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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

OS FORAIS DE MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 28.01.17

1 - 31 d2 - forais melgaço.jpg

 

A cultura tem constituído preocupação primária na nossa política municipal. A Câmara de Melgaço tem investido na recuperação do património e na criação de infra-estruturas e equipamentos, assim como na acção cultural e na publicação de livros e textos que registam passagens importantes da nossa história colectiva.

Com a concessão do primeiro foral em 1183, D. Afonso Henriques deu estatuto jurídico e administrativo a Melgaço, fundando assim o nosso concelho.

Ao longo da Idade Média e Moderna foram concedidos mais dois forais, um em 1258 por D. Afonso III e o outro em 1513 por D. Manuel I, vendo assim Melgaço reconhecida a sua autoridade concelhia.

Estando a decorrer a passagem dos 820 anos do primeiro foral de Melgaço, considerou a Câmara Municipal que a publicação dos três forais constituía um investimento cultural que se impunha por se tratar de documentos que são autênticos símbolos de autoridade concelhia e de grande valor patrimonial que marcam três fases importantes da vida da nossa terra.

Ao darmos a conhecer aos Melgacenses e ao exterior marcos tão importantes da nossa história estamos a preservar as nossas raízes e a promover o nosso concelho.

Uma palavra final de agradecimento sincero ao ilustre Melgacense Prof. Doutor José Marques que com esta publicação presta mais um enorme serviço ao nosso Município.

Continuamos a construir o futuro de Melgaço, preservando e engrandecendo os valores da nossa cultura.

 

                      O Presidente da Câmara Municipal

 

 

Os Forais de Melgaço

José Marques

Edição Câmara Municipal de Melgaço

2003

 

O CAGARRÃO DO EMILIANO

melgaçodomonteàribeira, 21.01.17

74 b2 - fachada do cagarrão.JPG

 

O TI EMILIANO

 

Por motivos nunca devidamente esclarecidos entre a opinião pública o Emiliano e o Pires desentenderam-se. Cada um foi para seu lado fazendo-se concorrência com carro de praça. Cada um comprara um Ford modelo A, 1929.

O Emiliano habilitou-se e ganhou a concorrência para cobrar o imposto indirecto devido à Câmara Municipal pelos comerciantes e negociantes. Por cada mercadoria entrada no concelho e as artesanalmente confeccionadas e vendidas, teria de ser pago um tributo estimado em percentagem sobre o valor de venda. A Câmara Municipal atribuía a essas transacções para efeito de orçamento, um valor global que o arrematante teria de pagar em tantas parcelas quanto fosse convencionado. O Emiliano com a ajuda de cobradores ha-doc exercia fiscalização rigorosa e cobrança imediata a tendeiros e vendedores avulsos nos dias de feira e festas, e mensalmente do comércio regular estabelecido. O lucro deixado por essa actividade deu ao Emiliano um status de prosperidade nunca antes visto naquela terra. O bafo da riqueza era patente. A circulação de mercadorias era intensa mormente aquelas destinadas ao contrabando: galinhas, ovos, chocolate, cigarros, sabão e outras, tão necessárias na vizinha Espanha que se envolvera em guerra civil.

Por vários anos o Emiliano renovou o contrato, sempre aumentando o valor do lance na concorrência para afastar outros concorrentes. Tudo caminhava a contento, contento demais que impelia o Emiliano a exagerar na ostentação de riqueza. A sua casa denominada Cagarrão pendurada nos fojos da muralha transformou-se numa deslumbrante vivenda agora debruçada sobre a nova e panorâmica avenida que a administração municipal sob a presidência do Dr. João Durães, havia construído. Tudo que o modernismo proporcionasse, comodidade e luxo, pusera o Emiliano em sua requintada casa. Rádio, ventilador para os dias de calor e calorífero para os dias de inverno, água encanada com bomba eléctrica para a puxar do poço. Construiu um grande galpão anexo à casa destinado a garagem e oficina. Um belo jardim e pomar embelezavam a fachada virada para a avenida nova. O térreo da casa era uma grande adega onde grandes pipas cheias do melhor vinho da região estavam à disposição do enorme grupo de “amigos” que frequentavam a sua casa. Comprou o casarão no Rio do Porto onde, até há pouco funcionara o quartel do Bombeiros; reformou-o completamente, ficou sem utilidade definida.

O Emiliano e a Ana tiveram uma filha, a Ausenda, que faleceu com poucos anos de idade. Posteriormente voltou a Ana a engravidar com a agravante de ter-se manifestado nas trompas. Estaria condenada não tivesse o Emiliano os necessários recursos e os pais dela morando no Porto. Transferiu-se para aquela cidade onde se submeteu a delicada cirurgia. Depois de prolongada internação e demorado restabelecimento ficou a Ana quase nova em folha não fosse a sequela que impossibilitava novas gestações e a ausência de prazer no acto sexual.

O Emiliano era louco por crianças. Rodeava-se de sobrinhos, especialmente os rapazes que na altura eram três do irmão Augusto, quatro da irmã Amália, por serem os mais jovens, outros sobrinhos já casados com família não gozavam tanto dos carinhos do Emiliano, mas era vê-los, uns e outros, nos dias de romaria farreando alegremente, espalhando alegria. Era a troupe do Emiliano como lhe chamava o povo. Corriam os últimos anos trinta e primeiros anos quarenta.

 

                                                                                                                                        MANUEL IGREJAS

UMA CASA FIDALGA

melgaçodomonteàribeira, 14.01.17

23 a2 - casa ferreira silva.JPG

 

 

CASA DO RIO DO PORTO

 

 

 Sita na freguesia da Vila, SMP. As armas foram concedidas, a 1/9/1793, ao Dr. João Manuel Gomes de Abreu Cunha Araújo. O primeiro membro dessa família a residir no Rio do Porto parece que foi o Dr. João António, nascido no século XVIII, filho de Bento da Cunha Araújo e de Maria Gonçalves, ou Maria Martins (moradores na Rua do Campo, depois Rua do Espírito Santo, perto da igreja matriz da Vila), casado com D. Maria Gomes de Abreu, ou D. Mariana Gomes Figueiroa (ver “O Meu Livro das Gerações Melgacenses”, vol. I, p. 409). Na obra citada, p. 410, lê-se: «Ora em 17/5/1748 D. António da Glória, mestre doutor de Sagrada Teologia na Universidade de Coimbra e Prior Donatário do Real Mosteiro do Salvador de Paderne e os mais padres conciliares emprazaram por três vidas aos fidalgos da Casa do Rio do Porto o prazo das Serenadas, que pertencera à família da mulher.» No entanto, quem solicitou à rainha D. Maria I a justificação de nobreza e mandou colocar as pedras de armas no frontispício da Casa foi o Dr. João Manuel Gomes de Abreu Cunha Araújo, filho do Dr. João António de Araújo e de D. Mariana Gomes de Abreu, neto paterno de Bento da Cunha Araújo e de D. Maria Martins, e bisneto de Gonçalo da Cunha Araújo e de D. Catarina Esteves; e neto materno de João Gomes de Abreu e de D. Maria Gomes de Figueiroa, e bisneto de Manuel Gomes de Abreu e de D. Jerónima de Castro. Este Dr. João Manuel casou, a 6/8/1768, com D. Isabel Maria, filha do capitão Manuel Luís Pereira da Gama e de Maria de Araújo, moradores no Campo da Feira de Fora, SMP, e faleceu em 1813.

 É curioso que esta Casa Solar tenha sido adquirida, na década de vinte do séc. XX, pelo então secretário de finanças em Melgaço, Ernesto Viriato dos Passos Ferreira da Silva, de Braga, casado em Melgaço a 21/9/1918 com Margarida Maria, neta ilegítima do fidalgo da dita Casa, Caetano José de Abreu Cunha Araújo, e de Margarida Carolina de Castro Álvares de Barros. O acontecimento gerou polémica, pois Ernesto Viriato era o chefe dos republicanos no concelho, e foi Governador Civil de Viana em 1925. Acusaram-no de monárquico, mas ele argumentou publicamente que comprara aquela Casa fidalga porque estava em ruínas e queria recuperá-la. O certo é que ali viveu com a família, com o peso daqueles brasões à porta de entrada.

 

Dicionário Enciclopédico de Melgaço II

Joaquim A. Rocha

Edição do autor

2010

p.127

 

Joaquim A. Rocha é o editor do blog Melgaço, Minha Terra

 

MELGAÇO, TRANSACÇÕES COMERCIAIS NO SEC. XV

melgaçodomonteàribeira, 07.01.17

14 b2 - figuras medievais.jpg

festa da cultura

 

 

A FRONTEIRA DO MINHO NOS FINAIS DA IDADE MÉDIA: ASPECTOS SÓCIO-ECONÓMICOS

(…)

 A perturbação das relações de vizinhança era uma constante exposta ao monarca desde Caminha até Ponte de Lima. As vilas de Melgaço e Castro Laboreiro também não deixaram de fazer chegar ao seu conhecimento, os problemas que mais os afligiam. Na verdade, o que mais preocupava os moradores da vila de Melgaço era o estrangulamento económico provocado pelo pagamento das portagens, extensivo aos moradores do termo.

Por isso, os seus procuradores, pediram e obtiveram, para os moradores da vila e seu termo, isenção de portagem de tudo o que levassem e trouxessem de outros lugares do reino e fora dele, para se estimular a vida comercial e económica local.

Quanto aos moradores de Castro Laboreiro, por carta outorgada a D. Afonso V, sabemos que era costume antigo vizinharem com as vilas galegas de Milmanda e Araújo, consubstanciado no privilégio de fronteira livre, que lhes permitia transaccionar e transportar, sem quaisquer «embarguo» ou «contradiçom», pão, vinho e outras coisas necessárias e na regalia de irem lá apascentar os seus gados, podendo por sua vez, os moradores das referidas vilas galegas vir apascentar os seus nos montes de Laboreiro.

A intensa acção fiscalizadora dos guardas dos portos atingia frequentemente os galegos com a perda dos gados e restantes mercadorias. Fruto do afastamento a que tais atitudes os levavam, a população de Laboreiro entrava num acentuado isolamento que gerava grandes problemas de subsistência, até então atenuadas com o trato com as ditas populações galegas. Para fazer face a esta situação de necessidade D. Afonso V teve de abrir mais uma excepção às leis atinentes à guarda das fronteiras, «porquanto a dicta terra era muito fragosa e se ho assy nam fezessem se nam poderiam manter nem soportar ouvemos por bem elles vizinharem e trautarem com os sobredictos assy como sempre teveram de custume».

Ficaram assim demonstradas as dificuldades levantadas às populações do Alto Minho pelos guardas dos portos em meados do século XV, obstáculo que o monarca resolveu através da concessão e/ou confirmação de privilégios.

Das várias cartas de privilégios outorgadas pelo rei conclui-se que as mercadorias mais transaccionadas na fronteira do Alto Minho eram: pão, vinho, carnes, pescado, sal, gado (bovino e cavalar), ouro, prata, moeda, ferro e aço, além de outras não especificadas.

Na base destas transacções comerciais, legais ou fraudulentas, estava a prática de um tradicional convívio entre as populações do entre Minho e Lima e do reino de Castela, dificultado e até interrompido por disposições do poder central.

 

Teresa de Jesus Rodrigues

Revista da Faculdade de Letras

 

http://ler.letras.up.pt