O ASSASSINO TOMÁS DAS QUINGOSTAS
UM CRIME EM MELGAÇO NO SÉCULO XIX
Fevereiro de 1828. D. Miguel, irmão de D. Pedro IV, assume a regência do reino e jura a Carta Constitucional. Em Março do mesmo ano dissolve o parlamento; em 3 de Maio convoca as Cortes. Estas, restauram o regime tradicionalista, isto é, proclamam D. Miguel rei absoluto.
Os liberais não gostaram; organizam a oposição. É a guerra civil! Acaba em 1834, depois da derrota dos miguelistas. O rei parte para Viena de Áustria e nunca mais põe os pés em território nacional.
Estávamos em plena guerra fratricida; por todo o país D. Miguel perseguia incansavelmente os liberais; estes defendiam-se como podiam e sabiam. D. Pedro, vendo que as coisas não se resolviam, abdica em 1831, a favor de seu filho, a coroa do Brasil e dirige-se a França e Inglaterra em busca de auxílio, a fim de reconquistar o trono português para sua filha D. Maria da Glória (mais tarde D. Maria II).
Melgaço vivia dias agitados. Tomás das Quingostas aterrorizava toda a gente. Ninguém sentia segura nem a vida, nem a fazenda. Com a sua temível quadrilha matava e roubava com o maior desplante. A lei era ele. Por onde passava, deixava rastos de sangue e amargura. Uma das suas vítimas mortais foi o jovem João Vicente. Rapaz pouco dado a bens materiais e a folguedos tencionava seguir, logo que as condições o permitissem, a carreira clerical. Só a sua mãe conhecia o segredo. Em 17 de Março de 1829 esta faz-lhe saber que tudo está pronto para ele poder assim concretizar seu sonho.
Enquanto não ingressa no Seminário vai tentando não se envolver em conflitos ideológicos ou bélicos. Ajuda na administração da Casa e de vez em quando visita as pesqueiras que a família possui no rio Minho, fiscalizando também a faina dos pescadores. Nesse tempo as lampreias, os sáveis e os salmões saíam em abundância. Era, sem dúvida, um bom ano.
João Vicente tinha a estima de toda a gente de Melgaço. A sua índole calma e generosa granjeava-lhe amizades e respeito. Parecia que a sua vida decorreria sempre assim: ajudando quem dele precisasse, materialmente ou com a sua palavra amiga e sábia.
No entanto, o seu destino já estava traçado. A morte estava próxima.
Naquela noite fatídica de 21 de Março de 1829, noite chuvosa, trilha o caminho que o leva ao rio. Parecia até um fantasma com a croça sobre o seu corpo miúdo. Não se via um palmo à frente do nariz, mas como ele conhecia bem o caminho não haveria qualquer problema. A croça não lhe serviria de muito com a chuva.
Chega perto das pesqueiras, ouve o barulho amigo das águas e com seus olhos habituados à escuridão, perscruta-as. As redes lá estão. Tudo em ordem.
Na tarde do mesmo dia um grupo de homens, à cabeça Tomás das Quingostas, combinava o assalto a uma aldeia galega. Tinham lá gente da mesma laia que com eles colaboravam e desse modo esperavam roubar o suficiente para uns longos dias. Depois de tudo combinado até ao pormenor, foram lentamente descendo o monte em direcção ao rio. Aguardariam ali o sinal e depois atravessariam na batela que estava escondida sob umas espessas ramagens. Esperaram, esperaram, e nada de sinal. Pensaram então que algo se tinha passado com os seus amigos galegos. Outro dia seria. Tomás disse aos seus homens que se dispersassem. Com ele ficaram Caetano Paulo e o Pitães. Virando-se para eles diz-lhes: - Não regressaremos de mãos vazias! Vamos às pesqueiras ver se tem peixe. Arranjaremos depois alguém que nos faça a ceia.
Conhecedores das margens do Minho, avançam afoitamente, sem cautelas especiais.
João apercebe-se do movimento e das vozes e pergunta: - Quem vem lá?!
O Tomás, astuto como uma raposa, responde-lhe: - Gente de bem e de paz!
O rapaz, confiante e contente por ter companhia, aproxima-se dele sem qualquer receio.
O monstro, logo que vislumbra a silhueta esguia aponta-lhe o «bacamarte» e dispara sem hesitar. Um segundo depois os restantes facínoras descarregam as suas armas num corpo cambaleante. Pum! Pum!
O som dos disparos ecoou ao longo do rio durante momentos; depois, um silêncio pesado ficou pairando no ar.
A besta aproximou-se do cadáver e com as suas botas de militar virou-o, confirmando assim a sua morte. Cruel, como abutre que era, disse aos outros: - Agora temos o caminho livre, vamos ao trabalho!
A justiça, depois de avisada, foi ao local do crime. Junto ao corpo perfurado pelas balas assassinas encontrava-se a croça toda ensanguentada.
Já neste século (XX), um poeta anónimo, escrevia estes versos acerca do Tomás das Quingostas:
Homem de muitas matanças,
na guerra civil andou;
herói das extravagâncias
vidas sem conta ceifou!
Mais dum século decorreu
sobre a morte do malvado;
que, por ironia, morreu
sob as balas dum soldado!
Fonte: Melgaço e as Lutas Civis
1º volume
Augusto César Esteves
pp. 87 – 92
Saudações amigas a todos os melgacenses.
Joaquim A. Rocha
Publicado em: A Voz de Melgaço
Joaquim Rocha, historiador e investigador com vários livros sobre Melgaço, edita o blog Melgaço, Minha Terra.