelos seus pares nacionais e internacionais e referenciado pelos que tiveram o previlégio de ser seus alunos. Neste contexto, personifica o que nas universidades anglo-saxónicas se designa por scholar at large, pela holística dos seus conhecimentos e pela especialidade dos seus saberes, competências que são evidenciados ao longo deste livro por testemunhos muito variados.

Enquanto Minhoto de nascimento, bracarense de sacerdócio e investigador medievalista, José Marques teve um percurso que se cruzou naturalmente com o da Universidade do Minho (UMinho), numa relação natural, cúmplice e intensa que a Universidade quer reconhecer através deste testemunho do seu Reitor, na publicação desta obra e no evento que lhe está associado. Uma relação muito profícua e multifacetada que tem como principal locus o Arquivo Distrital de Braga (ADB), unidade cultural da UMinho que constitui um dos maiores acervos documentais nacionais, nomeadamente sobre a Idade Média.

José Marques tem sido um dos seus mais insignes utilizadores, cuja leitura com olhar perscrutante, abordagem científica e cruzamento de conhecimentos revelou conteúdos de documentos únicos. Este Arquivo foi um dos principais lugares de estudo e fonte de informação para o investigador José Marques, que ele utilizou intensamente ao longo de quase cinco décadas.

O Doutor José Marques retribuiu essa disponiblidade da melhor maneira e do modo como apenas um académico o pode fazer, pelo conhecimento que criou a partir suas leituras, investigações e análises integradoras e comparativas. De facto, na sua extensa lista de publicações são omnipresentes as referências ao ADB e, importa realçar, existem traduções, para latim moderno ou português, de compilações de documentos medievais como são os casos do Liber Fidei ou do Cartulário do Mosteiro de Fiães.

Para este Arquivo, esta Universidade e esta Região, José Marques é um pensador incontronável sobre o período histórico fundacional dos contextos sociopolíticos e administrativos que originaram o aparecimento da nação portuguesa e de uma geografia diocesana que teve enorme centralidade no nosso percurso histórico do último milénio. Pensador igualmente incontronável para perceber o espaço transfronteiriço e culturalmente identitário do Norte-Galiza. Espaço que a separação histórica entre os dois países ibéricos não eliminou e que se constitui hoje como património relacional, cultural, social, económico e político potenciador de novos modos da construção europeia.

Por tudo isto, o evento da inauguração das novas instalações do Arquivo Distrital de Braga teria de se cruzar com a figura de José Marques. Estas novas instalações são um investimento de grande qualidade, em montante superior a quatro milhões de euros, que dotará o ADB de excelentes condições para a persucução da sua missão de serviço público na conservação, disponibilização e divulgação do seu valioso espólio. É a concretização de um sonho para a Universidade e para todos os que, hoje, utilizam o Arquivo presencialmente ou por acesso remoto.

Estou certo que o nosso Amigo José Marques é um dos que está mais feliz com esta obra, ao ver os seus documentos – porque foi ele quem mais os utilizou – adequadamente preservados para que futuros investigadores possam continuar a sua obra.

Obrigado Professor José Marques, estou certo que o novo Arquivo continuará a ser uma das suas casas.

 

                         António M. Cunha

                        Reitor da Universidade do Minho

 

 

 

UM ESPAÇO FRONTEIRIÇO MAS DE “VIZINHANÇA”

 

A criação das fronteiras tem muito a ver com as decisões políticas, mas a sua consolidação demora muito tempo, nomeadamente no processo de serem aceites pelas populações que moram em territórios vizinhos. Contudo, a vizinhança é um valor mais forte do que as normas administrativas. Um exemplo que patenteia esta realidade é o limes político traçado desde o século XII nas terras da velha Gallaecia entre o reino da Galiza e o novo reino de Portugal. Passaram vários séculos e continuavam em vigor muitos vestígios da continuidade territorial praticada desde a época romana e sueva. Com certeza, as mudanças políticas da primeira metade do século XII foram irreversíveis, mas a permeabilidade da fronteira luso-galaica é um dado indubitável, ao menos até aos tempos modernos da guerra de Restauração.

Por esta razão, resulta do maior interesse construir de uma perspectiva cultural e historiográfica actual um discurso que não retroprojecte o sentido e significado das fronteiras dos modernos estados nacionais para tempos mais recuados. Bem o adverte o autor deste livro em nota de rodapé, quando indica que nos “períodos de guerra entre Portugal e Castela, já não podemos falar em Espanha, nessa altura”, assim como o constante reconhecimento dos “galegos” como identidade própria e da Galiza como um reino, mesmo acreditado nos documentos das chancelarias régias, por vezes mencionado como “Gualiza”. Oportuno relativismo que cura os excessos do presentismo. Esta vontade de entender, a partir duma enorme quantidade de fontes arquivísticas, o espaço situado entre os rios Lérez e Lima como um território comum é, no meu parecer, o principal contributo deste livro. Além disso, nesta publicação está recolhido o mais substancial do percurso investigador do professor e cónego bracarense José Marques, especialista medievalista e perito arquivista educado na escola, que teve também fundos ecos na Galiza, do professor Avelino Jesus da Costa.

Os grandes resultados da magna obra do professor Marques e da sua especialização historiográfica nas terras do Alto-Minho e da Galiza, ficam bem retratados no texto redigido pelo professor José Viriato Capela. Eu só poderia apontar qualquer consideração de caráter geral e acrescentar alguma “brasa à minha sardinha”, focalizando a existência de uma realidade territorial contínua entre as águas do Verdugo e as do Lima. Porque se algo fica bem patente na maioria dos contributos aqui reunidos é que os grandes actores da história destas terras durante os séculos da Baixa Idade Média foram, além dos monarcas portugueses e castelhanos, algumas instituições eclesiásticas como o mosteiro de Oia e, nomeadamente, a diocese de Tui que teve de agir entre dois poderes fortes – as arquidioceses de Braga e de Compostela. O mosteiro de Oia possuiu terras e mesmo uma granja ao sul do rio Minho até princípios do século XVI, o mesmo que o bispado de Tui, que logrou manter debaixo do seu governo paróquias situadas entre o Minho e o Lima, de Melgaço a Ponte de Lima ou de Caminha a Viana. Não se trata de proclamar um saudoso irredentismo que não tem lugar no panorama presente, senão de mostrar que “estes povos do Alto Minho e Galiza”, que o autor considera “palco da história nacional” portuguesa, teriam sido durante séculos o contrário de povos de fronteira virados de costas.

Alguns dos percursos mais atraentes do livro – que estão presentes em vários capítulos – são aqueles nos que se dá conta da elevada presença de candidatos galegos a receberem ordens na diocese de Braga ou os pedidos para fazerem vizinhança. A permeabilidade institucional da fronteira, evidente ainda no século XV, nunca esteve encerrada com chave, mas o que importa é que, em menos de quarenta anos (1430-1468), a diocese de Braga conferiu ordens a 597 candidatos galegos, dos quais 228 procediam da diocese de Ourense e 242 da de Tui. Por outro lado, os previlégios concedidos pelo monarca Afonso V às populações do Minho e da Galiza para poderem vizinhar é outra mostra da permeabilidade da raia, mas revela claramente que, no âmbito comunitário e popular, as fronteiras eram pouco mais do que nominais. Na súplica dos vizinhos da vila galega de Baiona a El-Rei D. Afonso V, diz-se que “elles teveram por custume vizinharem com nossos vassalos”. A ideia de fazerem vizinhança é do mais feliz, porque reconhece a existência da raia, o que não evita que o monarca português autorize oficialmente uma prática que está fundada na existência de fortes laços familiares (“casavam os filhos e filhas os de uma parte com outra”) e de comércio de mercadorias (“ouro, prata e armas, bois e bestas”). Em certo modo, esta vizinhança nunca foi extinta de todo, mas o relevante nesta altura é que se trata de um previlégio real que, ao tempo, evitava a possível prática do contrabando.

Fica para penas mais especialistas do que a minha o dizer uma palavra certa sobre as razões político-estratégicas que, de forma progressiva, foram mudando as relações  de fronteira, até que os seus limites são estabelecidos de modo preciso no século XIX. Eu acho que até à guerra da Restauração a ideia de fronteira era pouco firme e mesmo frágil. Mas alguns acontecimentos de finais do século XIV, como a guerra contra Castela ou a influência dos poderes extrapeninsulares (França, Inglaterra e, nomeadamente, o Papado de Roma) nos destino dos reinos cristãos da Ibéria é claro que tenham sido fatores decisivos para uma progressiva aceitação da fronteira política, o que teve repercussões diretas na gestão de patrimónios monásticos ou episcopais de Oia ou Tui, que acabaram por coincidir, na altura de 1512, com os limites territoriais dos reinos de Portugal e da Galiza.

Devo concluir com um reconhecimento e com gratidão. A edição deste livro tem um carácter de homenagem, quer das suas terras de origem, representadas pela Câmara Municipal de Melgaço, quer da Universidade do Minho e da Casa Museu de Monção, à figura de José Marques. Não é frequente que, nos tempos de hoje, se homenageei o trabalho oculto e silencioso de um investigador que viveu anos e anos entre arquivos e pergaminhos, o que é merecedor dos mais sinceros parabéns, Assinala no seu prefácio o professor Capela que “esta obra é um marco em primeira linha para os estudos históricos e diocesanos bracarenses; é-o também para os estudos portugueses” e acho que seria injusto não acrescentar que também vai resultar obra de referência para os estudos medievais galegos. Aos responsáveis desta iniciativa e, em primeiro lugar o professor Capela, fico muito grato pela oportunidade que me foi concedida de colocar umas linhas próprias no incipit deste volume, que são também de admiração pessoal para com o professor José Marques, a quem conheci em tempos longínquos de colóquios monásticos e “galaico-minhotos”. Naquela altura nem mesmo podia imaginar que o passo do tempo me traria esta nova oportunidade de partilhar com o investigador, o professor e o amigo esta alegria de olhar neste volume a obra de toda uma vida. Bem haja…

 

                         Ramón Villares

                        Presidente do Consello da Cultura Galega

                       Professor Catedrático Universidade  Santiago Compostela                                                   

                      Doutor Honoris Causa Universidade do Minho

 

 

ALTO-MINHO E GALIZA. ESTUDOS HISTÓRICOS

JOSÉ MARQUES

Edição:

CASA MUSEU DE MONÇÃO/UNIVERSIDADE DO MINHO

CÂMARA MUNICIPAL DE MELGAÇO

Março de 2017