OLINDA CARVALHO, UMA GRANDE CONTADORA DE HISTÓRIAS III
(continuação)
Lá estavam eles, agarrados como cães, ela quase sem roupa e ele com as calças e as ceroulas enroladas aos pés. Seu badalhoco, era ali, então, o ensaio final do desfile! Ela dava-lhes já o ensaio, mas era a rameira que ela queria tratar, queria-lhe ver as fuças primeiro. Iam-lhe caindo os queixos com a surpresa: então não é que a descarada era uma moça nova, airosa, quase de casamento aprazado com um vizinho que tinha ido para a França, havia menos de um mês! Sua galdéria, ia ver o que acontecia a quem se metia com seu homem. Os seus ouvidos ficaram surdos para o que um e outra diziam, dominava a sua voz alterada e fazendo apelo a todos os insultos que lhe acorriam. Deu um empurrão ao homem que se agarrou às calças e deitou a mão aos cabelos da Joaquina, fazendo tenção de a arrastar para o exterior, sem lhe permitir que se vestisse. Imune aos gritos da rapariga e aos apelos tímidos do Peres, puxou-a pelos cabelos para o caminho e começou a gritar, que acudissem, para verem com os próprios olhos a sem vergonha que se metera debaixo do seu homem, com vadias daquelas por perto mulher alguma podia estar descansada, era um desaforo, uma afronta, o mundo às avessas.
Acudiam as vizinhas mais próximas e a ofendida a sacar de uma tesoura da algibeira e a lançar-se, assanhada, às tranças da rapariga. Era assim, para que vissem, que se tratava uma vadia daquela espécie. Insensível aos gritos da ré, também de nada valeu a interferência das velhas que aconselhavam calma, já chegava, que a deixasse, para vergonha já tinha a sua conta. Só quando a cabeleira estava reduzida a uns escassos centímetros de comprimento, várias peladas a espaços, diminuiu a força bruta contra a jovem, olhou-a da cabeça aos pés e largou-a. Estava satisfeita, tinha a honra vingada, a dela e a de todas que se deixavam enganar por valdevinas sem eira nem beira, que não sabiam manter-se no seu lugar.
A Joaquina recolheu-se no palheiro até ao cair da noite, quando a patroa a foi buscar. O guarda Peres retornou ao seu lugar de plantão no posto e aí pernoitou, comprometendo de certa maneira os festejos do entrudo ao recusar terminantemente o seu prestimoso contributo. Não se falava de outra coisa, velhos, novos e crianças tinham algo a acrescentar ao que alguém contava sobre o caso inusitado da criada da tia Rosa apanhada no palheiro a retouçar com o guarda Peres e vítima da fúria vingativa da mulher exercendo castigo pelas próprias mãos.
A Joaquina não aguentou a pressão e voltou para casa da mãe poucos dias depois do escândalo. O casório mais ou menos falado com o Alberto foi à vida, o rapaz ficou anos sem pôr os pés na terra e nunca mais ninguém o ouviu falar do assunto. A coitada também não teve muita sorte na terra dela e acabou por voltar de cabeça baixa ao local do crime, depois de o Peres ter sido promovido a cabo e se ter mudado com a família para outro posto. De toda aquela confusão perdura a sanha vingativa da mulher enganada e a vitória dos de Andorinho que aproveitaram a desistência do Peres para dar mais brilho ao seu desfile de Carnaval.
Olinda Carvalho
Publicado em A Voz de Melgaço
Fevereiro 2015
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