A NORUEGA DE PORTUGAL
MEMORIAS PARA A HISTÓRIA DA VIDA DO VENERAVEL ARCEBISPO DE BRAGA D. Fr. CAETANO BRANDÃO
Em 26 do mesmo mez (Setembro) de Castro Laboreiro: “Escrevi a V. m. ultimamente da Villa dos Arcos: agora o faço de Castro Laboreiro, depois de ter visitado Cabreiro e Valladares; e proximo para descer para Melgaço. Que serras fragosissimas; que caminhos, que despenhadeiros! O Lugar onde estou actualmente, he a Noruega de Portugal: não se vê senão rochas escarpadas, e medonhas; arvore fructifera nem huma só; e ainda as outras são muito raras: não há milho, nem trigo, nem hortaliça de casta alguma; apenas o grão de centeio. Que lhe heide dizer da gente? Estão na sua primitiva simplicidade, sem que o luxo tenha feito aqui a mais leve alteração: homens, e mulheres com o seu respectivo uniforme, de que nem hum se afasta: não há cousa mais fêa que o do sexo feminino; huma manta de Çaragoça dobrada na cabeça descendo da parte de diante até o peito muito cozida com o rosto; de traz até quasi ao chão; hum avental da mesma, ou mantéo, sem género de refego, nem préga: polainas de panno branco, e huns tamancos muito altos, atados com differentes corrêas; he o vestido geral de todas: as caras são de tapuyas tostadas, e disformes: com tudo sabem os Mysterios da nossa Santa Religião; amão as cousas de Deos; e não me consta, que haja no Lugar escandalos grosseiros. Ficárão contentíssimos de me ver na sua Terra, aonde não chegara Prelado há perto de hum seculo: e desde que cheguei sempre a Igreja tem estado cheia de Povo. Queria dizer mais, pois tinha muito para lhe contar; mas falta o tempo.”
Memorias para a Historia da Vida do Veneravel Arcebispo de Braga D. Fr. Caeteno Brandão
Tomo II
António Caetano do Amaral
Lisboa: na Impressão Regia
Anno 1818
Com Licença da Meza do Desembargo do Paço
pp. 119,120