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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

HISTÓRIAS DA MINHA BISAVÓ

melgaçodomonteàribeira, 30.04.16

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 o carvalho; à esquerda a minha vinha

 

O ANTIGAMENTE

 

- Ó Emiliano, bota aí na caderneta; a Joaquina Loureiro levou meio alqueire, a tia Rendeira também levou meio alqueire, a Silvéria entregou dois alqueires. A Chica Pega pagou o milho que levou na semana passada e a Ana Serafina acertou a conta do outro mês. O Emiliano, oitavo dos dez filhos que vingaram (em família dizia-se que tivera dezoito), paciente, destrinçava aquele emaranhado de informações no competente livro, um caderno de capa dura, onde, na etiquete, o João do Gabriel que tinha bonita caligrafia e era íntimo frequentador da casa do Emiliano, escrevera: VALA-COMUM!

Era assim a contabilidade da tia Conceição do Félix, do seu entreposto do milho. Era analfabeta mas inteligente como a maioria do povo de Melgaço no século XIX. À noite, na volta do trabalho, após tomar a ceia em sua casa no largo do Carvalho, ia à vivenda do filho, ali perto, na avenida, onde dava conta das transacções que fizera durante o dia sem esquecer detalhe, não obstante sua idade avançada. Depois que enviuvou, no início da segunda década do século XX, para se manter, ajudar os filhos, os netos, os filhos dos netos e outros aparentados, e eram muitos, meteu-se a negociar com milho. Alugou por valor simbólico (naquele tempo pouco povoada a Vila, havia lojas e casas devolutas) aquela casa na rua do Rio do Porto, esquina da estrada nacional na Loja Nova, onde muito mais tarde foi a oficina da alfaiataria do Rabioso. Comprava e revendia milho. Nem todas as famílias colhiam milho (na Vila ninguém) mas todas as pessoas consumiam o pão feito com aquele cereal.

A broa de milho era o principal alimento da população, ou o único entre indigentes. A Conceição, que desde sempre estivera envolvida com milho e farinha, teve facilidade em tornar conhecido o seu negócio e foi um benefício para o povo lhe facilitando a aquisição daquele alimento. E a forma de negociar era a mais usual entre a maioria das famílias daqueles tempos: a confiança! Em contabilidade passaram a denominar a venda a crédito e na actualidade sujeita a juros.

As pessoas compravam o milho na tia Conceição para pagar quando recebessem pelos seus afazeres, ou recebiam o ordenado, caso fossem empregadas. Mas quem vendia para o entreposto recebia na hora. Quem vendia eram os lavradores que o colhiam, e vendiam na quantidade do dinheiro que precisavam para outros produtos.

Para satisfazer as compras, como não tinha capital algum, a Conceição valia-se da Loja Nova. Era o estabelecimento mais conceituado na época com agência bancária. A D. Ludovina, esposa do António Joaquim Esteves, o dono, dito António da Loja Nova, amiga de longa data da Conceição, era quem intermediava o negócio, dinheiro que a Conceição devolvia à medida que recebia dos seus compradores. E também neste caso, eu acho que não havia juros.

Durante longa data, a forma de negociar em Melgaço era aquele, na base da confiança.

Nos anos trinta, garoto ainda, observei essa prática. As famílias eram freguesas exclusivas de determinada loja que lhes vendia tudo pela caderneta. – Sr. Hilário, a minha mãe pediu um quartilho de azeite. Ou, um quarto de quilo de arroz e toda a espécie de mercearia. E a cada compra que o freguês fazia ou mandava alguém de casa fazer, acompanhava-se da caderneta onde o comerciante anotava a compra com o valor. Talvez fizesse anotações idênticas em caderno da loja, ou nem isso, pois, alguns pequenos comerciantes faliram, por não saberem, ao fim de muito tempo, quem lhes devia. Dificilmente o comerciante ia bater à porta do devedor, mesmo quando este demorava a pagar. Lamentavelmente à medida que as gerações se iam instruindo, ia diminuindo a honestidade.

Um pequeno comerciante, no final dos anos trinta, dos poucos que ainda vendiam a crédito, certo dia fez uma relação de quem muito lhe devia. Fez bilhetes dirigidos aos devedores e pediu ao filho que os fosse entregar a cada um. Quando o garoto saiu, fechou a porta do estabelecimento e envenenou-se. O Sabino morreu dias depois em agonia. Foi o primeiro e acho que único suicídio que tomei conhecimento na Vila de Melgaço.

Quando lá atrás evoquei o comerciante Sr. Hilário, podia dizer: António Fernandes, Antenor, Zé Pereira, Zé Pequeno, Aurélio, Sabino, Carneira e Loja Nova, principais mercearias de então.

Mas voltando à minha avó Conceição do Félix, que era uma mulher vigorosa, habituada a trabalhar duro desde criança, achava que todas as mulheres da família, sob sua responsabilidade, deviam ser bastante activas, admoestando-as por tudo e por nada. Todos os dias, logo ao romper da aurora, ao abrir a porta, voltando da rua, gritava: - “Vagabundas, calaceiras, catrefa de mandrionas ainda na cama a estas horas. Já fui à Loja Nova arrumar o milho e vós a dormir”. Este rol de desaforos era mais destinado às noras que propriamente às filhas.

Os homens da casa, quando casavam, enquanto não arrumavam suas vidas e arranjavam casa própria, ficavam agregados à casa da mãe. A Aninha, esposa do Emiliano, filha única, criada com muitas regalias, que lhe permitia o ordenado do pai, guarda-fiscal, arreliava-se com os sermões da Conceição. Desconfiada, matreiramente, um dia levantou-se ainda era noite e ficou escondida para verificar o procedimento da matriarca. Então: deu o flagrante. A sogra, sorrateiramente, abria a porta da rua e saía, na mesma hora abria a porta com estardalhaço e aquela ladainha de admoestação, como voltando já de trabalhar. Dando de cara com a Aninha e percebendo que lhe descobrira a marosca, ficou sem graça e perdeu toda a autoridade com aquela nora.

Nas conversas de recordações na casa do Emiliano contou que para alimentar o rol de dependentes era obrigada a usar de subterfúgios. Não raro, mesmo negociando com milho, o pão em casa acabava antes do que era esperado. Então, quando faltava pão para alguma refeição, combinava com a filha que mais a ajudava e reclamava: - “Ó Amália, raio de rapariga, esqueceste-te de pôr o pão na mesa”. Lá da cozinha a filha respondia: - “Já vai, tenho de fazer tudo, estou ocupada”! E nada de levar o pão que ninguém reclamava. E confessou: se dissesse que não havia pão, todos iriam reclamar!

 

Rio, Outubro de 2012

                 Manuel Igrejas

Publicado em A Voz de Melgaço, 11/10/2013

 

MENDÉZ FERRÍN, UM POETA ARRAIANO

melgaçodomonteàribeira, 23.04.16

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A ESPIRAL PERMANENTE: APROXIMACIÓN LITERARIA

Á FIGURA DE X. L. MÉNDEZ FERRÍN

 

(…)

 

E en 1991 aparece, com pinturas de Francisco Leiro, a obra Erótica (Ourense: Eloy Lozano:1991), un cunxunto de oito composicións que abordan o tancorrer estacional do mundo de Eros, ao xeito de lúdica arte amatoria en estampas fragmentarias de unións e diálogos de amantes. Esta última obra presenta unha linguaxe rupturista e de collage en estreita comuñón temática com moitos dos motivos destes momentos, que encontramos tamén en boa parte dos poemas da serie “Buscalque”, “Despedida de Castro Laboreiro”, “En las orillas del Sar”, “Quais des Brumes” e “Sorga” publicada no Boletín Galego de Literatura (Mendéz Ferrín 1992: 150-154).

 

Retirado de: 

poesiagalega.org

 

 

DESPEDIDA AO CRASTO LABOREIRO

 

Eu, que nunca eu dixera, escado os cotos

do Crasto Laboreiro, moumo urces

e digovos que nada me conmove.

Sinto que a espada esta vencida e corva.

Morte que me morceas, non me asustas.

Os corgos seguirán onde adoitaban.

Outros homes virán onde eu vivira.

No Crasto Laboreiro há haber codesos,

carqueixas e herbas más descontra Gorgua

en canto o mundo siga a se-lo mundo.

O meu dó será lene bris de Outono,

e este adeus ás matérias e enerxías

en ningures será nunca lembrado.

 

Publicado por Bocanegra em 

longedecastrolaboreiro.blogspot.pt

 

REVOLTA TAMBÉM EM MELGAÇO

melgaçodomonteàribeira, 16.04.16

241 m fonte.jpegrevolta maria da fonte; as sete mulheres do minho do zeca

 

A MARIA DA FONTE

 

Diário de Notícias

21/2/1886

 

O triste incidente do dia 14 em Melgaço, em que caiu morto um popular, e ficaram feridos alguns soldados, póde ter este título historico, que a sua fiel narração plenamente justifica. A 14 do corrente à noite o alferes Pires, comandante do contingente de infantaria 10 em Melgaço, reçebeu ordem para estarem prontas ás 8 horas e meia da manhã imediata as praças disponíveis para com outras acompanharem a autoridade a uma diligencia. A ordem foi cumprida e na manhã seguinte estavam cinco praças do 11 e nove do 10 sob o comando do segundo sargento Napoleão, ás ordens do administrador que lhes ordenou o acompanhassem á proxima freguesia de Prado para obrigarem a fazer um enterramento no cemiterio da villa, que o povo pretendia se fizesse na egreja, contra as disposições da lei. Partíram e o administrador, ordenou que a força fizesse alto na ponte á entrada do povoado, em quanto na egreja acabavam os officios ao morto. Concluidos estes e a um signal combinado algumas das mulheres que enchiam a egreja começaram a abrir a cova. O administrador quiz oppor-se, mas foi empurrado e agredido pelas mulheres que o espancaram com os cabos das enxadas, havendo grande tumulto e tocando o sino a rebate O administrador convidou-as a dispersarem e até desceu à corda para impedir o enterramento. O povo feminino deu-lhe nova pancadaria tirou-o para fóra, fez grande borborinho e a aglomeração ia crescendo. Então a autoridade reclamou a força que acudiu a marche-marche, entrando o sargento na egreja com quatorze praças e fazendo as tres intimações da ordenança: - «Não atirem contra as mulheres!» diziam alguns do povo.

Os soldados quiseram fazer dispersar a multidão á coronhada. As mulheres iradas lutaram e agarraram-se ao esquife, animadas pelo padre que as excitavas e armado de um santo de pau lutou contra os soldados, chegando o cadaver a ser trazido aos encontrões no meio da bulha!! que se generalizou fóra do templo, sendo apedrejada a força, içando a revolta os seus varapaus e foices roçadoras, bem como algumas pistolas. Então é que o sargento reclamou a ordem de fogo para defeza da força, e o administrador a deu fazendo-se uma descarga para o ar, o que fez bradar a alguns do povo que os tiros eram de polvora secca e atacarem com mais vigor e força. Outras descargas se deram, então a valer, matando um homem e ferindo diversas pessoas. Só depois é que a tumba foi levada ao cemiterio e o cadaver enterrado. O padre tambem foi para a cama com uma coronhada. Quasi todos os soldados ficaram feridos.

 

In: DNmemo/ Fevereiro 2016

 

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CRISTÓVAL NO INÍCIO DO SÉCULO XX

melgaçodomonteàribeira, 09.04.16

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A FÉ É A QUE NOS SALVA

 

O povo de Cristóval foi sempre hospitaleiro e crente, amigo do diálogo e acolhedor. Gosta de conviver e do diálogo. Eu lembro com muita saudade os conselhos dados pelos mais idosos, que nós ouvíamos com atenção e depois púnhamos em prática. Eram grupos de pessoas que se juntavam atrás dum muro tosco nas Arroteias, que lhes impedia o vento de lhes tirar o lenço da cabeça que, a fazer de boné, puxando para a testa, não permitia que o sol lhes queimasse o rosto. Que saudades eu tenho desses tempos, Deus meu! O povo de Cristóval era humilde e trabalhador. Porque não havia fábricas nem qualquer indústria, dedicavam-se os seus habitantes ao cultivo da terra e do contrabando. Semeava-se milho, feijão, centeio, batata, cultivava-se o linho, etc. Porém, em anos de prolongada seca e quando os lavradores viam as suas colheitas ameaçadas, chorando, imploravam a protecção Divina e, em profundo silêncio, organizavam a Procissão de Penitência. Então, era tirado o Senhor dos Passos e a Senhora das Lágrimas – que só saiam dos altares em ocasiões de grandes crises – , e cada imagem, ao ombro de quatro homens valentes, saiam da Igreja acompanhados de enorme multidão, formada por jovens e adultos, homens e mulheres, todos descalços, que seguiam em procissão por caminhos difíceis desde Cristóval até S. Gregório, donde seguiam depois pela estrada, que os conduzia de novo à igreja. Eu era ainda criança porém recordo que, numa dessas procissões, saímos da igreja com sol escaldante e, quando regressamos, já chovia copiosamente. Que milagre, Deus meu! Admiráveis tempos esses, em que uma sardinha era partida para quatro (isto foi apreciado por mim em alguns vizinhos) e se ia para o monte, saboreando com o naco de broa, na sacola, e uns cachos de uvas, roçar o mato para a corte do gado. A vida era difícil, mas todo o trabalho era feito ao som de alegres cantigas. O contrabando de ovos, galinhas, sabão, café, pentes, etc., levado para Espanha, também era modo de vida que ajudava os mais necessitados a viver com mais conforto. Porém, era difícil e arriscada a vida do contrabandista. Recordo pelo menos dois vizinhos meus que naqueles tempos se dedicavam a passar contrabando para Espanha e que morreram baleados por um carabineiro espanhol. De Melgaço para S. Gregório não se podia transportar nada, sem a licença da Guarda Fiscal. Então uma pobre mãe de dois filhos, arriscou-se a trazer uma galinha de Melgaço até casa. Foi porém vista por um guarda fiscal que a obrigou a acompanhá-lo até ao Posto de Cevide, a 2 Km de distância, onde havia de pagar uma multa ou ir para a cadeia. A pobre vítima, com a galinha debaixo do braço, seguia a autoridade. Porém, quando chegou ao Posto onde se encontrava o Sargento que iria dar a sentença, a galinha ia morta, porque a portadora, muito silenciosamente, tinha-lhe retorcido o pescoço. Tempos difíceis sem dúvida, mas que apesar de tudo, se ultrapassavam as mágoas, cantando e rindo.

 

                                                                         Cristóval – Betty

 

Retalhos de Vidas

Edição: Câmara Municipal de Melgaço

Outubro 2002

pp. 63-64

 

 

A NORUEGA DE PORTUGAL

melgaçodomonteàribeira, 02.04.16

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MEMORIAS PARA A HISTÓRIA DA VIDA DO VENERAVEL ARCEBISPO DE BRAGA D. Fr. CAETANO BRANDÃO

 

 

Em 26 do mesmo mez (Setembro) de Castro Laboreiro: “Escrevi a V. m. ultimamente da Villa dos Arcos: agora o faço de Castro Laboreiro, depois de ter visitado Cabreiro e Valladares; e proximo para descer para Melgaço. Que serras fragosissimas; que caminhos, que despenhadeiros! O Lugar onde estou actualmente, he a Noruega de Portugal: não se vê senão rochas escarpadas, e medonhas; arvore fructifera nem huma só; e ainda as outras são muito raras: não há milho, nem trigo, nem hortaliça de casta alguma; apenas o grão de centeio. Que lhe heide dizer da gente? Estão na sua primitiva simplicidade, sem que o luxo tenha feito aqui a mais leve alteração: homens, e mulheres com o seu respectivo uniforme, de que nem hum se afasta: não há cousa mais fêa que o do sexo feminino; huma manta de Çaragoça dobrada na cabeça descendo da parte de diante até o peito muito cozida com o rosto; de traz até quasi ao chão; hum avental da mesma, ou mantéo, sem género de refego, nem préga: polainas de panno branco, e huns tamancos muito altos, atados com differentes corrêas; he o vestido geral de todas: as caras são de tapuyas tostadas, e disformes: com tudo sabem os Mysterios da nossa Santa Religião; amão as cousas de Deos; e não me consta, que haja no Lugar escandalos grosseiros. Ficárão contentíssimos de me ver na sua Terra, aonde não chegara Prelado há perto de hum seculo: e desde que cheguei sempre a Igreja tem estado cheia de Povo. Queria dizer mais, pois tinha muito para lhe contar; mas falta o tempo.”

 

Memorias para a Historia da Vida do Veneravel Arcebispo de Braga D. Fr. Caeteno Brandão

Tomo II

António Caetano do Amaral

Lisboa: na Impressão Regia

Anno 1818

Com Licença da Meza do Desembargo do Paço

pp. 119,120