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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O CAGARRÃO DO EMILIANO

melgaçodomonteàribeira, 21.01.17

74 b2 - fachada do cagarrão.JPG

 

O TI EMILIANO

 

Por motivos nunca devidamente esclarecidos entre a opinião pública o Emiliano e o Pires desentenderam-se. Cada um foi para seu lado fazendo-se concorrência com carro de praça. Cada um comprara um Ford modelo A, 1929.

O Emiliano habilitou-se e ganhou a concorrência para cobrar o imposto indirecto devido à Câmara Municipal pelos comerciantes e negociantes. Por cada mercadoria entrada no concelho e as artesanalmente confeccionadas e vendidas, teria de ser pago um tributo estimado em percentagem sobre o valor de venda. A Câmara Municipal atribuía a essas transacções para efeito de orçamento, um valor global que o arrematante teria de pagar em tantas parcelas quanto fosse convencionado. O Emiliano com a ajuda de cobradores ha-doc exercia fiscalização rigorosa e cobrança imediata a tendeiros e vendedores avulsos nos dias de feira e festas, e mensalmente do comércio regular estabelecido. O lucro deixado por essa actividade deu ao Emiliano um status de prosperidade nunca antes visto naquela terra. O bafo da riqueza era patente. A circulação de mercadorias era intensa mormente aquelas destinadas ao contrabando: galinhas, ovos, chocolate, cigarros, sabão e outras, tão necessárias na vizinha Espanha que se envolvera em guerra civil.

Por vários anos o Emiliano renovou o contrato, sempre aumentando o valor do lance na concorrência para afastar outros concorrentes. Tudo caminhava a contento, contento demais que impelia o Emiliano a exagerar na ostentação de riqueza. A sua casa denominada Cagarrão pendurada nos fojos da muralha transformou-se numa deslumbrante vivenda agora debruçada sobre a nova e panorâmica avenida que a administração municipal sob a presidência do Dr. João Durães, havia construído. Tudo que o modernismo proporcionasse, comodidade e luxo, pusera o Emiliano em sua requintada casa. Rádio, ventilador para os dias de calor e calorífero para os dias de inverno, água encanada com bomba eléctrica para a puxar do poço. Construiu um grande galpão anexo à casa destinado a garagem e oficina. Um belo jardim e pomar embelezavam a fachada virada para a avenida nova. O térreo da casa era uma grande adega onde grandes pipas cheias do melhor vinho da região estavam à disposição do enorme grupo de “amigos” que frequentavam a sua casa. Comprou o casarão no Rio do Porto onde, até há pouco funcionara o quartel do Bombeiros; reformou-o completamente, ficou sem utilidade definida.

O Emiliano e a Ana tiveram uma filha, a Ausenda, que faleceu com poucos anos de idade. Posteriormente voltou a Ana a engravidar com a agravante de ter-se manifestado nas trompas. Estaria condenada não tivesse o Emiliano os necessários recursos e os pais dela morando no Porto. Transferiu-se para aquela cidade onde se submeteu a delicada cirurgia. Depois de prolongada internação e demorado restabelecimento ficou a Ana quase nova em folha não fosse a sequela que impossibilitava novas gestações e a ausência de prazer no acto sexual.

O Emiliano era louco por crianças. Rodeava-se de sobrinhos, especialmente os rapazes que na altura eram três do irmão Augusto, quatro da irmã Amália, por serem os mais jovens, outros sobrinhos já casados com família não gozavam tanto dos carinhos do Emiliano, mas era vê-los, uns e outros, nos dias de romaria farreando alegremente, espalhando alegria. Era a troupe do Emiliano como lhe chamava o povo. Corriam os últimos anos trinta e primeiros anos quarenta.

 

                                                                                                                                        MANUEL IGREJAS