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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

O CARTULÁRIO DO MOSTEIRO DE FIÃES

melgaçodomonteàribeira, 31.12.16

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O principal objectivo da publicação de qualquer cartulário medieval ou moderno é sempre proporcionar aos interessados a sua leitura integral e rigorosa, de forma a perspectivar a riqueza do seu conteúdo, por mais variado que ele seja, pelo que, em princípio, seria redundante e verdadeiramente desnecessário iniciar a sua apresentação com uma justificação. Neste caso, porém. Cremos indispensável elucidar os leitores sobre os motivos subjacentes a esta edição, tanto mais que, em 1995, o Moseo Arqueolóxico Provincial de Ourense publicou este códice do Arquivo Distrital de Braga, integrado na Universidade do Minho, com o título de Tumbo de Fiães, atribuindo a responsabilidade e os primórdios da preparação da edição literária a Xesús Ferro Cousedo, então já falecido.

(…)

 

O CARTULÁRIO DO MOSTEIRO DE FIÃES

(ADB, Ms. 1052)

Vol. I – Introdução. Transcrição. Índices

Autor: José Marques

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

Agosto 2016

 

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NOTA PRELIMINAR

 

A edição fac-similada do Cartulário do Mosteiro de Fiães, se para nós representa a concretização de um sonho, há muito acalentado, mas que, no contexto económico e social dos últimos anos, não ousávamos propor, tornou-se realidade, mêrce de várias circunstâncias que permitiram podermos depositá-lo, hoje, nas mãos dos leitores, às quais não terá sido estranha a discreta intervenção de S. Bento, aqui venerado, pelo menos, desde a primeira metade do século XII.

 

O Cartulário do Mosteiro de Fiães

Vol. II – Fac-Simile

Autor: José Marques

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

Agosto 2016

 

CAVALEIRO FIDALGO DA CASA REAL

melgaçodomonteàribeira, 25.12.16

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JOÃO CAETANO GOMES DE ABREU MAGALHÃES

 

Nasceu na vila em 1 de Fevereiro de 1744, recebeu em Coimbra o grau de bacharel formado, foi Cavaleiro Fidalgo da Casa Real e por morte de seu irmão primogénito a lei chamou-o à administração do morgado dos Chãos e dos bens deixados em capela por João Gomes de Magalhães.

Em 1782 morava no Campo da Feira de Dentro e já era sargento-mor das ordenanças de Melgaço.

Como o bacharel João Caetano gostava de brincar com as moças e as galanteava com frequência, em volta delas borboleteava em muitas ocasiões. E de tal rosquedo veio sempre ao mundo uma pequena maravilha. Assim, em Maria Josefa Teixeira, solteira, nascida nesta vila nortenha e filha de António Manuel Teixeira e de Maria Antónia Rodrigues, solteira e galega de Crecente, nasceu-lhe o filho natural Francisco Manuel de Magalhães, que casou com Maria da Agonia e faleceu em 27 de Julho de 1887.

E em Escolástica Maria de Araújo, solteira, da Orada, filha de Jerónimo Gomes e mulher Ângela de Araújo houve outro filho bastardo Manuel Luís Gomes de Abreu Magalhães, mais tarde perfilhado e casado com D. Antónia Joaquina Pinheiro de Castro.

Título – Magalhães, da Orada.

João Caetano casou em primeiras núpcias de ambos no dia 6 de Fevereiro de 1780 com D. Caetana Maria Isabel de Abreu Soares.

Título – Soares da Nóboa, de Remoães.

  1. Caetana faleceu em 11 de Fevereiro de 1787 tendo sido sepultada na Misericórdia a seu pedido e junto da porta principal mas da parte de dentro.

Viveram no Campo da Feira de Dentro e mais tarde em Galvão de Baixo.

 

O MEU LIVRO DAS GERAÇÕES MELGACENSES

Volume II

Augusto César Esteves

Edição da Nora do Autor

Melgaço

1991

pp. 94-95

HISTÓRIA DE UMA VIDA

melgaçodomonteàribeira, 17.12.16

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INTRODUÇÃO

 

Foi a instâncias da família que decidi alinhavar aspetos da minha vida no dia em que fiz 87 anos.

É um tanto arriscado, porque a memória já tem falhas, e há datas e nomes que já passaram à sonolência, assim como a cronologia dos acontecimentos. Só resta o que resta na memória.

Mas, se há lapsos de memória, o que fica escrito foi feito com honestidade sem intenção de distorcer. Ajudaram-me muito cartas que a Molly escreveu à mãe, de Timor e Austrália, cartas essas que lhe foram devolvidas depois de a mãe falecer. Aquelas cartas foram úteis para lembrar datas e episódios que já estavam em hibernação.

A linguagem é simples e direta, sem floreados. E não seria de esperar escrita mais elevada, considerando que deixei Portugal há mais de 60 anos. A sequência também não obedece a qualquer plano ou metodologia, fui escrevendo o que fui lembrando.

Não se trata, pois, de obra literária, mas sim dum repositório de eventos relacionados com uma vida cheia de experiências variadas.

 

 

HISTÓRIA DE UMA VIDA

Carlos Pereira de Lemos

CHIADO Editora 

Junho 2016

 

"O meu nascimento em 1926 não foi auspicioso. Quando tinha oito meses dirigi-me de gatas a uma lareira e peguei num carvão em brasa, o que deixou a mão direita arruinada para a vida inteira. Isto como resultado de assistência médica muito rudimentar no hospital de Melgaço e só quando tinha oito anos é que se resolveu o problema, tendo o dedo médio sido amputado porque estava ligado à palma da mão. Mas foi uma meninice de sofrimento. Felizmente em nada afetou as minhas futuras actividades e até teve um benefício, livrou-me de fazer o serviço militar."

 

Obrigado Comendador,

tem no sangue as nossas serras, vales, lonjuras do alto dos Laboreiro a olhar pra todo mundo.

 

CASTRO LABOREIRO E O CINEMA

melgaçodomonteàribeira, 10.12.16

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CASTRO LABOREIRO

UN DOCUMENTAL DE RICARDO COSTA, 1979

 

Xulio Medela

“Há mais poesia num grão de realidade do que no cérebro dos poetas"

Marcel Mauss

 

As terras arraianas do Laboreiro son eterna fonte de inspiración fílmica. De Lobos da serra a Viagem ao princípio do mundo, pasando pola mítica A cruz de ferro, non é estraño que Ricardo Costa tivese reparado neste universo para crear aquí un dos catro filmes que produciu para a serie da RTP O homem montañes.

Doutor en letras pola Universidade de Lisboa, e depois dunha primeira etapa como editor e investigador de textos sociolóxicos, Ricardo Costa logo se tornou realizador, guionista e produtor, inseríndose plenamente no movemento denominado ‘Novo Cinema Português’, sendo un dos máximos representantes do subxénero coñecido como ‘docuficción’ ou ‘etnoficción’ inspirado directamente pola obra do antropólogo francês Marcel Mauss e do etnocineasta Jean Rouch.

Castro Laboreiro foi proxectado publicamente, se cadra pola primeira vez, nas xornadas que cada agosto organiza o Núcleo de Estudos e Pesquisas dos Montes Laboreiro. Cunha duración de 85’, Costa articula o filme en tres partes: “Inverneiras”, “Transumâncias” e “Brandas”, que reflicten con exactitude (ainda que con certo manierismo, no estilo de António Jorge Dias en Vilarinho das Furnas) o modus vivendi e operandi dunha comunidade en dificilísimo equilíbrio cunha hostil contorna natural, sendo a emigración a consecuencia lóxica desa constante perda de equilíbrio en favor da ‘montaña’ e en detrimento do ‘homem’.

Ricardo Costa realiza unha obra non exenta dun fondo sentido poético, mesmo con momentos de abstracción. Coñecedor da obra de Mauss, o filme aparece ‘impregnado’ de sentido etic, en que a expresión pura, científica e núa da realidade prima sobre calquera intención ou propósito, mesmo o de ‘preservar’ un modo de vida condenado á extinción irremediable. De aí a extrema calidade desta obra.

Este filme, cheo de encanto, é unha marabillosa xoia que resulta da loita entre cinema directo e tentativa ficcional. Recomendamos encarecidamente o seu visionado e agradecemos aos xerentes do Núcleo de Estudos e Pesquisa dos Montes Laboreiro a súa laboriosa e complicada localización e recuperación e a oportunidade que tivemos de poder gozar dun produto cultural trás do que había tanto tempo que andabamos.

 

Retirado de:

 www.academia.edu/6875499/_Montes_Laboreiro_Palmilhando_uma_raia_carregada_de_séculos

 

SAGRADO E PROFANO

melgaçodomonteàribeira, 03.12.16

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                                 texto e desenho de manuel igrejas

 

O SAGRADO E O PROFANO EM MELGAÇO NOS ANOS 30 DO SÉCULO XX

 

Tradição enraizada na fé do povo da Vila de Melgaço, era, em Maio, a devoção ao Sagrado Coração de Maria quando acontecia festividade e a Primeira Comunhão das crianças.

Naquele ano a preparação em torno dos preparativos no que respeita à solenidade eucarística, foi fora do comum.

As famílias empenharam-se ao máximo para que as suas crianças fizessem boa figura. Tanto mais importante que o sacramento que pela primeira vez as crianças iam partilhar era o exibicionismo nas roupagens. Nos rapazes não dava para variar muito nas calças e na camisa branca e em alguns com casacos. Já nas raparigas era ver o luxo nos tecidos e modelos dos vestidos.

A maioria da rapaziada aprendia as orações obrigatórias em casa com a família, geralmente as mães; a doutrina, os princípios teológicos, eram ensinados pelas catequistas, as Donas Leonor e Emília Durães, com ajuda de outras senhoras, durante algumas semanas, diariamente, à tarde. O Padre Firmino que paroquiava as freguesias de Prado e da Vila, aparecia raramente para dar ênfase aos pecados e ameaçar com o fogo do inferno. Numa das prelecções, quando frisava que o fogo do inferno era eterno, o Manel do Jacob observou: - então a gente acaba por se habituar…

No domingo da festa, logo cedo, o Augusto do Félix chamou o seu pimpolho para se arranjar com esmero. O Manel e o Rogério, ambos fazendo a sua primeira comunhão, vestiam a rigor com fatos pretos confeccionados especialmente. Era o Manelzinho o mais novo da turma entre rapazes e raparigas. A maioria ou a totalidade daquelas crianças, por serem muito novas, não tinham a verdadeira noção do que iam fazer, e o Manel, a par da vaidade que a sua figura proporcionava aos parentes sofria tremenda expectativa ao pensar que não iria corresponder às recomendações. O primeiro dilema já fora no dia anterior quando voltou da confissão e em meio a uma brincadeira mandou o irmão à merda. O Ná, que trabalhava na alfaiataria, para o arreliar disse-lhe que a palavra era pecado.

Foi preciso o pai dizer-lhe que não era tão pecado assim, para o sossegar.

 A entrada para a igreja, mal comparando, teve alguma semelhança com o desfile de carnaval. Os adultos já superlotavam a nave da matriz da Vila. As crianças assumiram os lugares que lhe estavam reservados em bancos corridos a todo o comprimento da igreja. As pessoas em pé ou ajoelhadas na hora apropriada (ainda não existiam os bancos). Como era missa de festa, solene, como determinava o protocolo, teve sermão. O padre Artur, de Penso, o mais consagrado orador da região, inspiradíssimo, como sempre, arrebatou os fiéis em prolongada dissertação, em dado momento exortou as crianças a pedirem perdão aos pais. Foi uma tremenda confusão. As crianças procuravam o pai ou a mãe empurrando as pessoas. O Manel tinha visto o pai no coro, ia ser difícil passar pelo meio das criaturas e subir lá, sorte que a mãe estava perto e ele não vira, ela é que veio dar-lhe um abraço. Ao receber a comunhão empertigou-se numa atitude solene. A hóstia colou-se no céu da boca e ele não conseguia despegá-la sem que tocasse nos dentes o que lhe fora advertido ser pecado. Assustado, estava a ponto de chorar quando lhe valeu o António Toca, também conhecido por Nossa Senhora, que vinha com um copo d’água auxiliar as crianças naquela dificuldade. Durante o dia tudo foi festa: procissão, banda de música e muita gente andando para cá e para lá. Era gostoso o Melgaço naquele tempo.

A juventude melgacense quando sentia falta em que se ocupar fora dos seus ofícios organizava grupos de futebol. O Sport Club Melgacense fora reorganizado duas ou três vezes mas por pouco tempo vingava. O Toninho do Augusto do Félix que aparecia como adolescente promissor, líder dos rapazes na sua faixa de idade, com o João do Padeiro, fundou um grupo de futebol a que deu o pomposo título de União Artística Melgacense. As novidades sempre empolgavam e logo adquiriram o equipamento, um jogo de camisolas com listas verdes e brancas, verticais. Sobravam rapazes naquele tempo. Os irmãos, Carriço e Mi da Amália, mais o Carlota e outros, organizaram um grupo adversário, Atlético Club Melgacense, de início com as camisolas do extinto Sport. Logo se manifestou grande rivalidade no campo de jogo e muito mais fora dele. O povo da terra também por não ter  em que se envolver acudia por um ou por outro grupo, conforme o parentesco ou amizade com os jogadores. Segundo comentavam, antigamente as disputas eram entre os partidos políticos, diversão proibida naquela época. Jogaram algumas vezes entre si, ganhava um e ganhava o outro. Para aquilatar a soberania fora do campo organizavam bailes ao despique no carnaval. O União promovia os seus bailes na sala da Chico da Serra, ali no início da rua Direita, em frente à igreja, encostada à Farmácia Barreiros. No terreno o João Cataluna acabava de montar a Pensão Olímpia. O Atlético promoveu seus bailes no Salão Pelicano. Mais que os próprios bailes a sensação que os rapazes do Atlético imprimiram os seus carnaval foram os cortejos que antecediam.

O Sr. Silva, o mestre da marinha, pessoa grada e muito respeitada atendeu aos apelos e envolveu-se nos desfiles do Atlético. Foi ele o responsável pelos temas, organização e ensaios dos cortejos. Demonstrou grande capacidade de coreografia que redundou no grande sucesso dos desfiles. No largo da Calçada, onde tinha a bomba de gasolina do Sr. Teixeira, reunia-se a turma e se organizava conforme o tema a desenvolver no desfile. Rapazes e raparigas fantasiados de acordo, saíam cantando rua abaixo, Terreiro, rua Direita até ao Salão Pelicano. Durante quatro sábados apresentaram cortejos em temas e canções. O último foi uma apoteose. Uma réplica do castelo, iluminada por dentro, transportada como um andor, encheu os olhos do povo e muito aplaudido. A música entoada por todos os componentes fantasiados e sacudindo enfeites nas mãos, com letra brejeira sobre a música duma canção em voga, que em dado trecho dizia: Meu patrão mandou-me embora, mas não foi por roubar nada, foi só por molhar a pena, no tinteiro da empregada…

Como acontecera com outras manifestações também esta feneceu. A empolgação inicial logo dava lugar ao desânimo pela monotonia da repetição. Era como uma doença endémica.

 

 

                                                                                                                       Manuel Igrejas

 

Publicado em: A Voz de Melgaço