TORGA, CAROLINA MICHAELIS E CASTRO LABOREIRO
O CARTÃO-DE-VISITA
(…)
Miguel Torga, o maior andarilho que Portugal alguma vez possuiu e que sabia o país de cor através da memória dos pés, que o calcorreavam em todas as direcções, descreveu num dos seus Diários um encontro que um dia se proporcionou, em Castro Laboreiro, com um molhinho de velhotas, vestidas de preto (as eternas viúvas), sentadas na soleira da porta de uma das casas. Meteu conversa, perguntou-lhes se não havia viúvos na terra – os homens são mais apressados – e principiou a afirmar-se numa das velhas, ar diferente das outras, gestos mais delicados, palavras com outra entoação, rosto menos tosco… Curioso, procurou ir ao fundo do saco e ver se de lá retirava alguma centelha que lhe iluminasse o pressentimento. Sabia tanger com mestria as cordas da ternura, era Poeta, sabia bem como fazê-lo. Pouco depois de um curta troca de palavras, a mulher levantou-se, entrou em casa e trouxe um cartão-de-visita que rezava mais ou menos desta maneira (cito de cor): “Carolina Michaelis de Vasconcelos atesta a quem possa interessar que Maria do Rosário da Rocha, natural de Castro Laboreiro, foi sua criada e, durante o tempo que a serviu, foi-lhe sempre fiel, trabalhadora e dedicada…”. O milagre que a convivência pode fazer!
(…)
Catarse – Diálogo Epistolar em Forma de Romance
Cristóvão de Aguiar & Francisco de Aguiar
Edição do autor
2011
Google Livros