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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

VINTE E CINCO À COROA

melgaçodomonteàribeira, 28.05.16

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O ANTIGAMENTE

 

   No final dos anos trinta e princípio dos anos quarenta do século passado, era difícil a vida em Portugal para os desafortunados. O Estado Novo enriquecia a nação acumulando riqueza à custa das dificuldades do povo que não tinha onde ganhar dinheiro que não fosse na exploração da terra. Para piorar, a carestia imposta pela guerra mundial racionara os bens de consumo e de alimentação. Mas algo curioso acontecia no meio rural, ou seja, nas aldeias ninguém passava fome. Alimentavam-se mal, é verdade, mas sempre havia com que contentar o estômago. Todas as famílias tinham uma horta onde colhiam couves e outras hortaliças da época. Com os poucos tostões compravam milho, quem não o colhia, que transformavam em farinha. Com um pouco de toucinho ou unto que sempre havia, com as couves e algumas batatas, quem as tinha, uma panela ou pote com água ao fogo, faziam o caldo que na hora de servir era engrossado com farinha de milho. O pão, também era de milho, era feito em casa em grandes broas que davam para a semana toda, era o acompanhamento daquela refeição deliciosa. No tempo próprio, a qualquer hora se surripiava uma fruta do quintal do vizinho complementando o banquete. Umas sardinhas vez por outra faziam parte do cardápio.

O Armindo, rapazote, um dos filhos da Angelina da Pontepedrinha, chegou atrasado para o jantar (almoço). A mãe, que com outras mulheres lavava roupa no regato próximo, informou ao filho: “a tua comida está no forno!” Dali a pouco o Armindo grita, surpreso, da porta da casa: “mãe, aquela sardinha é toda para mim?” Teve fases que uma sardinha dava para mais de uma pessoa. Em compensação, na mesma época teve fases de super abundância, pois a pesca sempre dependeu do ciclo do peixe e condições do mar. Um caminhão que ia de Viana ou da Póvoa que chamavam o Bota-Pra-Mula, aparecia vez por outra ou até dias seguidos e semanas, tocando uma corneta e anunciando aos berros: “sardinhas vinte e cinco à coroa”. Ou seja, 25 sardinhas por cinquenta centavos (cinco tostões). Nem sempre a fartura dava para tanto, uma sardinha chegou a custar os mesmos cinco tostões e até um escudo. Mas também tinha dias que eram quase de graça. E o Bota-Pra-Mula anunciava “sardinhas a cinquenta a coroa.” Um centavo cada, uma moeda que nem existia, a menor moeda até aos anos quarenta era de cinco centavos (meio tostão). E nesses dias de fartura quem tinha dinheiro comprava sardinhas para estocar. A parcimónia nas casas continuava a mesma; para durarem salgavam-se e guardavam-se em caixas de madeira ou tina (metade de um pipote). Algumas vezes o caminhão já trazia as sardinhas salgadas nas tinas. Outras pessoas fritavam grande quantidade que comiam frias pelos dias adiante. O Silvano de Cavaleiros procedia assim: fritava grande quantidade e guardava numa gaveta. Os muitos netos e afilhados sempre que o visitavam, quase diariamente, ganhavam uma sardinha da gaveta e entre eles circulava a palavra sardinha da gaveta como sendo uma qualidade. Ainda hoje, a Margarida, uma das netas que já tem mais idade que o avô tinha naquela altura, sempre que come sardinhas fala nas gostosas sardinhas da gaveta. Doutra vez a Augusta mandou a filha Maria à Vila comprar sardinhas e recomendou: “não quero das da tina!” Ao chegar na praça do peixe a Virgentina, conhecida como Tina foi tirar satisfações com a Augusta. Ficou esclarecido que era para não comprar sardinhas salgadas e caíram na gargalhada. E as sardinhas que por muitas épocas era comida de pobres tornaram-se artigo de luxo. Comida de pobre actualmente no Brasil é frango e galinha, coisa que noutros tempos era artigo de ricos, nobres e parturientes.

 

   Rio, Agosto de 2012

                                                                           Manuel Igrejas

 

Publicado em: A Voz de Melgaço