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MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

MELGAÇO, DO MONTE À RIBEIRA

História e narrativas duma terra raiana

UMA LIÇÃO SOBRE O BICHO DA SEDA

melgaçodomonteàribeira, 12.12.15

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AS MINHAS CARTAS

 

Precisamente na situação da indústria paliteira está a indústria da sericicultura, com o centro principal e antigo em Mirandela e um secundário e novo para os lados de São João da Madeira. Com ela não se arranja uma fortuna rápida, mas leva-se melhor a vida e merece a pena experimentar se da mesma se faz ou pode fazer dentro duma dezena de anos uma ocupação doméstica entre as populações rurais de Melgaço.

Todos conhecem a seda animal, esse tecido leve e sempre lindo, muito usado e apreciado pelas senhoras e cavalheiros, pobres ou ricos sejam eles. É o produto da baba dum bichinho que muda de pele quatro vezes e se alimenta apenas de folhas de amoreira, o bicho da seda. Esta cultura, em si, é fácil, embora demande cuidado: eu e alguns outros já cá na terra os cultivamos, como mera curiosidade e se com esse trabalho, quase todo entregue às crianças, não ganhamos um real, isso foi devido tão somente a nenhum de nós ter posto a mira no lucro. Mas, que eu saiba, o mais antigo cultor melgacense do bicho da seda foi o Sr. Cândido Augusto dos Santos Lima, aqui vice cônsul de Espanha, porque eu recordo-me de ir à sua casa dias depois do seu falecimento – teria então os meus nove anos – e detrás da porta da entrada ver e admirar pela primeira vez a sua sirgaria: três ou quatro tabuleiros de fasquias de tabuado ou forro onde os bichinhos pacatamente devoravam as folhas das amoreiras. Sem dificuldades de maior quem quer, pois, os pode cultivar. Questão é de curiosidade e de arranjar quanto antes as árvores fornecedoras das folhas em número suficiente e conseguidas estas comprarem um ou dois gramas de sirgo para aprenderem o traquejo desta indústria caseira.

Tempo é dinheiro, dizem os ingleses, e por isso não aconselho ninguém começar esta melhoria de vida pelo seminário de amoreiras brancas, as melhores para o efeito, quer sejam das variedades Moreti e Multicaule, quer das Selvática e Rosa. Não aprovo também a plantação de estacas, aliás bom meio para a reprodução destas árvores industriais, e não recomendo nem aprovo estes sistemas por serem demorados.

O caminho a seguir é requisitá-las aos viveiros do Estado, especialmente aos de Mirandela, porque em troca de meia dúzia de escudos correspondentes às despesas de transporte recebem-se árvores cresciditas, próprias para passados meia dúzia de anos já darem boa ramada aproveitável. Qualquer casinhoto com água e luz, seco e situado em rua pacata, onde perto não bata o martelo de ferreiro e semelhantes, onde não haja ratos nem entrem as galinhas e seus parentes, serve para a criação. O essencial é saber dirigir os serviços, muitos dos quais podem ficar a cargo das crianças e mulheres da casa.

O sirgo compra-se barato também nas estações oficiais das regiões onde mais desenvolvida está esta indústria, limpo e seleccionado; se contudo alguém preferir raça de fora, rústica e de riqueza sedosa também a adquire com relativa facilidade por intermédio dos serviços de O Labrador. Não é aconselhável principiar a aprendizagem desta indústria por uma ou duas onças de semente porque lá está a sabedoria das nações a lembrar: - grande nau, grande tormenta; ou não vá o asno dar com as cangalhas no chão por levar carga de mais. De resto para a alimentação de 30.000 ou 60.000 bichos da seda são precisas muitas e boas amoreiras.

Deve principiar-se por um a cinco gramas de sirgo e se houver cuidado e higiene com os bichinhos não se admire o cultivador se no fim de dois meses de trabalho, Abril e Maio por exemplo, não receba 200$00 a um conto de réis, pois o grama de semente costuma dar dois quilos de casulos, quilo. Ora, representando o bicho da seda um arremedeio para os pobres, por que Melgaço não há-de experimentar a sericultura e depois implantá-la como indústria concelhia?

 

Publicado em Notícias de Melgaço, 8/4/1956

 

Obras Completas

Augusto César Esteves

Vol. I  tomo 2

Edição Câmara Municipal de Melgaço

2002

pp. 564, 565