UMA IDA À VILA II
coriscadas - castro laboreiro
(continuação)
Despiu o casaco claro e, sempre ao lado da mãe, ia descobrindo Melgaço. Sentia-se abafado. A roupa vestida era quente. Os rapazes da Vila andavam vestidos de calções, e em camisa de meia manga, enquanto ele trazia calças de pana e uma camisa de manga comprida.
Nas lojas onde entravam havia sempre muita gente e tinham de esperar para serem atendidas. Antes de a mãe e as vizinhas comprarem qualquer coisa havia muita conversa e tinha a sensação incomodativa de estar sob constante observação das pessoas. Na rua fazia um calor de abrasar e mesmo à sombra transpirava. Estava sequioso mas aquela água de Melgaço parecia caldo e quanto mais bebia mais sede tinha. Já enfastiado disse à mãe para o deixar num banco cá fora, enquanto fazia o resto das compras. Passado algum tempo levantou-se do banco e pôs-se a admirar a torre do Castelo mesmo ali à sua frente, igualzinha à desenhada no livro da escola. Pensou como seria bonito o Castelo de Castro, naquele monte tão alto, se tivesse uma torre daquelas.
Estava na praça central da Vila e resolveu espreitar a montra da loja da frente onde estavam expostos vários relógios e artigos em ouro. Ao lado ficava a Escola Primária e através dos vidros viu algumas crianças da sua idade sentadas nas carteiras, enquanto o professor, de fato e gravata, escrevia números no quadro preto.
Finalmente apareceram todas para irem comer, mas antes a mãe tinha de cambiar uns francos enviados pelo pai, por um conhecido. Para isso tinha de passar na Loja Nova, junto à estrada de Castro Laboreiro.
Sentaram-se num banco corrido de madeira, frente a uma mesa tosca, debaixo de uma latada com uma fonte de água fresca, onde finalmente conseguiu dominar a sede. Como era a hora de calor resolveram aproveitar a fresquidão para fazerem uma sesta até porque dali a uma horas teriam de meter os pés a caminho, e agora era sempre a subir.
Terminado o descanso foram buscar os retratos e o resto das compras e albardaram a mula. Às cinco da tarde, ainda com muito calor, iniciaram o regresso.
Passada a primeira hora já estava todo derreado, embora não se queixasse.
Pararam num sítio com uma fonte para descansarem um pouco e beberem. A mãe notou o cansaço do filho e disse à vizinha para arranjar um espaço em cima da mula, onde, enrolado num cobertor colocado dentro de um berço de vime, fora instalada a criança. Conseguiu ajeitar-se em cima da albarda e retomaram a marcha.
Inicialmente, achou interessante a passagem debaixo das latadas, quando atravessaram os lugares, mas o andar desengonçado da mula, tentando escolher o melhor sítio para colocar as patas, e o constante roçar da cabeça pelas silvas e ramos atravessados no caminho acima da altura do animal depressa o convenceram ser preferível ir a pé. Assim, passada uma hora daquele bambolear permanente, e de alguns arranhões, pediu à mãe para o ajudar a descer. A parte mais íngreme do caminho também já estava percorrida. Seguia-se uma tirada por um carreiro rodeado de mato de pequena inclinação, finda a qual iriam merendar porque faltava menos de metade do caminho.
A partir de Alcobaça foi tomado pelo cansaço provocando-lhe uma senolência na qual as pernas pareciam movimentar-se sem dar por isso. Só com uma sacudidela provocada pelo tropeçar numa pedra solta ou pelo colocar do pé nalgum buraco do leito inacabado da estrada, voltava à realidade. Finalmente, com o sol a esconder-se atrás da Fraga da Franqueira, alcançaram Portelinha onde pararam. O ar fresco do fim da tarde, o cheiro da erva e o badalar dos chocalhos das vacas a recolherem ao eido, fê-lo despertar.
Daí até às Coriscadas foi revivendo o dia. No caminho para Melgaço vira coisas novas e fê-lo quase sem dar por isso. Na Vila tinha gostado do Castelo e de algumas lojas com muitas novidades para ele. Melgaço era muito quente e abafado e as pessoas pareceram-lhe desconfiadas, mas agora podia responder aos outros rapazes quando falavam com vaidade por conhecerem a Vila. Além disso vira as videiras em latadas e o Rio Minho, ao longe.
O PEGUREIRO E O LOBO
Estórias de Castro Laboreiro
MANUEL DOMINGUES
Edição Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro
2005
pp. 69-75